Jovem refugiado caminha diante
das tendas no campo de refugiados Helliniko
Seu olhar é inquieto, seus gestos
são febris e sua voz é quase suplicante. "Por favor, vamos conversar mais
tarde, não quero chamar a atenção". Aquele que chamaremos aqui de Mohammed
(a pedido de anonimato) é um jovem afegão bem distante dos 18 anos que ele
afirma ter. Nessa noite, assim como em quase todas as noites nos últimos três
meses, ele espera pelo cliente no parque Pedion tou Areos, situado no coração
de Atenas.
Aqui, ninguém se esconde de fato.
Dezenas de menores de idade fazem ponto em bancos ou em vielas escuras. Em
torno deles, homens mais velhos, gregos, caminham vagamente imersos na leitura
de um jornal ou passeando distraidamente um cachorro. "Eles me pagam 10
euros (cerca de R$ 36) o programa. Pode ser contra uma árvore ou perto da pequena
fonte onde tem um colchão velho", conta Mohammad, tentando se esconder dos
olhares. "Às vezes eles se recusam a me pagar ou me dão 2 ou 3 euros...
Não posso falar nada."
Pedion tou Areos é um parque um
tanto decadente, onde se encontram traficantes e drogados há vários anos. Mas
nos últimos meses, ele também se tornou um bordel a céu aberto, onde se
prostituem jovens rapazes afegãos, muitas vezes ainda crianças.
Mohammad conta como sua família o
convenceu a pegar a estrada sozinho, com a esperança de ele conseguir asilo em
um país europeu e depois trazer legalmente seus pais e seus irmãos, através do
processo de reunificação familiar. "Cheguei à Grécia bem no momento em que
a Macedônia fechou suas fronteiras em fevereiro", ele conta. "Desde
então, tenho dormido principalmente no acampamento de Helliniko. É muito
difícil ali, não tem chuveiro e a comida é horrível."
No começo, Mohammad tinha um
pouco de dinheiro com ele. "Minha família, que ficou no Irã, para onde
imigramos alguns anos atrás, me enviou o que tinha. Depois parei de pedir
porque eu sabia que eles não tinham mais nada."
"Refugiados de segunda classe"
Então alguns colegas de
acampamento propuseram que ele fosse com eles até Pedion tou Areos. Mohammad
logo começou a consumir drogas que os traficantes do parque ofereciam a essa
nova clientela vulnerável. "Eu sei que nunca conseguirei economizar os 2
mil euros (cerca de R$ 7,2 mil) que os coiotes pedem para nos levar até a
Sérvia; então agora todos os meus programas vão para minha dose. Eu realmente
não queria mais acordar."
Basta percorrer os bairros
problemáticos de Atenas ou de Tessalônica, ao norte da Grécia, para ver que
essa prostituição infantil de refugiados afegãos não é mais um fenômeno
isolado. O jovem Ali (pseudônimo), 17, faz ponto três noites por semana nos
arredores da ferroviária de Tessalônica. "Tem dois ou três hotéis que nos
deixam usar seus quartos. Pagamos parte do que ganhamos ao porteiro. Eles nunca
perguntaram minha idade", ele conta.
Ali veio para Tessalônica para
ficar mais perto da fronteira com Skopje, a capital da Macedônia. "Estou
tentando economizar para ir embora, mas os coiotes daqui pedem pelo menos 800
euros (cerac de R$ 2,9 mil) para atravessar a fronteira".
Para Kazim Rouisi, presidente da
Comunidade dos Afegãos da Grécia, "existe uma responsabilidade europeia
criminal, pois os afegãos são considerados como refugiados de segunda classe. A
eles é negada até mesmo a esperança da transferência."
A transferência --o acordo
fechado em setembro de 2015 entre os países da União Europeia (UE) para
transferir mais de 60 mil refugiados até o final de 2017-- é reservada somente
aos sírios, iraquianos e eritreus. Ou seja, para nacionalidades que têm 75% de
seus pedidos de asilo aceitos. O índice de reconhecimento entre os afegãos é
muito elevado, quase 70%, mas não o suficiente. Então eles são excluídos da
transferência, uma situação que o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (Acnur) lamenta. "A maior parte deles precisa de proteção
internacional, então eles não deveriam ser excluídos desse programa", diz
Stella Nannou, do Acnur grego.
Agressões a facadas
Mais de 18 mil afegãos estariam
hoje presos na Grécia --ou seja, um terço dos refugiados presentes no país, diz
Kazim Rouisi. Alguns acampamentos como Helleniko, Schisto ou Malakassa estão
quase totalmente repletos de afegãos de diferentes etnias. "Eles forçam
pashtos, hazaras e tadjiques a viverem juntos, sendo que conflitos agudos nos
dividem no país, é perigoso", afirma lamenta Rouisi. Quase uma dezena de agressões
a facadas e uma morte ocorreram nos acampamentos gregos em razão desses
conflitos entre etnias.
Segundo números do governo grego,
54 mil refugiados continuam presos na Grécia desde o fechamento das fronteiras
em fevereiro. Se a UE enfim cumprir suas promessas criando lugares de
acolhimento prometidos como parte do plano de transferência, dezenas de
milhares de sírios ou de iraquianos deverão deixar o país cedo ou tarde. Já os
afegãos estão condenados a permanecer na Grécia, tendo como única porta de
saída um coiote ou o retorno ao seu país.
Fonte: Noticias UOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário