quarta-feira, 25 de julho de 2012

Legalização da Prostituição ou Institucionalização da Escravatura Sexual


Por Alfredo P. Campos[1]
Antes de mais, sou contra a legalização da prostituição porque sou contra a legalização da escravatura. A verdade é que, ao contrário do que alguns dizem, a prostituição não é uma escolha e muito menos a mais antiga profissão, é quando muito a mais antiga forma de exploração.

A relação de prostituição raramente se dá a dois; intervém na maioria dos casos, e interviria se esta fosse legal, uma terceira parte: o organizador e explorador da prostituição, o recrutador, o chulo e o proxeneta, o proprietário das casas, salões e quartos e toda a rede exploradora e esclavagista em que estes se inserem.
Acreditará alguém que a prostituta é uma menina rica que opta por vender o seu corpo? Não, salvo meia dúzia, a prostituta provém de bairros degradados, de casas sobrepovoadas, de famílias numerosas e pais alcoólicos, resulta da degradação económica e da segregação social. Sofreram maus tratos, fome abandonos e abusos, não foram queridas nem amadas.
A maioria das mulheres procura escapar à violência, à pobreza e à falta de oportunidades, mas uma vez sob o controle do chulo e do traficante de mulheres é mantida na prostituição por violência e coacção. A sujeição a inúmeros actos sexuais indesejados resulta em traumas físicos e psíquicos, a prostituta recorre a drogas e álcool para suportar as múltiplas invasões dos seus corpos, e assim enreda-se cada vez mais nas malhas do crime organizado.
Aos falsos modernistas que clamam o direito à escolha, lembro as emigrantes ilegais, colombianas, brasileiras, da ex-URSS e demais mulheres traficadas, pois é essa a palavra e não outra, lançadas nas mãos de chulos e proxenetas. Que escolha fizeram elas? Que escolha fizeram as crianças de 14 ou 15 anos que deambulam pelo Choupalinho à espera de cinco contos e uma hora de tormento que nem álcool nem drogas farão esquecer? Que escolha fez a toxicodependente que no Casal Ventoso vende o corpo por uma dose? Que escolha fizeram estas mulheres? Se se trata de uma escolha, por que estranho motivo a esmagadora maioria das mulheres que tem outra possibilidade não opta pela prostituição? Por um motivo simples, não precisam de a tal se submeter porque tiveram a hipótese de escolher; entretanto, à esmagadora maioria das prostitutas nenhuma opção foi dada, nenhuma escolha puderam fazer.
Falemos de legalização propriamente dita. Convém antes de mais lembrar que o exercício da prostituição não está criminalizado, a prostituta não está sujeita a qualquer tipo de pena por se prostituir. Quem está sujeito a perseguição criminal são os proxenetas, os que traficam as mulheres, que integram as redes de organizações criminosas, os que traficam a droga nas redes de prostituição, que branqueiam capitais, no fundo, aqueles que realmente beneficiariam desta suposta legalização. É assim pura demagogia falar de legalização da prostituição, o que se trata é de legalização do proxenetismo e da exploração sexual de mulheres. Ainda assim, por conveniência para o debate, continuarei a referir-me à questão como legalização da prostituição.
Muitos hipócritas argumentam a favor da legalização baseando-se na distinção entre prostituição livre e forçada, insinuando que existe escolha e que a forçada seria erradicada com a legalização. Tendo em conta a extrema exploração e opressão no mundo da prostituição, esta distinção serve na melhor das hipóteses para alimentar interessantes debates académicos como este. É uma distinção que nenhum significado tem para as mulheres sob o controle de chulos e traficantes. A industria sexual não distingue entre livre e forçado, o cliente também não e o proxeneta muito menos.
Aos que dizem que a legalização da prostituição contribuiria para a saúde pública, pois exigiria às prostitutas controlo médico diminuindo assim a propagação de doenças sexualmente transmissíveis, lembro que o sexo se faz a dois, pelo que existem dois veículos de propagação de doenças. Os clientes, os que as obrigam ao sexo inseguro para satisfação dos seus prazeres, esses não serão sujeitos a rastreio, pelo que também o argumento da saúde é falso. Claro que, supostamente, a prostituta pode recusar o sexo inseguro, mas se só encontrar clientes que recusem usar o preservativo, necessitando de dinheiro não irá ceder?
A legalização da prostituição, que é na verdade a legalização do chulo, abusador e explorador, significa que o estado impõe regulamentações que permitem que as mulheres possam ser prostituídas. Ou seja, que sob certas condições é permitido explorar e abusar de mulheres. Assim, a legalização não legitima socialmente a prostituta mas sim o proxeneta, não legitima a prostituição mas sim o abuso, a opressão, a exploração.
A legalização não acaba com a violência e a exploração, apenas legitima criminosos e membros de organizações criminosas como homens de negócios, trabalhando lado a lado com o Estado na venda de corpos de mulheres, cujos corpos devem pertencer apenas a elas próprias e não ser negociados ou vendidos. Na verdade, com a legalização também o Estado passará a lucrar com a exploração destas mulheres, cobrando impostos e afins; o Estado passará a trabalhar em parceria com aqueles que devia combater.

A quem brada que em democracia cada um tem o direito de fazer o que quer com o seu corpo, respondo que transformar a mulher numa mercadoria comercializável não é mais que uma subversão da democracia. Na verdade, duvido que uma mulher alguma vez tenha menos direito sobre o seu corpo do que quando se prostitui.
Analise-se um caso pratico, a Holanda. Aqui a prostituição foi legalizada numa tentativa de melhorar as condições de vida das prostitutas e combater o tráfico de mulheres e o proxenetismo. Todavia, os resultados põem em evidência as contradições na génese desta solução. Na Holanda, como na maior parte dos países, a maioria das prostitutas (60% no caso da Holanda) são emigrantes ilegais. Porque seriam presas e deportadas, estas não podem regulamentar a sua actividade, continuando prostitutas mas agora numa situação realmente de ilegalidade. Assim, o resultado da legalização foi a divisão do mundo da prostituição em dois, a prostituição legal e a ilegal. Todas aquelas prostitutas que não podem exercer a sua actividade de forma legal, nomeadamente as prostitutas ilegais, continuam obviamente a prostituir-se (ou, mais correctamente, a ser prostituídas) mas agora em condições muito mais degradantes do que anteriormente: precisam de se esconder, de se submeter aos tratos mais violentos e forçados, de se submeter ao sexo inseguro uma vez que os clientes dispostos a usar preservativo preferem as prostitutas legais. Devido à situação ainda mais precária em que se encontram disparou o consumo de álcool e drogas entre estas prostitutas agora ilegais e de forma alguma o tráfico de mulheres diminuiu. As apregoadas maravilhas da legalização da prostituição só são observáveis nas prostitutas dos centros turísticos de Amsterdão e Roterdão; basta uma volta pelos subúrbios para ver a decadência, degradação, miséria e toxicodependência em que a maioria das prostitutas foi lançada por esta discriminação encapotada de modernismo.
Além das emigrantes ilegais outros exemplos podem ser citados que não são abrangidos pela legalização e são por esta obrigados a uma vida ainda pior. Por exemplo, as prostitutas que hoje já estão doentes: deixarão de se prostituir ou passarão a fazê-lo numa situação mais precária, escondida, mais propensa a maus tratos, violência, abuso e opressão? E a prostituição infantil e juvenil? Não acredito que alguém possa defender a sua legalização; entretanto o que importa aqui concluir é se estas crianças deixarão de se prostituir ou passarão a fazê-lo mais escondidas, submetendo-se a maior violência e maus tratos. O que daqui se retira é que a legalização beneficia apenas uma minoria e coloca a maioria numa situação ainda pior. A legalização não acaba com o abuso, torna-o legal, legítimo e agravado. A legalização não serve as prostitutas, apenas os chulos, os traficantes, a lavagem de dinheiro e o crime organizado.
Estão desmontados os falsos argumentos pró-legalização, está desvendada a mentira e a hipocrisia. O importante não é legalizar a prostituição, cobardemente esquecendo as suas causas e o mundo em que esta se insere.
Essa é a solução fácil, é a solução de quem com hipócrita misericórdia prefere tolerar a prostituta a atacar os factores que a criam, a solução de quem prefere olhar para o lado, a solução do cobarde e do mentiroso.
Importante sim é atacar as causas sociais que propiciam a prostituição, importante sim é atacar a pobreza, a fome, o analfabetismo, a toxicodependência, a violência familiar; importante sim é atacar quem beneficia da prostituição: os chulos, os proxenetas, os traficantes e o crime organizado.
Esta é a solução difícil mas a única que aceito, a solução de quem olha os problemas de frente e não se contenta com resolver o superficial, a solução de quem sem demagogias se preocupa realmente com a situação destas mulheres.
“Não somos conservadores, moralistas ou retrógrados. Não é em nome da moral que somos contra a legalização da prostituição, mas sim em nome do combate à opressão sexual, à exploração da mulher, ao crime organizado e à violência contra as mulheres. Não há modernidade em propostas que conduziriam à legalização do proxenetismo, do tráfico de mulheres e do crime organizado.
Comete-se uma ofensa, contra todas as mulheres usadas e abusadas, quando se diz que exercem a sua autonomia individual na escolha da sua vida.
Porque não existe autonomia ou escolha sem liberdade.
E não são mulheres livres as que se vendem.” (Santos, 2000)




[1] Sociólogo. Universidade de Coimbra

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