Em Portugal, jurista fez queixa contra jornais
e sites que publicam anúncios de prostitutas. Face a arquivamento, avançou com
denúncia no Supremo contra quatro magistrados. Acusa-os de protegerem jornais.
"Quando alguém, que se
dedica à prostituição, anuncia através dos jornais: "Oral natural até ao
fim", "minete completo", "rabinho guloso",
"ratinha molhadinha", "boca gulosa", "rainha da
chupada", "oral profundo", "cu guloso", "oral
natural bem chupadinho",(...) "louca por sexo", "oral sem
igual e inversão de papéis", "garganta funda", "amante
perfeita", "adoro leitinho", etc., etc., etc., etc., etc., etc.,
etc., etc., (...) e fornece também um número de telemóvel com o objetivo de ser
contactada pelos clientes interessados nessa prostituição que anuncia - alguma
dúvida haverá de que os jornais com a sua atividade medianeira (...) facilitam,
favorecem e fomentam a prostituição praticada por essas pessoas?! Alguém poderá
ter alguma dúvida? - Ninguém!"
Para Manuel Fernandes, 52 anos,
advogado de Coimbra, a evidência é inquestionável. Os jornais e sites que
publicam anúncios de "acompanhantes" em secções habitualmente
crismadas de "relax" e "convívio" - e chegam mesmo a
anunciar procura de acompanhantes por parte de organizações que se dedicam à
exploração comercial do trabalho sexual - estão não só a facilitar, promover e
favorecer a prostituição como a lucrar, e, crê, muitos milhões de euros, com
ela. Uma atuação que, defende, preenche o tipo criminal de lenocínio tal como
está descrito no n.º 1 do artigo 169.º do Código Penal: "Quem,
profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o
exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis
meses a cinco anos."
Mas os quatro magistrados, três
procuradores e uma juíza, de quem fez uma participação criminal de 332 páginas
entregue, a 21 de junho, no Supremo Tribunal, tiveram entendimento diferente. O
que levou Manuel Fernandes a considerar que, ao arquivarem as queixas e
ignorarem aquilo que reputa de provas do cometimento, por jornais e sites, de
lenocínio, os magistrados incorreram no crime de denegação de justiça e
prevaricação. Segundo o artigo 369.º do Código Penal, o crime é cometido pelo
funcionário que, "no âmbito de inquérito processual, processo
jurisdicional, por contraordenação ou disciplinar, conscientemente e contra
direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou
praticar ato no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce". A
pena é de prisão até dois anos, a não ser que "o facto for praticado com
intenção de prejudicar ou beneficiar alguém", caso em que vai até cinco
anos.
"O MP protege os jornais"
"Os senhores magistrados
participados "recusam enxergar" a "atuação direta" dos
jornais, mesmo quando a mesma lhes é objetivamente participada e "posta
debaixo dos olhos"", afirma Manuel Fernandes na participação,
considerando que o fazem com dolo: "[há] uma intenção própria e consciente
de ilegal e ilegitimamente não proceder a acusação relativamente aos
jornais." E observa: "O fantástico é que o Ministério Público só se
esforce tanto para não aplicar normal e regularmente a Lei Penal quando se
trate dos jornais. Caso se proceda a uma análise da postura e posição do MP na
fase de inquérito comparativamente a todas as outras situações de fomento,
facilitação ou favorecimento do exercício da prostituição, resulta imediato uma
atuação diametralmente oposta (com pronta acusação). Com o que, deste modo, em
nada se contribui para cumprimento do Princípio da Igualdade na Aplicação da
Lei e Administração da Justiça, especialmente, quando não existe objetivamente
razão nenhuma para tratar desta forma diferente (protetora) os jornais."
Em causa estão dois arquivamentos
de queixas. Um por parte de uma procuradora do DIAP de Coimbra, Maria Paula
Galvão Garcia, relativo a uma participação que apresentou em 2015 denunciando
jornais e sites pelo citado crime; outro decretado por um procurador-geral
adjunto do Tribunal da Relação da mesma cidade, António Ferreira Gonçalves, no
caso da queixa contra duas magistradas, uma procuradora e uma juíza (Ana Paula
Pereira Madeira Sabino e Maria Manuel Rijo de Araújo e Silva) por, ao terem
tomado conhecimento, em audiência de julgamento, de provas contra jornais e
sites, nada terem feito (nomeadamente extrair certidão para iniciar outro
processo).
O julgamento em causa, no qual
intervieram as duas magistradas citadas, também elas alvo da participação para
o Supremo, tem a particularidade de ter como arguido - e condenado a um ano e
oito meses com pena suspensa - o participante, e exatamente pelo crime de
lenocínio, num processo que correu a partir de 2014. "Não sou nenhum
santo", admite Manuel Fernandes. "Fui condenado e não recorri, porque
acho que fui condenado com razão: de facto a lei desde 1998 pune a mera
facilitação e isso aplicava-se ao meu caso." O seu caso era o de alguém
que arrendava apartamentos - quatro - para os subarrendar a pessoas que
praticavam a prostituição. "Eu sabia que aquelas pessoas se dedicavam a
algo que tinha que ver com sexo, não vou dizer que não sabia, mas não tenho
preconceitos quanto a isso", prossegue o jurista. "A minha questão
não é terem-me condenado; é que a lei deve ser aplicada a todos. Ora ficou
provado no tribunal que os jornais e sites, dos quais se falou amplamente nas
audiências, são fundamentais na prática da prostituição - promovem, facilitam e
favorecem - e lucram muito com isso."
Ao contrário do que sucedia até
1998, a lei não exige, para preenchimento do ilícito, que o agente de alguma
forma force a prática da prostituição; é punível a mera facilitação ou
favorecimento da atividade com vista ao lucro, sem implicar nenhum tipo de
"corrupção da vontade" (que, quando existe, configuram lenocínio agravado,
com uma pena mais pesada). Como se explica num acórdão de 2010 do Tribunal da
Relação de Coimbra, que Manuel Fernandes cita, "a diferença específica
entre o lenocínio simples e o agravado radica na natureza do relacionamento
entre quem explora e quem se prostituiu, isto é, na existência ou não da
corrupção da livre determinação sexual: havendo livre determinação sexual de
quem se prostitui, o lenocínio é simples; não havendo essa liberdade, o
lenocínio é agravado".
Não é pois preciso, para cometer
crime, que exista qualquer pressão para que alguém se prostitua; basta ter a
intenção de retirar lucro dessa atividade e agir de forma a promovê-la,
favorecê-la ou facilitá-la. O que, opina, ocorre claramente no caso de quem
retira profissionalmente proventos da publicitação da atividade - um argumento
que de resto tem suscitado ampla discussão nacional e internacional.
Procurador cita lei revogada
Para provar o conhecimento por
parte dos magistrados daquilo que considera ser a prática de lenocínio pelos
jornais e sites, Manuel Fernandes inclui na participação transcrições das
audiências do seu julgamento, nas quais se discute a relação das trabalhadoras
do sexo a quem subarrendava os apartamentos com os ditos jornais e sites, assim
como exemplos de anúncios, alguns dos quais de busca de
"colaboradoras" para trabalho sexual - anúncios que evidenciam a
prática de lenocínio, portanto. Transcreve igualmente excertos dos despachos de
arquivamento, apontando nos mesmos contradições insanáveis, assim como
"criação legislativa" (por atribuição à lei de intenções que ela não
possui e interpretações que não permite), "afirmações e conclusões
falsas", o "faltarem monstruosamente à verdade" e até a
invocação de legislações revogadas. Cita, por exemplo, o despacho de
arquivamento da procuradora do DIAP Maria Paula Galvão Garcia, no qual esta
terá escrito: "A publicitação dos anúncios facilita às prostitutas o
exercício da atividade [prostituição] pela divulgação da mesma [prostituição]
que permite, é um facto." Para, porém, afirmar a seguir: "Se o jornal
não interfere na atividade da prostituta, não pode atuar com intuito de
fomentar, favorecer ou facilitar o seu exercício, explorando este
exercício." E pergunta Manuel Fernandes: "Tendo a Ex.ma senhora
procuradora reconhecido "que a publicitação dos anúncios facilita às
prostitutas o exercício da atividade pela divulgação da mesma que permite, é um
facto", COMO PODE defender que o jornal "não pode atuar com intuito de
fomentar, favorecer ou facilitar o seu exercício??" Reproduz também um
excerto do despacho de arquivamento do procurador-geral adjunto António
Ferreira Gonçalves, do Tribunal da Relação de Coimbra, no qual este associa a
atividade dos jornais à do rufião (figura penal há muito abolida, a do homem
que vive a expensas de prostituta), para assim o verberar:
"ASSOMBROSAMENTE, remete o
Ex.mo senhor procurador-geral adjunto para um Acórdão do STJ com 25 anos,
proferido com base em legislação com mais de 30 anos, REVOGADA, para
extrair-lhe um pequeno extrato descontextualizado."
Recusando-se a crer, como repete
várias vezes, estar perante desconhecimento ou ignorância por parte dos
magistrados - "Admiti-lo é concluir que precisam de voltar à Faculdade de
Direito, porque são um perigo para os cidadãos (ainda mais tratando-se, como se
trata, de Direito Penal, que toca tão fundo as liberdades e os direitos
fundamentais das pessoas) e um risco intolerável para o Estado de direito"
- Manuel Fernandes conclui que a única explicação possível para a conduta dos
magistrados é que "deliberada e conscientemente procedem no exercício das
suas funções contra legem [contra a lei], protegendo o único "bem
jurídico" que se pode vislumbrar defendido com a sua atuação: o negócio dos
jornais fundado na prostituição alheia, o lucro dos jornais com a prostituição
dos outros".
Fonte: http://www.dn.pt/
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