Digamos a verdade. A (justa) ênfase dada pelos jornais,
pelos canais de televisão e pela web ao Dia Internacional pela Eliminação da
Violência Contra a Mulher, que se celebrou no dia 25, com manifestações em toda
parte, não conseguiu dissipar uma vaga sensação de hipocrisia. Trata-se, no mínimo, de mudar as palavras desgastadas que os contam e as imagens que os representam. Trata-se de subverter os estereótipos que, infelizmente, provêm de uma sociedade ainda atrasada e de uma cultura ainda profundamente machista.
A reportagem é de Paolo Di Stefano, publicada no jornal
Corriere della Sera, 26-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A mensagem era clara e muito nobre: é infame que um número
enorme de mulheres, jovens ou adultas, italianas ou estrangeiras, sejam mortas,
torturadas, espancadas pelos homens, muitas vezes companheiros, maridos,
namorados, amantes, ex-amantes rejeitados, pais, irmãos.
"Feminicídio" é a palavra cunhada para definir um
crime muito difundido que, tempos atrás, não tinha nem nome (um vocábulo tão
novo que ainda hoje é sinalizado pelo Word com um sublinhado vermelho). Então,
por que hipocrisia?
Porque, passado o dia 25 de novembro, a cultura e as
palavras que expressam as violências perpetradas pelos homens contra as
mulheres permanecerão as mesmas de sempre. O homicídio de uma bela moça (o fio
vermelho Chiara Poggi, Sarah Scazzi, Yara Gambirasio, Melania Rea...) acaba
ativando uma curiosidade mórbida, para dizer o mínimo: é melhor se da vítima
são encontradas imagens sedutoras, percursos "nebulosos",
comportamentos socialmente não "irrepreensíveis".
Tornam-se casos de uma alta taxa de noticiabilidade,
repletos de particulares "suculentos" que são considerados não
indispensáveis para outros crimes comuns. As motivações sexuais às quais são
relacionados e que certamente existem se colorem com inúmeras conotações
tagareladas ao leitor com uma satisfação mal disfarçada.
Digamos a verdade. Mesmo quando cresce a indignação, o
relato e as palavras são sempre as mesmas: no clichê da mulher-objeto, quase
passivo da violência, a ênfase estética nunca falta (se desperdiça o adjetivo
"bela": um agravante ou um atenuante?).
A relação é sempre ele-ela, nunca ela-ele. O protagonista é
sempre o homem, que conduz os fios da relação e os corta brutalmente se
necessário. O verbo na voz passiva é um indício: é ela que é violentada;
raramente é ele que violenta.
Digamos a verdade. O homem continua sendo chefe também nas
nossas palavras. Quanto peso teriam tido as tragédias de Chiara, Sarah, Yara,
Melania se as vítimas se chamassem Pedro, Marcos, Mario, João? Iríamos nos
delongar tanto sobre as suas roupas íntimas?
O feminicídio, infelizmente (infelizmente), para as regras
do jornalismo, é o equivalente do cão que morde o homem (ou a mulher), mas é
tratado como se fosse a exceção, o homem (ou a mulher) que morde o cão.
Dir-se-á: melhor assim, a ênfase contribui para aumentar a sensibilidade da
opinião pública. Muito bem. Mas não é exatamente essa a intenção, digamos a
verdade.
Não se trata, de fato, de reduzir o espaço dedicado a tais
horrores. Trata-se, no mínimo, de mudar as palavras desgastadas que os contam e
as imagens que os representam. Trata-se de subverter os estereótipos que,
infelizmente, provêm de uma sociedade ainda atrasada e de uma cultura ainda
profundamente machista. Cujos sintomas semióticos – digamos a verdade – emergem
com ênfase nos relatos noir, mas afloram na cotidianidade da comunicação
generalizada, rosa ou branca que seja. E, talvez, para superar a hipocrisia,
seria útil começar daí.
Fonte: Ihu
Nenhum comentário:
Postar um comentário