quinta-feira, 13 de março de 2014

HPV: A resistência religiosa

Apesar de indicada por especialistas em saúde, a campanha nacional de vacinação contra o HPV, lançada pelo governo federal para tentar reduzir a incidência do câncer de colo de útero, vem enfrentando resistência de grupos católicos e evangélicos.
Ao defender a castidade como única ‘vacina’ 100% eficaz contra doenças sexualmente transmissíveis, as DSTs, fiéis propõem, através das redes sociais na internet, o boicote à vacinação.

No ano passado, cerca de 4,8 mil brasileiras morreram por causa da doença. A principal dificuldade será vencer os argumentos de que a vacinação vai antecipar a vida sexual das adolescentes. Em declaração ao jornal Tribuna de Petrópolis, frei Antônio Moser, considerou a medida prematura. “A vida sexual de meninas e meninos não deve começar aos 11 anos. Abordar de forma tão massiva essa temática é como uma incitação para adiantá-la”, diz o religioso.
Superintendente de Vigilância Epidemiológica e Ambiental da Secretaria de Estado de Saúde, Alexandre Chieppe, tranquiliza os pais. “A expectativa é que essa imunização agora proteja ela, no futuro, quando for iniciar a vida sexual. De forma nenhuma, a vacina vai estimular que inicie mais precocemente a relação sexual”.
Mesmo a favor da vacina e à frente de um grupo de mulheres na Igreja Batista Rancho Novo, em Nova Iguaçu, Patrícia Alencar, afirma que não vacinaria sua filha, já que sua religião prega o resguardo do sexo até o casamento. “Minha filha tem 9 anos, mas se estivesse na idade, não vacinaria. Prezo e educo pelo resguardo”, diz.


A medida polêmica divide opiniões. Líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, o pastor Silas Malafaia acredita que há desinformação. “A vacina é preventiva e não caracteriza promiscuidade. Não há princípio religioso que defenda isso. Pelo contrário, Deus diz que devemos cuidar da saúde e do corpo”, diz.
No Blog da Família, voltado para cristãos e que não retrata a opinião da Igreja Católica, os pais são orientados a investigar os riscos. “Quando suas adolescentes retornarem à escola , será oferecida a vacina do HPV. É necessária a autorização dos pais e oferecida a opção para os pais de se oporem a esta vacina”, informa. Com base no alerta, visto mais de 3 mil vezes, uma mãe desistiu de imunizar a filha de 12 anos. “Senti que seria como se estivesse liberando minha filha para iniciar a vida sexual. Li a orientação e meu coração ficou em paz”, postou.

Muita gente nunca ouviu falar da enfermidade
Apesar da campanha do Ministério da Saúde, ainda há pessoas que nem ouviram falar sobre a vacinação nem sobre a doença. Ontem, na Igreja Pentecostal Deus é Amor, na Gamboa, algumas disseram que não faziam ideia da sigla: “Nunca ouvi falar em HPV. É alguma coisa da Aids?”, questionava a obreira Maria de Lourdes Souza, 55 anos. “Por que as meninas precisam tomar tão cedo? Nem elas sabem o que é isso”, completou Susane de Lima, 27 anos, outra fiel.
 Muitos ainda reclamavam da falta de informação. “Deveria haver mais esclarecimento sobre a doença para as meninas. Minha filha de 12 anos nem imagina o que é isso”, comentou Denise Thiago de Medeiros, de 26 anos, que estava na Lapa.
Líder da Assembleia de Deus dos Últimos Dias, em São João de Meriti, o pastor Carlinhos também não sabia da vacina ou detalhes sobre a doença. “Sou a favor da fidelidade entre casais acima de tudo, mas preciso entender melhor o que é o HPV antes de dar minha opinião sobre o assunto”, afirmou o religioso, com cautela.

Campanha já passou por 48 unidades de ensino municipais
Na Escola Municipal Bento Ribeiro, no Méier, meninas que esperavam ser vacinadas contra o HPV, ontem, voltaram para casa sem a imunização. Apesar de a direção do colégio ter distribuído o papel de autorização para os pais assinarem e de ter abordado o assunto em reunião com as famílias, a campanha foi suspensa sem explicação, segundo as estudantes.
As alunas do sexto ano, Mayara da Silva e Vitória Michelle da Silva, 11 anos, ficaram surpresas com o cancelamento. “Disseram que a vacinação ia começar hoje, mas não veio ninguém. Foi uma decepção”, comenta Mayara.
Já na Escola Municipal Professor Augusto Paulino Filho, na mesma rua, de 41 meninas, 40 foram vacinadas, segundo o enfermeiro Lúcio Mauro Paranhos, que trabalha na Clínica da Família César Pernetta. “Não tivemos problemas. Com a autorização dos pais, o procedimento foi feito. Só uma menina não foi vacinada, porque ficou muito nervosa”, declarou, confirmando que na Escola Municipal Bento Ribeiro a campanha foi adiada.
Entre as meninas protegidas, estava a neta de Sandra Assumpção, Ana Carolina Silva, 11. A avó, que é dona de casa e acompanha de perto a educação dos netos, autorizou. “Vi na televisão e houve uma reunião de pais, quando a direção explicou a campanha. Fiquei preocupada com uma possível reação, mas correu tudo bem”, disse.
Rosa de Lourdes da Silva, 44, mãe de Larissa da Silva Oliveira, 13, também aprovou a vacinação nas escolas: “Eu achei ótimo ser no próprio colégio, já que no posto sempre tem fila”.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, o cronograma prevê que a Escola Municipal Bento Ribeiro receba as equipes de vacinação hoje e amanhã. A secretaria acredita ter acontecido algum problema de comunicação. A campanha, que começou na segunda-feira, já passou por 48 escolas municipais.

Fonte: O Dia (RJ)

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