A violência física é apenas um
dos tipos de maus-tratos que podem estar presentes em relacionamentos abusivos.
Pode ser que seu parceiro não bata em você, mas a chame de feia e gorda sempre
que fica com raiva. Talvez ele não bata em você, mas confisque seu salário
assim que você o recebe e lhe entregue apenas o dinheiro para as despesas mais
básicas. Talvez ele não bata em você, mas a force a fazer sexo com ele,
querendo ou não.
Esses são exemplos de
relacionamentos abusivos que não incluem violência física em si. A violência
doméstica muitas vezes é retratada como agressão estritamente física, mas
existem muitos tipos diferentes de maus-tratos que não produzem contusões ou
fraturas.
Isso não significa que sejam
menos dolorosos.
Este mês, Zahira Kelly, que
escreve no Twitter com o nome @bad_dominicana, lançou uma conversa sobre tipos
de maus-tratos não físicos, usando o hashtag viral #MaybeHeDoesntHitYou (pode
ser que ele não bata em você).
Voltado principalmente a mulheres
em relacionamentos heterossexuais, o hashtag desencadeou uma enxurrada de relatos
sobre relacionamentos abusivos e perigosos, mesmo que não incluam agressões
físicas.
Para entender melhor o contexto
mais amplo da violência doméstica, que abrange os maus-tratos emocionais,
físicos, verbais, financeiros, sexuais e psicológicos, pode ser útil usar o
termo “controle coercivo”, popularizado por Evan Stark, assistente social
forense e professor emérito da Universidade Rutgers.
Em 2015 o Reino Unido inspirou-se
no trabalho de Stark quando aprovou uma lei que criminaliza os maus-tratos
domésticos “coercivos ou controladores”, que passam a ser passíveis de punição
com cinco anos de prisão, mesmo que não haja violência física presente no
relacionamento.
“Ser sujeito a humilhações,
intimidação ou subordinação reiteradas pode ser tão prejudicial quanto
maus-tratos físicos”, disse na época a diretora da promotoria pública Alison
Saunders. “Muitas vítimas dizem que o trauma decorrente dos maus-tratos
psicológicos tem impacto mais duradouro que os maus-tratos físicos.”
A nova lei encerra desafios
grandes para os promotores, mas foi saudada como momento histórico no enfoque
dado à violência doméstica no Reino Unido.
Em entrevista ao Huffington Post,
Stark explicou sinais perigosos de controle coercivo nos relacionamentos com
parceiros íntimos e como identificar esses sinais.
“No controle coercivo, o padrão
básico é dado menos pela violência física que pelas táticas que a acompanham,
que são a intimidação, o isolamento, um padrão de abuso psicológico que eu
descrevo como degradação, e, o mais importante de tudo, um padrão de controle
sobre o cotidiano da mulher”, ele disse.
Intimidação e mais intimidação
Stark disse que os abusadores
geralmente lançam mão de ameaças para intimidar suas parceiras, mesmo que não
as agridam fisicamente. Podem ameaçar machucar suas parceiras, seus familiares
ou os pets da família. Podem ameaçar danificar seus bens. Podem ter gestos de
violência com objetos, por exemplo quebrando pratos ou dando socos na parede.
Outra coisa que eles às vezes
fazem é jogar com as emoções da vítima, mentindo com tanta intensidade e
convicção que a vítima fica confusa e começa a duvidar de seu próprio ponto de
vista. O objetivo, explica Stark, é “erodir, solapar e finalmente jogar por
terra a capacidade da mulher de resistir a eles e escapar”.
A perseguição é outra forma comum
de intimidação e pode ir muito além dos atos de quem segue outra pessoa
fisicamente. Pode incluir vigilância e assédio online.
“Os níveis de estresse
psicológico causados por pessoas que perseguem sua parceira, que percebe que o
espaço dela pode ser invadido a qualquer momento, são mais altos que o nível de
sofrimento provocado pela violência física”, falou Stark.
Sob o controle dele
Para o professor, regular as
atividades cotidianas de uma pessoa é uma parte crucial do controle coercivo.
Os abusadores às vezes controlam rigidamente o modo como as vítimas realizam
mesmo as tarefas mais corriqueiras, como dobrar a roupa lavada ou guardar
alimentos na geladeira. O objetivo é estabelecer o controle autoritário e obter
a obediência completa da vítima.
“Quanto mais trivial a regra,
mais a mulher se sente degradada quando a obedece”, disse Stark.
Muitas vezes os abusadores
aproveitam o conhecimento íntimo que têm da parceira.
“Eles sabem o que é importante
para você e escolhem suas áreas de maior vulnerabilidade para atacá-la com
críticas arrasadoras e as estratégias de controle mais insidiosas”, falou
Stark.
Para manter sua vítima em estado
de sujeição, o controlador pode privá-la de suas necessidades básicas, como
comida, dinheiro, acesso ao carro ou ao telefone. Para Stark, a coerção sexual
também está presente em muitos relacionamentos abusivos, como elementos como
abortos forçados, gravidezes forçadas e agressões sexuais.
Mulheres invisíveis
Stark disse que os abusadores
sistematicamente isolam suas parceiras e as distanciam das pessoas que poderiam
lhes dar apoio. Desse modo a vítima tem menos pessoas a quem recorrer, ficando
cada vez mais dependente do abusador.
O abusador pode exigir que a
mulher pare de falar com outras pessoas. Ele pode fazer com que seja tão
constrangedor ou incômodo para ela estar em um ambiente social que ela própria
opte por cortar o contato com outras pessoas.
“Toda mulher que é maltratada
nessa situação tem o que eu chamo de ‘zonas de segurança’: alguém com quem ela
pode falar, um diário que ela usa para desabafar, um lugar para onde vai para
refletir”, disse Stark. “Esses sujeitos partem numa missão de ‘procurar e
destruir’ para tentar acabar com essas zonas de segurança.”
O abusador pode sabotar o
trabalho da vítima, de modo que ela perde seu emprego, ou forçá-la a lhe
entregar seu salário, para que ela não tenha independência financeira, de modo
que se torna muito difícil para a vítima afastar-se dele.
“Pegar o dinheiro da vítima é
muito importante, porque além da dependência psicológica, passa a haver uma
dependência estrutural”, disse Stark.
Talvez ele não bata em você —
ainda
Stark explicou que maus-tratos
emocionais e psicológicos podem ser precursores da violência física.
“Muitas vezes há um padrão de
comportamentos que antecedem os atos de violência física, comportamentos para
isolar, intimidar e controlar a vítima.”
Nos casos que de fato envolvem
violência física, disse Stark, é possível que ocorram apenas atos de gravidade
menor, como tapas, empurrões e cutucões. Mas, disse ele, “seria um engano
descrever isso como violência branda. A importância dos maus-tratos está em sua
frequência, não na gravidade, e em seus efeitos cumulativos.”
Fonte: (Melissa Jeltsen) HuffPost
Brasil
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