quinta-feira, 26 de julho de 2012

Santas, irmãs, místicas: quando o paraíso é feminino

Na tradição católica, o papel das mulheres não só é, mas também sempre foi de um peso e de uma importância que, à primeira vista, podem passar despercebidos, mas que, a um exame apenas um pouco mais atento, se revelam extraordinários.

A opinião é do historiador italiano Franco Cardini, professor do Istituto Italiano di Scienze Umane (Sum), em artigo para o jornal Europa, 19-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O que acontece, na Itália e no mundo, com a relação entre o nosso tempo e a religião (e/ou religiões)? Ainda é válida, de algum modo, a teoria proposta décadas atrás por Sabino Acquaviva, que prospectava um irreversível "eclipse do Sagrado" na sociedade moderna? A julgar pelo que se ouve hoje por aí – e eu penso, por exemplo, nas teses de Zygmunt Bauman – se poderia dizer que, no início do terceiro milênio, o que entrou em crise foi a Modernidade, antes e acima de tudo, e não as religiões.
Mas como é vivido o cristianismo em comparação com as Igrejas históricas que oficialmente o representam? E, em particular para a Igreja Católica, o que há de verdadeiro sobre os cismas, talvez "submersos", dos quais Pietro Prini e Riccardo Chiaberge também falaram em modos e tempos diferentes?
O mal-estar que floresceu a propósito do IOR ou da presença de "corvos" no Vaticano corresponde a uma emergência contingente ou é o espião de uma crise profunda? E será que verdadeiramente a Igreja não conseguiu fazer as contas a sério e totalmente com a Modernidade, como defendem Sergio e Beda Romano? Mas as outras confissões cristãs estão melhor do que a católica? E, se o cristianismo está em crise, também não o estão talvez outras fés, começando pelo judaísmo e pelo Islã, em que, ao contrário, até mesmo o crescimento dos movimentos fundamentalistas – que muitos interpretam, com leviandade, como um sintoma de força e de expansão – pareceria apenas um sinal de crise não leviano?
 Entre os pontos críticos mais delicados, muitos indicam a respeito o tema da relação entre Igrejas, fés, instituições religiosas e sexo feminino. Isso pareceria particularmente complexo para as três fés nascidas da cepa abraâmica comum, os três monoteísmos de raiz bíblica que parecem marcados, desde as origens e de modo indelével, pelo preconceito da "inferioridade" da mulher com relação ao homem.
O feminismo e os vários movimentos de emancipação da mulher não hesitaram a apontar, muitas vezes, o dedo acusador contra personagens, instituições e tradições cristãs, judaicas ou muçulmanas acusadas de "machismo". Mas, em questões de "paridade" e de "igualdade" (dois valores muitas vezes confundidos entre si, mas na realidade muito diferentes), se eram as Igrejas Reformadas ocidentais (os "protestantismos") que figuravam até agora na vanguarda – e basta pensar na espinhosa questão do "sacerdócio feminino" –, muito está se movendo também na Igreja latina, nas ortodoxas e orientais, além das comunidades judaicas e nas muçulmanas.
É certo: o caminho é longo, as perspectivas que a nós, ocidentais, parecem necessárias e até mesmo sacrossantas não o são, de fato, em outras culturas, e, em suma, não é apenas uma questão de hijab ou chador. No entanto, o que talvez pode passar despercebido é que, na própria tradição católica, o papel das mulheres não só é, mas também sempre foi de um peso e de uma importância que, à primeira vista, podem passar despercebidos, mas que, a um exame apenas um pouco mais atento, se revelam extraordinários.
É o que se enfatiza na grande, bela e importante coletânea de ensaios editada por Lucetta Scaraffia e Gabriella Zarri, Donne e fede. Santità e vita religiosa in Italia [Mulheres e fé. Santidade e vida religiosa na Itália] (Ed. Laterza), que contém contribuições de altíssimo valor como as de Anne Jacobson Schutte, de Marina Caffiero, de Sara Cabibbo e de outras exímias estudiosas (com uma única embora excepcional presença masculina: a de Adriano Prosperi) que vão desde o século IV ao século XXI, do ascetismo protocristão aos personagens religiosos femininos no cinema.
Às vezes, todos estamos um pouco tão convencidos, a priori, de que o cristianismo é "machista" que não conseguimos nem refletir sobre o fato de que, a partir de Cristo, as suas duas figuras fundamentais são mulheres, Eva e Maria; nem sobre o fato que vê as mulheres em primeiríssimo plano – muitas vezes bem acima dos homens – no que se refere à mística, à ascética e às expressões carismáticas.
À parte de casos como Joana d'Arc, todo o mundo cristão – de Maria do Egito a Teresa de Calcutá – ressoa de vozes femininas. Muitos são os estudos recentes dedicados, por exemplo, a Hildegard de Bingen: princesa, visionária, cientista e talvez "maga", que fascinou Frederico Barba-Ruiva e Carl Gustav Jung. Mas os não espanhóis não conhecem suficientemente Teresa de Ávila, a extraordinária carmelita do século XVI à qual Carlos Ros dedicou um denso perfil biográfico, Teresa d’Avila. Coraggio al femminile [Teresa de Ávila. Coragem no feminino] (Edizioni Paoline).

Certamente, à parte da Reforma, as mulheres eram frequentemente "reclusas": e sobre as monjas, de Alessandro Manzoni a Aldous Huxley, conhecíamos histórias que muitas vezes desorientam. No entanto, exceções e rebeliões à parte, o mosteiro ou o convento podiam oferecer extraordinários recursos, mesmo sem sair, nem formal nem substancialmente, da disciplina e da reclusão: é o que Silvia Evangelisti consegue nos relatar em Storia delle monache [História das monjas] (Ed. Il Mulino), que não deixará de surpreender.
Estamos um pouco muito habituados a conceber o mosteiro ou o convento como "universos concentracionários", gânglios de uma sociedade reprimida e repressiva, hipócrita e convencional: Evangelisti desenha um quadro diferente, em que a instituição de vida comunitária se torna forja de ideias, lugar de trocas e de recursos inovadores.
Mas hoje, nos tempos da Modernidade – baumanianamente falando – "líquida", tudo é posto em discussão. Se, de um lado, se tornam cada vez mais claros os sinais do cansaço perante aquela absolutização do indivíduo que parece ser a característica mais evidente da própria Modernidade, de outro, nota-se como já não se consegue mais sair dos parâmetros individualistas: em La fuga delle quarantenni [A fuga das mulheres de 40 anos] (Ed. Rubbettino), Armando Matteo, já conhecido como autor de La prima generazione incredula. Il difficile rapporto tra giovani e fede [A primeira geração incrédula. A difícil relação entre jovens e fé] (2010) analisa um fenômeno que parece sem volta: são as mulheres – há séculos as silenciosas testemunhas da fidelidade à Igreja e da mudança geracional dos fiéis (a Itália é o país onde "as mulheres vão à igreja", e os homens, não: são as mulheres que ensinam as crianças...) – que agora parecem ter rompido o antigo pacto que as ligava ao universo mariano, à família, aos costumes. As mulheres, que hoje têm entre 20 e 40 anos, não vão mais à igreja, se aproximam cada vez menos dos sacramentos, se importam cada vez menos que os familiares o façam.
Consequentemente, casamentos religiosos, batismos, cerimônias de crisma e de comunhão estão em queda livre. O remédio seria redefinir completamente a relação entre Igreja, sociedade e mulheres, renovar o sentido da comunidade, abrir-se a experiências novas. Será possível? Como? Mas, dizíamos, tudo isso não é verdade só no mundo cristão.

Francesca Caferri, jornalista do La Repubblica, no seu Il Paradiso ai piedi delle donne [O Paraíso aos pés das mulheres] (Ed. Mondadori), nos guia em uma inédita e, para muitos, inesperada e incrível incursão pelo mundo muçulmano. Os estereótipos que ainda hoje nos orientam fazem com que esperemos um Islã dilacerado entre as mulheres resignadas e submissas, veladas e silenciosas, e as poucas rebeldes que ousam desafiar o poder machista dos seus pais, maridos, namorados, tios e irmãos, muitas vezes pagando a sua coragem com a vida.
Caferri nos obriga, ao invés, a nos confrontarmos com um mundo que nunca imaginaríamos: um mundo que – da Arábia Saudita ao Iêmen, passando pelo Egito da "primavera árabe" ao Marrocos da nova Constituição desejada por Mohammed VI – nos mostra que há mulheres (empresárias, jornalistas, políticas, escritoras...) que conseguem se apoiar na Lei do Profeta e até mesmo nas convenções que mais pareceriam marginalizá-las para afirmar o seu direito de se fazerem ouvir e para mudar a sociedade em que vivem.
Sempre imaginamos as dinâmicas da "libertação da mulher" segundo os nossos parâmetros "eurocêntricos": agora, nos damos conta de que elas seguem outros caminhos, lógicas diferentes, estratégias impensadas e impensáveis para nós.
O Paraíso está à sombra das espadas, mas também aos pés das mulheres.
Fonte: Ihu

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