sábado, 24 de outubro de 2015

Professora vítima de racismo leva debate sobre direitos para sala de aula

Professora teve um vale de R$ 700 reais negado em um shopping do RJ. Aos seus alunos, afirmou a importância de saber argumentar.

Após ser vítima de um episódio de racismo em um shopping da Zona Sul do Rio de Janeiro, a professora Magna Domingues, de 28 anos, levou para a sala de aula a discussão sobre direitos sociais e raciais.
“Não por acaso, passei por essa situação ao mesmo tempo em que os adolescentes do Rio de Janeiro são revistados para frequentar as praias da Zona Sul”, afirma a carioca que leciona em Duque de Caxias.
Em setembro Domingues ganhou um vale-compra no valor de R$ 700 e foi à loja para escolher o que compraria. A atendente, no entanto, alegou que não havia mais a promoção e que não devolveria o vale.
“A gerente supôs que eu não poderia ter um vale daqueles que foi dado a poucas pessoas e inventou isso. Se apropriaram de algo que me pertence, dizendo pertencer à empresa”, afirma a professora.
Domingues prestou queixa em uma delegacia e fez um relato nas redes sociais, que teve cerca de 3.500 compartilhamentos. “É um racismo muito velado, ninguém me deu uma palavra ofensiva, mas eu entendi muito bem o que aconteceu comigo.”
Em nota, a loja Ágatha lamentou o episódio. “Oficialmente pedimos desculpas pela falta de informação da equipe que não reconheceu os vales apresentados. Assumimos também o erro diante da equivocada atitude de retê-los”, diz a publicação.

Poder da palavra
Para Domingues, toda a situação só reafirma a necessidade de debater o racismo diariamente. “É comum tratar essas questões nos meses de maio e novembro. Mas isso é um problema real que acontece todos os dias. Deve ser um eixo norteador. Nós temos que empoderar e mostrar o pertencimento aos jovens, principalmente os que estão nas escolas públicas. Esses jovens têm que criar identidade de grupo.”
Ao falar para os alunos sobre sua experiência no shopping, ela ouviu que devia ter feito um escândalo. “Eles ficaram muito indignados, mas eu mostrei que o poder da palavra é mais eficaz do que quebrar tudo. Eu quis mostrar que não se trata do valor do vale e sim da questão que está por trás de tudo isso”, explicou.
Segundo a professora, os jovens das escolas públicas começam a passar por situações de racismo quando saem do universo escolar que frequentam.
“O racismo começa quando eles frequentam o mundo lá fora e são segregados. Quando pensam que para ir à Zona Sul, não devem usar boné ou determinada roupa para não serem confundidos com bandidos; quando não vão à praia com medo de apanhar.”
“Minha missão, enquanto professora, é mostrar que eles devem ocupar os espaços. Porque em um dia você perde espaço na praia, no outro no shopping – como foi o meu caso –, depois na universidade… Se você abaixa a cabeça para isso, só perde espaços e fica cada um no seu canto. E eu quero mostrar que não é assim.”
Com a repercussão do caso, Magna recebeu muitos relatos de pessoas que passaram por situações parecidas. “Eu percebi o quão comum são casos como esses. As pessoas passam por isso o tempo todo. E é fundamental que entendam que tudo isso passa pela educação e isso atravessa a nossa realidade.”
Nova geração
Dividir o episódio que passou com seus alunos fez com que Domingues reforçasse a esperança na nova geração de jovens. “Eu espero que eles saibam exigir seus direitos de forma lúcida e consciente, através do poder da palavra. A escola tem o papel de administrar e mediar essas questões. Eu espero que saibam ocupar os espaços.”
“Se eu não acreditar nisso eu não tenho motivos para dar aulas. Quando você trabalha com educação você tem que acreditar em transformação. É isso que te faz enfrentar descaso do governo, escola muitas vezes sem água, com problemas estruturais, sem material escolar. Se você não acredita em algo bom, você não é feliz.”


Fonte: Geledes

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