A proposta defende que as pessoas tenham o livre direito de se prostituir, mas que a lei tipifique quando houver violação de seus direitos para finalidade sexual. “Exploração sexual é um crime, não só quando criança e adolescente são explorados, mas também quando os adultos o são. Se o profissional do sexo trabalha e fica com menos de 50% do que ganha, isso é exploração sexual, e deve ser combatido”, detalha.
O PL aguarda designação de relator na CHDM (Comissão de Direitos Humanos e Minorias) da Câmara.
O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), autor do Projeto de Lei 4.211, de 2012, que regulamenta a atividade dos profissionais do sexo, colocou entre as prioridades de seu mandato conseguir a aprovação de sua proposta antes da realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 devido à expectativa de milhares de turistas que haverá no país. O PL, batizado de Lei Gabriela em homenagem à escritora, presidente da ONG Davida e socióloga formada pela USP Gabriela Leite, que virou prostituta aos 22 anos, tem como objetivo garantir que o exercício da atividade do profissional do sexo seja voluntário e remunerado. A ideia também é garantir direitos trabalhistas a esse grupo e deixar clara a distinção entre prostituição e exploração sexual para finalidade legal, conceitos hoje confundidos pelo Código Penal.
Jean Wyllys, também autor da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do casamento civil igualitário, que reconhece as uniões estáveis homoafetivas, compõe um pequeno grupo de parlamentares que defendem os direitos do público LGBT. A causa conta com alguns outros, tem respeito de poucos e a descrença de muitos que julgam que ele coloca em risco sua possibilidade de reeleição ao tratar de temas tão polêmicos, como também a defesa da proposta da Lei da Identidade de Gênero, apresentada pela deputada Erika Kokai (PT-DF) por meio do PL 4.241/2012, que dá o direito a uma pessoa de mudar o sexo, o nome e a imagem de registros quando o sexo psicológico dela divergir do sexo físico, caso de travestis, transexuais e intersexuais.
Ele garante que encontrou um motivo para colocar em risco o seu próprio mandato, que é defender as minorias, os homossexuais, as prostitutas, as crianças e adolescentes infratores e arremata: "No Congresso Nacional, eles não fazem isso porque estão pensando nos seus interesses, na sua reeleição".
Leia íntegra da entrevista concedida à Rede Brasil Atual.
Rede Brasil Atual - O sr. pode detalhar o projeto de lei que prevê a regulamentação da prostituição?
Jean Wyllys - Sim, é um projeto de lei que regulamenta o trabalho das profissionais do sexo, garantindo a elas direitos trabalhistas que hoje lhes são negados. O que há de mais importante nessa lei é uma distinção que faço entre prostituição e exploração sexual. Exploração sexual é um crime, não só quando criança e adolescente são explorados, mas quando adultos também o são. Se a profissional do sexo trabalha e fica com menos de 50% do que ganha, isso é exploração sexual, é algo que tem de ser combatido. Quando a pessoa é forçada a fazer algo que ela não quer, isso é exploração. A prostituição é escolha. O projeto distingue uma coisa da outra no sentido de enfrentar a exploração sexual. Nossa sociedade fica negando que a prostituição existe. Não quer reconhecer os direitos das prostitutas por uma questão moralista e hipócrita já que essa mesma sociedade é a que recorre aos serviços delas. Essa sociedade que nega permite que existam casas que funcionam no vácuo da ilegalidade onde crianças, meninas são exploradas, sobretudo as vindas do Norte e Nordeste.
Isso já pode ser encarado como tráfico de pessoas...
Jean Wyllys - Exatamente, e distinguir o tráfico de pessoas do direito de ir e vir é uma forma de enfrentar a exploração sexual de crianças, adolescentes e adultos, enfrentar o turismo predatório sexual. É preciso regulamentar o trabalho das profissionais do sexo, como a Alemanha fez às vésperas da Copa do Mundo, em 2006. Meu projeto considera o fato de que o Brasil vai sediar dois grandes eventos que vão atrair milhões de turistas. Vai ser uma loucura e nós temos de proteger nossas crianças e adolescentes. Temos de levar a Vigilância Sanitária às casas de prostituição, temos de garantir às prostitutas campanhas de prevenção das DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis), acesso a camisinha, a serviços de saúde.
Que direitos o sr. propõe?
Jean Wyllys - A gente precisa reconhecer o trabalho das prostitutas e protegê-las, dar os direitos trabalhistas, aposentadoria, tudo, tratá-las com a dignidade que merecem porque o trabalho delas não é de agora. Os moralistas ficam me criticando: 'Ah, você, em vez de combater a prostituição...' Eu digo a eles: a prostituição é uma escolha. As pessoas têm o direito de prestar esse serviço, e ela tem de ser respeitada como prostituta, dentro da lei. Outra coisa, uma pessoa adulta, capaz, goza de liberdades individuais e essas liberdades têm de ser protegidas. Se ela escolhe fazer isso, que faça dentro da legalidade e com todas as garantias. Se a gente legaliza dessa maneira, a gente impede que crianças e adolescentes sejam exploradas porque não existe prostituição infantil. É um erro gravíssimo da mídia recorrer a esse termo, isso não existe, o que existe em relação a crianças e adolescentes é a exploração sexual. Prostituição é feita por uma pessoa adulta e capaz e consciente, que decide fazer aquilo.
Em que medida a prostituição pode ser confundida com tráfico de pessoas?
Jean Wyllys - É importante distinguir tráfico de pessoas do direito de ir e vir. Muitas mulheres estão sendo impedidas de tomar sua decisão, de poderem se prostituir onde quer que escolham. Mas o tráfico humano é definido quando a pessoa é submetida a uma situação que não escolheu, quando é enganada, levada de seu lugar sem permissão. Quando ela vai de espontânea vontade para ser prostituída ela deve ser respeitada. Se ela cair na malha do tráfico, apesar de ter saído pela livre escolha, tem de ser protegida pelo governo. As representações diplomáticas têm de estar atuantes. Prostituição é acordo formal entre duas pessoas, até mesmo quando há agenciadores, desde que a porcentagem do agenciador não seja superior ao valor que vai ficar com a prostituta. Com os grandes eventos será grave o que vai acontecer. É preciso que a lei da regulamentação da profissão seja aprovada para proteger as profissionais do sexo e as crianças e adolescentes da exploração infantil.
O ambiente do Legislativo não parece propício a essas mudanças. Quais outros parlamentares estão nessa causa?
Jean Wyllys - Tem a Manuela D'Ávila (PCdoB-RS), a Erika Kokai (PT-DF), o Doutor Rosinha (PT-PR), Artur Bruno (PT-CE), Teresa Surita (PMDB-RR), Carmen Zanotto (PPS-SC), Rosane Ferreira (PV-PR). Tem algumas pessoas do PT. Embora alguns deputados não sejam a favor nem contra podemos contar com eles. Há outros como Paulo Teixeira, que, apesar de este não ser assunto da vida dele, se ele for conclamado a votar, ele vota com a gente.
E como o sr. avalia esse apoio tão restrito?
Jean Wyllys - Nós temos aliados. Pena que as pessoas se sintam muito amedrontadas. Os deputados não colocam o poder em risco. Tem um provérbio árabe que diz que se você não encontra um motivo pra colocar o poder em risco você não é uma pessoa que vale a pena.
O poder tem de ser posto em risco. É preciso popularidade para se eleger, mas é preciso governar com certa impopularidade, porque você não pode governar agradando a todo mundo. Você vai tomar uma medida ou outra que vai desagradar de fato muita gente, e isso é importante em nome da justiça. Quando você faz isso em nome da justiça, pode até colocar o poder em risco, pode colocar o cargo em risco, mas você não está colocando sua conduta em risco, seu senso de justiça.
Qual sua avaliação do governo Dilma Rousseff nesta questão?
Jean Wyllys - Toda minha crítica ao PT vem daí, porque o governo Dilma (Rousseff) não quer comprometer nada. O governo Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) já era assim. Ela não quer comprometer a estabilidade da base, o projeto de longo prazo do PT no poder e com isso não faz os enfrentamentos necessários, não elabora as políticas necessárias, não destina os recursos para onde deve destinar. Quando a gente chega ao poder não se pode deixar picar pela mosca azul e achar que a gente vai permanecer ali pra sempre. Muita gente fala pra mim: 'Você é suicida, kamikaze, tá fazendo um mandato que não vai lhe permitir a reeleição'. E eu digo que vivi sem ser deputado até agora. O importante é que coloquei o mandato a serviço de uma causa justa, o bem de minorias. Não importa se as pessoas não vão votar em mim porque eu defendi as prostitutas, o direito da mulher, as crianças e adolescentes infratores, os homossexuais, não me interessa. O que importa é meu compromisso, minha consciência. Eu encontrei um motivo para colocar em risco o meu próprio mandato, que é defender as minorias. No Congresso Nacional, eles não fazem isso porque estão pensando nos seus interesses, na sua reeleição.
De que maneira o Estatuto da Diversidade Sexual vai colaborar para a causa e qual a expectativa de tramitação desse projeto?
Jean Wyllys - O Estatuto da Diversidade Sexual precisa de 1,4 milhão de assinaturas para ser apresentado como um projeto de iniciativa popular. É uma pena que a presidência da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) não tenha acatado como uma proposição da entidade, mas a Maria Berenice Dias (advogada especialista em direito homoafetivo, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB federal que está à frente da proposta) encontrou forma interessante de tornar a proposta uma lei de iniciativa popular. Com o estatuto, ela criou um marco legal de proposições legislativas favoráveis ao público LGBT. Reuniu tudo neste marco legal chamado estatuto. Eu assinei, apoio publicamente, e agora vamos ver se haverá assinaturas suficientes para ser apresentado.
Há também a PEC do casamento civil igualitário de sua autoria...
Jean Wyllys - O estatuto contemplava esta PEC, que visa a garantir no âmbito da Constituição o reconhecimento das uniões estáveis homoafetivas e todos os efeitos que a união deve ter, inclusive a sua conversão em casamento, e isso se traduz na luta concreta pelo casamento igualitário. A Berenice tirou o conteúdo desta PEC do estatuto porque a batalha em torno da PEC, feita especialmente com a visibilidade dos artistas, pode auxiliar o estatuto. Se a PEC passar, a chance do estatuto passar é maior. A PEC vai tramitar sozinha, mas vamos lutar também pelo estatuto.
A Maria Berenice Dias tem a meta de conseguir as assinaturas em um ano, o sr acha possível?
Jean Wyllys - Acho que sim, se colocarmos a questão de forma suprapartidária. O movimento LGBT não consegue ampliar a sua base social, não consegue ganhar capilaridade, não consegue seduzir a grande comunidade LGBT. O movimento não consegue isso porque está atravessado por questões partidárias. Deveria agir de maneira suprapartidária, mais solidária, buscar aliados em todos os partidos, seja no espectro direito ou esquerdo da política, para a gente conseguir chegar à grande comunidade LGBT, que se encontra dispersa, despolitizada, alheia à política.
Como o sr. analisa a cruel marginalidade vivida por travestis e transexuais?
Jean Wyllys - Da sopa de letra que compõe a comunidade LGBT, é o segmento mais vulnerável, cujos direitos são mais violados. É o grupo mais empurrado para a margem e, ao estar na margem social, é o grupo que mais tem conexões com o crime, seja como vítima ou como agente. Me sensibiliza muito. As travestis não podem esconder o signo do estigma. Nós, os homossexuais com identidade de gênero masculina assim como os homossexuais de identidade feminina, podemos esconder a homossexualidade. A gente pode negar. Aliás,a possibilidade de esconder isso é que fragmenta nossa comunidade, é que mina nossas forças. A sociedade nos empurra a negar, a não dizer, a ir pro armário. As travestis não têm como esconder isso porque não se trata de orientação sexual, mas sim de identidade de gênero, é uma metamorfose do corpo. Isso não pode ser discutido. Tem exclusão na escola, bullying, exclusão na família, no trabalho. O que resta a elas é a própria comunidade, e a comunidade não tem muita opção a não ser colocá-las nos moldes de vida da comunidade e necessariamente elas acabam indo para a prostituição porque não têm outro meio de sobrevivência. Não podem trabalhar como domésticas como vendedoras de lojas ou esteticistas. Existem poucas que trabalham em salões de beleza, mas muitas vezes nos próprios salões os clientes reclamam. É um grupo muito vulnerável, a despeito da quantidade, não importa a quantidade de travestis, o importante é que a gente se sensibilize em relação ao drama que elas vivem.
O que já foi pensado em termos de proteção a esse grupo no âmbito legislativo?
Jean Wyllys - No que diz respeito à questão legislativa, nas funções de parlamentar há muito pouco a se fazer. Estamos na batalha pela Lei de Identidade de Gênero que vai garantir às travestis e transexuais e aos travestis e transexuais, trans homens e trans mulheres, o registro do nome social com a identidade de gênero correta para que não haja constrangimento em locais públicos, como aeroportos, e em concursos públicos. A Lei de Identidade de Gênero também quer garantir a cirurgia de transgenitalização sem necessariamente patologizar, tratar a transexual como uma pessoa doente e admitir cirurgia apenas nesse caso, que precise de um psiquiatra para diagnosticar. A lei é moderna, inspirada na lei argentina, e prevê cuidados especiais. Alguns argumentam, travesti não é doente, o Estado não tem se ocupar disso. Mas como não tem de se ocupar? A Constituição garante a todos nós saúde integral, bem-estar. Então, assim como a gravidez não é doença, mas exige cuidados especiais, também a transexualidade exige cuidados. E essa lei prevê esses cuidados. Prevê que os hospitais de referência tenham equipe multidisciplinar, treinada para atender às pessoas trans. A essa lei, de autoria da deputada Erika Kokai, vai estar apensado projeto da deputada Cida Diogo que vamos desarquivar, que é o projeto específico para o nome social.
Que outras iniciativas podem defender os direitos desse grupo?
Jean Wyllys - Também estou fazendo a revisão da Lei de Licitação, a Lei 8666, para fazer com que empresas públicas, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Petrobras, só contratem empresas prestadoras de serviços que tenham programas de equidade de gênero, que promovam igualdade racial, que tenham inclusão para negros e transexuais e travestis. Então, é a maneira que nós, parlamentares da frente parlamentar (Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT), encontramos de atuar em favor desta comunidade, que merece e tem nossa atenção. Mas é um grupo que precisa da atenção dos prefeitos, governadores. Essa é uma questão de política pública, das prefeituras, dos estados e do governo federal, por meio da Secretaria de Proteção à Mulher e a de Direitos Humanos. É menos de lei e mais de política pública que eles precisam. Envolve até a questão orçamentária. Precisa haver programas de inclusão que as impeçam de cair na prostituição. E que esta seja uma opção, uma alternativa para aquela que quer ser, mas que essa não seja uma condição.
Fonte: Rede Brasil Atual
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