sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Os direitos das prostitutas : a situação no Peru

Angela Villón Bustamante, líder do Movimento das Trabalhadoras Sexuais do Peru
Angela Villón Bustamante é presidenta do Movimento de Trabalhadoras Sexuais do Peru, organização fundada em 2009, que agrupa organizações de trabalhadoras sexuais de distintas regiões do país e que faz, por sua vez, parte da Plataforma Latino-Americana de Pessoas que Exercem o Trabalho Sexual (Plaperts), constituída em 2010 e integrada por organizações do Brasil, Colômbia, Equador, México e Peru.

Na seguinte entrevista, concedida a Nieves Vargas Coloma, colaboradora das Notícias Aliadas, Villón se reivindica como trabalhadora sexual autônoma e exige o respeito sobre as decisões que toma sobre o seu corpo porque, afirma, é seu direito.

O que pleiteiam o movimento e a plataforma que dirige e integra, respectivamente?

Nós fazemos incidência política com as autoridades pelo reconhecimento do trabalho sexual, a descriminalização do trabalho sexual, o exercício da cidadania plena e o respeito aos direitos das pessoas que exercemos o trabalho sexual, o direito a viver uma vida sem violência, a não estarmos expostas, nem que nossos direitos sejam vulnerados. Sobretudo, para poder analisar nosso maior problema, que é a violência policial. Nós vivemos diariamente as extorsões, as violações, as revistas vexatórias da policia. Além disso, o contexto não nos ajuda, o moralismo é um obstáculo, o judeu cristianismo, o conservadorismo, o machismo, todas estas questões de contexto social nos invisibilizam quando nós reclamamos direitos, e é algo pelo que diariamente temos que estar lidando.

Nesse contexto, há quem sustente que o trabalho sexual vulnera os direitos humanos da mulher, que é uma atividade de alto risco e não deve ser considerada uma atividade trabalhista já que facilita a exploração sexual e o tráfico de mulheres. Qual a sua opinião a respeito?

Eu me considero feminista e minha postura como mulher, indistintamente de ser trabalhadora sexual, é que eu tenho direitos sobre o meu corpo e tenho o livre direito de me relacionar com quem eu quiser, quando eu quiser, na hora que eu quiser porque esta é minha decisão, ninguém me obriga. Que cobre ou não cobre por isto é irrelevante, o tema aqui é que estou rompendo o modelo de como devemos nos comportarmos as mulheres.

Nós o que pedimos é o reconhecimento; enquanto não sejamos reconhecidas, temos o grave problema da violência institucional porque, lamentavelmente, a polícia se comporta de uma forma que pensa que nós somos delinquentes e o que ganhamos é um bônus que temos que compartilhar com eles. Se não estamos reconhecidas se cria esta questão de clandestinidade, que favorece a formação das máfias para a exploração.

O trabalho sexual não é reconhecido. É considerado um delito no Peru?

Não é reconhecido, mas não é um delito nem sequer é uma falta. O Peru é um dos países regulamentadores, inclusive, o Ministério da Saúde reconhece em suas normativas e nos trata como trabalhadoras sexuais; o Estado reconhece, mas não há nenhuma lei que, expressamente, reconheça. Estamos como que no limbo.

O problema da falta de reconhecimento é a criminalização, as máfias para exploração, todas essas questões também de insegurança, porque se estamos falando de insegurança cidadã soma-se a isso o fato de que aqueles que teriam que nos dar a segurança cidadã são nossos maiores repressores.

Não podemos ter acesso a nada, a programas de moradia, a programas de acesso a crédito, nem sequer ao programa de saúde porque, se nós queremos, por exemplo, ter o seguro integral de saúde, que qualquer um pode tirar, eu não posso informar que sou trabalhadora sexual, tenho que tirar como qualquer outra coisa, menos como trabalhadora sexual.

Que propostas de saída se poderia dar?

Uma das maiores propostas que temos é o reconhecimento ao trabalho sexual. Apresentamos uma proposta de lei ao Congresso da República que, até agora, não tivemos resposta, na qual a única coisa que se pede é o reconhecimento do trabalho sexual. Sabemos que as máfias não vão desaparecer, mas pelo menos se reduzirão.

Outra das propostas que fizemos em nível local são as zonas de trabalho sexual seguro, não queremos zonas rosas, o que queremos, primeiro, é o reconhecimento para poder começar o ordenamento e que não nos coloquem em uma só zona.

Que nos distritos onde haja trabalho sexual se possa determinar zonas de trabalho sexual seguro, que são zonas onde se teriam certas condições, como que estejam a 200 metros distante das igrejas ou das residências, ou dos colégios, pode ser una zona industrial, que pode ser também com horários e onde a figura da polícia ou do sereno não seja a repressora, mas aquela que nos dê segurança.

Quais são os avanços que se têm quanto ao respeito por seus direitos?

Tem havido vários avanços importantes desde que a organização foi iniciada. Um dos grandes avanços é que, pelo menos agora, temos voz, antes, quem falava por nós eram as instituições feministas. Lamentavelmente, naquelas épocas, quando se começaram a fazer as leis no Código Penal a respeito do tema da prostituição, elas nos viam todo o tempo como vítimas, então, todas as leis que estão em relação a nós são vitimizantes.

Por exemplo, o Código Penal diz que todo aquele que se favoreça do trabalho sexual é proxeneta; o problema é que as meninas se agrupam, entre duas e quatro meninas alugam um apartamento para poderem oferecer o serviço sexual, chega a polícia e quem faz o contrato é acusada de proxeneta e o dono da moradia também. Isto nos põe em um estado de clandestinidade porque nos impede de poder alugar um apartamento.

Também temos o problema de que a lei diz: "aquela pessoa que viva como trabalhadora sexual é um gigolô”. Se você o vê assim, então, meus filhos são gigolôs, e, por exemplo, se eu digo ao meu marido que não me convém que trabalhe porque ganha muito menos do que eu, e prefiro que fique cuidando dos filhos, então, ele se converteria em gigolô. Não aconteceria isto se eu fosse doutora, contadora ou advogada.

Como se vinculam o trabalho sexual e o tráfico de pessoas?

O tráfico de pessoas existe, o que acontece é que não se toma como um problema real. A polícia sabe quem são as máfias, quem são os traficantes, aqueles que lucram conosco, sabem, mas cobram. Desativamos muitas máfias de maus elementos policiais, porque se organizam, trabalham em grupo.

Pela experiência que tenho de todos os anos que levo trabalhando e desativando essas máfias de maus policiais, a denúncia é feita e as desativam. Sabes como as desativam? Mandam para diversas delegacias, mas elas voltam a ser ativadas e os novos que vieram voltam a se organizar.

Porque denunciamos nos mandam capangas; para mim já me disseram que tenha cuidado porque vão começar a agir, que já contrataram a pessoa que vai me pressionar para ficar quieta, que não fique denunciando as máfias.

Você me pergunta se estamos avançando. É nadar contra a corrente e, sim, temos avançado porque, agora, falamos, sinalizamos, perdemos o medo e isto também tem um custo e, bom, metemos na cabeça que se temos que morrer morreremos de pé, mas já não ajoelhadas, pelo menos estamos evidenciando todos esses problemas que ocorrem, sobre os quais antes não se falava.

Quantas trabalhadoras sexuais são as que se agrupam em relação às que não?

Em 2002, quando foi feita a Vigilância Sentinela [de enfermidades transmissíveis], passaram 250.000 trabalhadoras sexuais em nível nacional, 60.000 foram atendidas em Lima. Não digo que todas estão na organização. Estamos em 2015, quantas trabalhadoras sexuais mais podemos ser. Nós sempre dizemos que somos um grande grupo social e necessitamos de respostas sociais.

Como avança o movimento na América Latina?

Estamos fazendo incidência política em nível latino-americano, como, por exemplo, temos participado dos congressos nacionais de cada um dos países, expondo o tema do trabalho sexual, nossas vulnerabilidades, nossa problemática, nossas propostas de solução, à Anistia Internacional, por exemplo. Queríamos que a Anistia, sendo uma instituição mundialmente reconhecida, pudesse fazer recomendações sobre nós e isto ocorreu no dia 11 de agosto, que houve seu congresso internacional e decidiram nos dar respaldo, para sugerir que esse tema seja tratado como se deve, com o reconhecimento do nosso trabalho e de todos os nossos direitos.

Como conclusão, o que gostaria de acrescentar?

Nós estamos apostando para que se mudem políticas e que seja incluído o trabalho sexual em um marco de respeito. Uma coisa é a exploração sexual, que é delito, o tráfico de pessoas, que é delito, e outra coisa é o trabalho sexual autônomo e o respeito sobre as decisões que tomo sobre o meu corpo porque é meu direito.

Defendemos o trabalho sexual autônomo, livre de exploração, com direitos, com segurança e livre de toda apropriação de decisão.


Fonte: Adital

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