O jesuíta que viria a ser
conhecido como fundador do Colégio de Piratininga, padre Manoel da Nóbrega, em
1549, como superior dos jesuítas no Brasil, enviou para Portugal uma carta onde
dizia que “nesta terra há um grande pecado”, que era os brancos tomarem
indistintamente as índias, quantas quisessem, por esposas. Recomendava que o
governo português enviasse mulheres à nova colônia, ainda que “erradas”. E
assim, acabaram vindo as “erradas” e as “erradíssimas”.
Por Paulo Rezzutti.
Os primeiros pontos de prostituição
na nascente vila de São Paulo foram as fontes. Nelas, mulheres “direitas” não
iam, apenas escravos e pessoas que estivessem dispostas a alguma aventura de
cunho sexual. A Câmara por diversas vezes instituiu multas para quem fosse pego
sem ter o que fazer no local. Em 1579, a penalização era de 50 réis, e em 1590,
o valor já chegava a 500, sem que a legislação fosse muito respeitada.
Com a descoberta de ouro nas
inicialmente “Minas de São Paulo”, logo começaram a subir a serra diversos
tipos peculiares para o planalto em busca de enriquecimento rápido. E assim
prostitutas e “homens vestidos de mulheres” passaram pela São Paulo de
Piratininga, alguns se deixando ficar. Em 1641, a Câmara da cidade expulsou
duas “mulheres prejudicadas”: Mariana Lopes e Joelma Pereira que, apesar de
casadas, recebiam homens em suas casas sem a presença dos respectivos maridos.
A prostituição na São Paulo colonial era punida com expulsão da cidade, em
casos com agravantes, e multas, se fossem mulheres brancas. Tratando-se de escravas
e índias, além das multas, cumpriam detenção. Algumas foram enviadas para a
Fortaleza de Iguatemi, em Mato Grosso, visando o povoamento da região.
Saint Hilaire viajante francês em
visita a cidade de São Paulo em 1820 deixou registrado que assistiu no Teatro
de Ópera local à peça “O Avarento”, de Molière. Os atores eram todos
trabalhadores, na maior parte, mulatos.
E as atrizes, segundo ele, eram “mulheres públicas”. Mulheres
“direitas”, de “família”, não subiam ao palco, e essa tradição perduraria por
mais de um século, sendo que atrizes, ainda em meados do século XX, foram
registradas junto com as prostitutas.
Um dos fatores que levavam a
mulher paulista a prostituir-se era a situação de miserabilidade em que se
encontrava. Enquanto as negras, escravas ou libertas, em sua grande parte,
viviam de suas “quitandas” vendidas em tabuleiros, a mulher branca, livre, não
tinha quase ocupação. Os serviços mais triviais eram feitos por escravos, o
trabalho feminino estava longe de proporcionar ganhos suficientes para o
próprio sustento. Muitas das prostitutas que se escondiam atrás de trabalhos
femininos para justificar seus ganhos, diziam que viviam de costura. Em 1804,
existiam 180 costureiras na cidade de São Paulo. Número elevado em comparação
com a quantidade de habitantes e as profissões listadas.
Durante mais de um século, as
costureiras serão mal afamadas por conta das prostitutas. Em anúncios colocados
nos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro as oficinas que contratavam
costureiras eram explícitas na busca de profissionais: “exige-se boa conduta”
ou “que tenha boa conduta”, eram os termos mais utilizados.
Antiga Rua de São José, ou Rua
Nova de São José, a Líbero Badaró foi uma das ruas mais depravadas de São
Paulo. De ponta a ponta, no final de século XIX era repleta de casas de
prostituição, e as mulheres ofereciam-se nas janelas e nas ruas. O nome da rua
ficou tão marcado como antro de prostituição que as pessoas tinham vergonha de
mencioná-lo na presença de familiares.
Uma quadrinha popular dizia sobre
as ruas de São Paulo:
Boa Vista é Rua morta
A Formosa é de espantar!
A Direita é rua torta,
A Nova é melhor calar
A poetisa Isabel de Serpa e Paiva
assim mencionou-a assim em um de seus poemas:
Bela, grandiosa comprida,
Palpita, estua, trepida…
Que diferente ficou!
Vendo-a, ninguém se lembrava
Da rua que não prestava…
Que até de nome mudou…
Mulheres, em sua maioria judias, de
pele e olhos claros, loiras, morenas e ruivas, começaram a chegar à pauliceia
com explosão da imigração, por volta de 1870. Atraídos pelas fortunas
produzidas pelo café, judeus usando seus melhores “caftens”, vestimentas
compridas, andavam pelas aldeias pobres da Europa Oriental prometendo casamento
para moças bonitas e sem dotes. Muitas, enganadas, acabavam vindo para a
América onde eram postas para se prostituírem. De seus “recrutadores”, teria
nascido a expressão “cafetão”. Esse tráfico de escravas brancas teria perdurado
até os anos 40 com destino a Buenos Aires, São Paulo e Rio de Janeiro.
Palavras incorporadas do hebraico
e do ídiche, como “sacana”, grito de perigo dado quando avistavam algum
policial, teria dado origem à “sacanagem”. A palavra encrenca seria proveniente
de ein krenke, que em ídiche quer dizer “um doente” para que as polacas
avisassem umas as outras os riscos de se deitarem com eventuais clientes.
Paulo Duarte, jornalista e um dos
fundadores da Universidade de São Paulo, certa vez, criticando a França do
pós-guerra, dizia que aquele país, irradiador de humanidades, passara a
exportar somente sua indústria pesada, locomotivas e centrais elétricas e não
mais, a sua civilização. Esta poderia ser
encontrada antes no livro francês, no professor francês, no perfume francês, na
moda francesa, no vinho e até na prostituta francesa, que revelara aos
paulistas as delícias do demi monde, que, para a grande maioria dos broncos
fazendeiros, a melhor tradução da expressão seria “mundo e meio”.
As francesas, cortesãs com
cultura e modos mais refinados, acabaram por dar um banho de civilidade nos
paulistas. Discutiam poetas e literatos franceses, bem como regras de
comportamento e até mesmo higiene. Gilberto Freire chegou a cogitar que elas
teriam sido responsável por um segundo onda civilizatória em nossa sociedade.
Saídas das célebres Pensions des
Artistes paulistas, como o Palácio de Cristal, de Madame Sanchez, ou o
Armenonvièle, da lendária Mère Louise, muita meretriz francesa foi arrebatada
por ricos fazendeiros da alta sociedade, transmitindo-lhes requintes
comportamentais que não possuíam antes delas. Ainda, segundo Paulo Duarte,
foram elas que, transformadas em damas modelares e matronas, com vasta descendência,
e demonstrando virtudes, recatos e a elegância moral que ninguém lhes atribuía
anteriormente, fizeram a necessária transfusão da civilidade latina nas toscas
veias quatrocentonas brasileiras.
“Jovem seminua”, de Oscar Pereira da Silva.
Fonte: http://historiahoje.com/
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