sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Mulheres que protagonizam a luta por direitos na prostituição

Cida Vieira
O Projeto Diálogos pela Liberdade dá voz às mulheres que exercem a prostituição e  abre espaço para ouvirmos delas quais são seus maiores desafios e de que forma eles podem ser enfrentados.
Constatamos que a discriminação e o preconceito são os maiores empecilhos ao diálogo, ao respeito e a liberdade destas mulheres.  A  prostituição ainda é vista como vadiagem o que associa o exercício de uma atividade  à uma imagem que desqualifica as mulheres e  abre portas para banalizar a violência, lhes negar direitos humanos e restringir a cidadania.
Com o objetivo de ampliar o debate e refletir sobre o estigma e idéias preconcebidas que pesa  sobre a prostituição conversamos com duas mulheres, que há anos lutam para promover os direitos destas pessoas.
Joice Oliveira começou sua luta por direitos  no Rio de Janeiro quando “achando que lá meus direitos estavam sendo violados resolvi denunciar . Foi aí que conheci a DAVIDA. Eu, desde que comecei a trabalhar como prostituta sempre fui assumida”.
Cida Vieira é presidente da Aprosmig  acredita que  “ o fato das mulheres esconderem  a própria identidade  gera mais violência. Porque quando você grita, você vai para a rua seus direitos são revistos. Muitas vezes as mulheres prostitutas abaixam a cabeça. A Associação veio para isto: pra dizer, olha, eu tenho profissão, nós somos autônomas, nós somos reconhecidas.”
PM- Quais são os principais problemas enfrentados pelas mulheres  que exercem a prostituição nos hotéis da Guaicurus?
CV-  Duas questões são fundamentais : direitos humanos e cidadania e outra é a violência contra  a prostituta no local de trabalho.  Por ser mulher deveria ter seus direitos humanos e de cidadã respeitados e paralelamente o reconhecimento de leis específicas para mulheres que exercem a prostituição.  Mas, por preconceito e estigma ela não está na condição de mulher. Para a sociedade ela vive a margem. Não por ser mulher, mas por exercer uma profissão que inclusive, já é reconhecida pela CBO.  
O que adianta você ter uma profissão que não tem espaço e fica clandestina?   Então a discussão é esta: regulamenta, pois já é ocupação e aí poderemos abranger as políticas públicas. Olha, rua tem que ter banheiro e mais policiamento.  Boate, mulheres trabalhando? É proibido e é crime beber em lugar de trabalho. Então as mulheres não têm que beber enquanto trabalham.  Nos hotéis, adaptar as formas. Vem a vigilância sanitária e outros órgãos responsáveis para higiene e segurança. Muitas mulheres não seriam espancadas, violentadas como estão sendo agora. Mas infelizmente a sociedade é machista.


Joyce Oliveira
JO- Os principais problemas são: valor das diárias; muito caras. A higiene é precária. Trabalhamos com nosso corpo, pelo valor que a gente paga queremos um hotel limpo e tem hotel que é muito sujo. Outra questão é a segurança. Nos problemas com homens nos quartos os seguranças tem que ser melhor orientados  em como conduzir a situação;  tinham que ser mais qualificados para  nos atender, nos proteger.  Os gerentes tinham que ter um curso, saber como tratar a mulher, porque eles têm que entender que é da gente que eles ganham. Tem gerente de hotel que humilha muito a mulher. Já houve época que falavam para a gente chegar aqui 5:30 da manhã. A gente ficava sentada no corredor com homens andado e às vezes não davam chave para a gente.  São questões muitos sérias que tem que ser pensadas,  que são pouco vistas
Como se dá o preconceito?
CV- O medo é tanto!  Medo da família e suas repressões. Tanto a igreja quanto quem contrata os serviços da prostituta acaba na rua discriminando as meninas.  A pessoa tem aquele medo de se revelar, escondem a identidade profissional devido ao preconceito da sociedade.  Ela é uma mulher, mas não pode aparecer como uma prostituta e aí se coloca à margem o que gera mais violência. Aí ela vira uma pessoa submissa. Quando você grita seu direito ninguém te faz submissa. Se entendêssemos que esta profissão é comum e todas na rua lutando por seus direitos hoje não haveria assassinatos, violências gravíssimas, violações de direitos. A sociedade iria nos respeitar.
JO- Eu como prostituta me senti discriminada quando eu tive um problema em um                                                                                                                                                                                                           hotel onde estava hospedada. Quando eu chamei a polícia e falei que era prostituta me senti discriminada. E também quando o policial ameaçou chamar o conselho tutelar para tirar minha filha eu armei a maior confusão.  Mas tudo isto porque sou prostituta; senti o peso bem na fala do policial.    
Eu passei uma semana em Brasília e fiquei chocada com o tratamento da Ministra, do Congresso, dos deputados, com tudo. Quando por  exemplo, se fala que o marido matou a mulher todo mundo fala “coitadinha da mulher”, mas se você fala que um homem agrediu uma prostituta “ela que se dane, é prostituta ela está lá porque ela quer”. Ninguém se espanta com uma agressão a uma prostituta. Mas se torna uma agressão a mulher. 
Existe possibilidades de um dia as mulheres saírem para as ruas para reclamar seus direitos?
CV- Devido ao preconceito as mulheres têm medo de serem reconhecidas e isto dificulta que se associem para reivindicar direitos.  Se as pessoas se conscientizassem que esta atividade é um trabalho e elas mesmas se movimentassem, conscientizassem que nós somos um movimento social reconhecido a violência diminuiria.
JO- Poucas mulheres têm coragem de lutar por seus direitos como prostituta. Eu desde que comecei a trabalhar como prostituta sempre fui assumida. Só que muitas mulheres têm vergonha e medo de assumir o que são. Como se alguém tive alguma coisa haver com a vida delas. Então eu acho assim, desde que algumas mulheres começam a se encorajar, empoderar e tomar conta de si e entender que aquilo é um direito delas, que não estão fazendo nada de errado, acho que mais associações serão criadas. Porque as mulheres vão estar mais empoderadas para lutar por seus direitos e vão fortalecer outros vínculos. Aqui em BH tem muitas prostitutas  e aqui é uma capital  que precisa de uma associação empoderada, não pode ser uma associação só de nome.  Por exemplo, com relação às diárias altas a melhor solução seria cobrar entrada nos hotéis, mas para diminuir as diárias. Não adianta cobrar entrada e não diminuir as diárias.  Hoje o hotel mais barato aqui é R$150,00. Então é caro.
Sobre a regulamentação
JO- A PL está parada em Brasília há dois anos esperando uma posição e nada é feito. Do meu ponto de vista, como prostituta não sou a favor da PL. Acho que a PL tinha que ser revista, até porque quando foi constituída não foi só por prostitutas. Tinha mais acadêmicos. A gente quer fazer alterações, mesmo tendo em vista que isso não vai mudar, porque as chances da PL ser aprovada são mínimas. Hoje a Rede Brasileira de Prostitutas está articulando uma carta para chegar até o Congresso. Vamos  ter um encontro nacional em novembro em que vamos refazer o  projeto de lei, escolhendo um parlamentar para apresentar em Brasília.  O atual projeto propõe que os donos de espaços de exercício da prostituição possam ficar com até                                                                                                                                                                                                                                50% do que a mulher fatura. Vamos entrar num acordo de 35%. A Rede, principalmente a articulação Note- Nordeste, está  bem organizada e acreditamos que será possível fazer este acordo.

 A PL não fala em assinar carteira, mas pode ter a possibilidade. Eu senti em Brasília, na própria Secretaria dos Direitos Humanos, no Congresso a discriminação com esta pauta de prostitutas. Então quando a gente conseguir articular uma pauta certa e concreta eu vou pedir uma audiência com  a Ministra e pedir que a prostituição entre na pauta da Secretaria dos Direitos Humanos e eles tem que destinar verbas para trabalhar com prostituição.  Porque a SDH fala que trabalhar com prostituta é trabalhar saúde, HIV, mas quando é para trabalhar direitos eles não querem. Se a gente pede uma verba para fazer mapeamento de violação de direitos humanos eles não querem. É uma forma de preconceito. Eles têm que saber que nós temos direitos e deveres, que a gente tem que entrar na pauta deles como mulher com nossos direitos. Tem que ter outras políticas públicas e argumentos para trabalhar com isto.

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