segunda-feira, 31 de agosto de 2015

El Salvador: trabalhadoras sexuais buscam dignificar seu ofício

Marginalizadas, discriminadas, estigmatizadas e aborrecidas, as pessoas que exercem o trabalho sexual não têm outra opção do que levar em silêncio as constantes violações aos seus direitos. Mais cedo do que tarde, um organismo em El Salvador pretende transformar essa história.


Por Tomás Andréu

Projeto de Lei busca reconhecer e proteger quem se dedica à atividade sexual

É um ato de consciência: usar o corpo como ferramenta de trabalho, para dar prazer em troca de dinheiro. Mas esta decisão pessoal não goza de boa reputação nem na sociedade nem nos governos latino-americanos. e colocar à prova as máximas autoridades desse país centro-americano.


O não governamental Movimento de Mulheres Orquídeas do Mar elaborou um anteprojeto de lei para a proteção dos direitos das trabalhadoras sexuais de El Salvador. A proposta será apresentada formalmente à Assembleia Legislativa, em 2016, mas, no fim de novembro próximo, será feita uma apresentação e discussão pública, segundo declarou às Notícias Aliadas a diretora executiva deste coletivo, Haydeé Laínez.

Este organismo assessora as pessoas que decidem empregar-se outorgando serviços sexuais. A entidade aglutina cerca de 2.700 mulheres de todo o país e tem presença nos departamentos de Sonsonate, San Miguel, Santa Ana e San Salvador. Além disso, o coletivo é parte da Rede de Mulheres Trabalhadoras Sexuais da América Latina e Caribe (RedTraSex).

A ideia de dignificar o trabalho sexual em El Salvador surgiu muito pouco tempo depois do nascimento do Movimento de Mulheres Orquídeas do Mar, em 2005, mas foi há cinco anos quando uma equipe desta organização com assessoria internacional se dispôs a analisar todas as leis do país — em favor e contra as trabalhadoras sexuais — para criar seu anteprojeto.

"Esse documento tem a essência do sentir das trabalhadoras sexuais”, enfatiza Laínez em conversa com as Notícias Aliadas. Para ela, há uma clara violação aos direitos de suas companheiras já que não têm acesso a créditos bancários, prestações sociais, como seguro social ou direito à aposentadoria. Tampouco podem adquirir uma moradia própria.

"Trabalhamos 365 dias por ano. Pagamos impostos porque, quando pagamos a água, a luz, a telefonia, estamos pagando nossos impostos”, assegura Laínez, de 46 anos, que iniciou no trabalho sexual aos 18 anos. Ela logrado driblar os embates da vida e da sociedade. Teve que batalhar com clientes abusivos, com os insultos na via pública, com a polícia e os militares, e as fiscalizações municipais. E, como se fosse pouco, com as extorsões das gangues.

Fiscalizações municipais repressivas

A Constituição da República de El Salvador não proíbe nem pune o trabalho sexual, no entanto, as contravenções das municipalidades, sim, fazem isso. Punem com multas e prisão a oferta e demanda de serviços sexuais. Por isso não é estranho que o Corpo de Agentes Metropolitanos (CAM) — espécie de polícia municipal — e os agentes de segurança do Estado assediem quem oferece seus serviços sexuais na rua. Mais do que implementar multas, as autoridades o que buscam é a chantagem e mudam as infrações por prazer sexual.

Haydeé Laínez, directora executiva do Movimento de Mulheres Orquídeas do Mar.
"É curioso que as fiscalizações [leis secundárias] nos reconhecem, mas nos reconhecem unicamente para nos discriminar e para extorquir dinheiro”, assinala Laínez.

O anteprojeto de lei do trabalho sexual tem como coluna vertebral o reconhecimento desse trabalho ante as autoridades e a sociedade salvadorenha. Disto se depreendem outros pontos não menos importantes, como uma melhor atenção em saúde, livre de preconceitos e discriminação. Além disso, a possível aprovação dessa iniciativa derrogará as leis secundárias das municipalidades, que perseguem quem oferece serviços sexuais. Também colocará um fim à exploração sexual em locais fechados, como os clubes noturnos ou o tráfico de pessoas.

"A história tem vendido à humanidade que o que fazemos não é trabalho e até nós temos acreditado nisto, mas é preciso desmentir e sensibilizar os governantes e a sociedade sobre este tema”, comenta Laínez, que está a ponto de se graduar na licenciatura em Trabalho Social.

O anteprojeto de lei do Movimento de Mulheres Orquídeas do Mar conta com o apoio financeiro do Plano Internacional. Laínez afirma que reúnem várias instituições do Estado e da sociedade civil no que ela denomina "Mesas de trabalho sexual”, das quais participam os Ministérios do Trabalho, Saúde e Economia, e os organismos de segurança, como a Polícia Nacional Civil e o CAM.

O cenário mais difícil, não obstante, é a Assembleia Legislativa. No dia 1º de maio de 2015, foi eleita a nova legislatura, que exercerá até 2018. Nos partidos majoritários, têm entrado jovens. Isto suporia refrescar a mentalidade dos veteranos políticos do Congresso. Ou pelo menos haveria uma vontade de escutar e debater temas espinhosos, como a despenalização do aborto ou uma proposta de lei como a do trabalho sexual.

As Notícias Aliadas fizeram uma sondagem com distintas vozes dos partidos mais representativos do Palácio Legislativo. Ainda que tenha havido resistência para opinar — os deputados queriam conhecer por escrito a proposta antes de arriscarem-se a darem uma declaração —, finalmente as reações têm pontos em comum, que esboçam uma recepção aberta a escutar a proposta do Movimento de Mulheres Orquídeas do Mar.

O deputado e presidente da junta diretora do Congresso, Guillermo Gallegos, da Grande Aliança pela direitista Unidade Nacional (Gana), considera que, se bem o tema já seja "regulado em vários países e não seria má ideia [regulá-lo em El Salvador] porque com isto se mantém um controle; inclusive, através da regulação, se pode prevenir muitas enfermidades de transmissão sexual”.

"Eu não descartaria apoiar uma iniciativa como essa. É algo que se pratica aqui e em qualquer parte do mundo, e nunca vai desaparecer. Não é que estejamos de acordo com isto, mas ante a situação o melhor é regular. E, sim, sou da ideia de que deve ser dada atenção [às trabalhadoras sexuais] através de uma regulação por lei”.

Estigmatização e vulneração de direitos

O trabalho sexual não é um tema agradável em boa parte dos círculos feministas ou progressistas. As primeiras afirmam que as mulheres que oferecem serviços sexuais estão perpetuando a máxima expressão do patriarcado, que reduz a mulher a um pedaço de carne, que existe unicamente para satisfazer o homem. Os segundos dizem que um verdadeiro homem jamais solicita um serviço sexual, porque isto não é para homens nem para um cavalheiro. Que um rapaz seja trabalhador sexual é simplesmente impensável.

"Quem não conhece o trabalho sexual, que não fale. Só as pessoas que temos exercido isso sabemos do que falamos e o que isso significa. Se não vivem isso, como vão argumentar?”, afirma Laínez.

Porém, apoio existe e vem de uma importante entidade de El Salvador, denominada Coletivo Feminista para o Desenvolvimento Local. Uma de suas vozes, Morena Herrera, assevera que "é necessária uma regulação legal sobre o trabalho sexual, porque a ilegalidade na qual se encontra o trabalho sexual só contribui para a vulneração de direitos, a maior estigmatização e, em muitos casos, para a violência, a perseguição e a criminalização das trabalhadoras do sexo”. Herrera também acrescenta que a "dupla moral imperante na sociedade, incluindo a Assembleia Legislativa”, não cria um cenário positivo para a proposta sobre o trabalho sexual, contudo, "se o debate não se coloca no terreno da moralidade pública, mas no reconhecimento de direitos e garantias cidadãs, com as quais o Estado tem responsabilidades”, existem esperanças de que seja aprovada.

Ingrid tem 51 anos e há 25 anos exerce o trabalho sexual. Para ela, uma lei que dignifica seu trabalho "será um respaldo para nossos direitos negados e invisibilizados”. Através dos seus serviços sexuais conseguiu terminar seus estudos de bacharelado, levou comida para sua casa, e deu teto, vestimenta e educação para suas filhas, que já sabem a que se dedica sua mãe. "Uma lei que nos beneficie colocaria temor nas pessoas que tentem nos agredir ou explorar sexualmente”, comenta Ingrid às Notícias Aliadas.

Sandra, de 30 anos, também é trabalhadora sexual. Começou aos 18 anos por uma simples razão: fazia falta de dinheiro em casa. Agora, não só faz por esta razão, também faz porque tem consciência de sua condição. "Agora que sou uma trabalhadora sexual organizada, me dou conta de que meu trabalho é como qualquer outro. Todos cobramos em troca de algo. Uma lei em nosso favor nos permitiria ter acesso a uma moradia digna. Realmente, mudaria nossa situação de exclusão, a que têm nos submetido”.

Fonte: Adital

Nenhum comentário: