sexta-feira, 12 de abril de 2013

Stephanie Coontz: "É hora de ajudar os homens a mudar"



"As mulheres têm responsabilidade na maneira como os homens se comportam. Precisamos mudar alguns maus hábitos nossos".


A americana Stephanie Coontz era apenas uma universitária em 1964, quando ouvia reclamações maternas durante suas ligações semanais para casa. Sua mãe acabara de ler um livro que explicava as razões por se sentir “sozinha, entediada e insegura” enquanto criava as filhas e cuidava do marido. Hoje, 50 anos depois, Stephanie sabe que presenciou um momento histórico. O livro que sua mãe lera, A mística feminina, da americana Betty Friedan (1921-2006) desencadeou o movimento feminista moderno. Fez com que milhares de donas de casa percebessem que a razão da infelicidade era o descompasso entre suas aspirações de autonomia e o ideal de feminilidade da época: uma mulher passiva e dependente. Stephanie, hoje com 68 anos, é reflexo dessa mudança. Tornou-se, ela própria, uma especialista em questões de gênero, professora do Evergreen State College, no Estado de Washington, e autora do livro A strange stirring (algo como Tempos agitados, sem edição no Brasil), em que analisa as conquistas do movimento feminista.ÉPOCA – No Brasil, há uma legislação trabalhista bem estruturada. Nem por isso deixamos de ver mulheres abandonando suas profissões e homens dividindo igualmente as tarefas domésticas.



ÉPOCA – Superamos a situação de que sua mãe se queixava?
Stephanie Coontz – Muito dela foi superado. Pesquisas ao redor do mundo mostram que a maioria das pessoas não acredita que a fonte de realização pessoal das mulheres seja única e exclusivamente cuidar da casa e da família. Mas há outras místicas que ainda são um empecilho para conquistarmos totalmente a igualdade de gêneros. Uma delas é a mística masculina, a ideia de que o homem deve ser o provedor da casa, ter poder e manifestar força física e emocional. Fizemos mais progresso em combater a mística feminina que a masculina. Hoje, as jovens se sentem livres para ser fortes e inteligentes, características antes atribuídas apenas ao sexo masculino. Mas os meninos sofrem bullying na infância se participam de atividades ou se expressam emoções tradicionalmente consideradas femininas. Os garotos policiam uns aos outros para não agir “como garotas”. Nossas atitudes a respeito da masculinidade não mudaram em nada.
ÉPOCA – Por quê?
Stephanie – Os homens tiveram menos incentivo que as mulheres para buscar uma transformação. Mas eles estão mudando. De maneira mais lenta, mas estão. Vemos cada vez mais homens pedindo políticas corporativas que permitam passar mais tempo com a família e ajudar na criação dos filhos e nas tarefas domésticas. Eles estão genuinamente interessados em ter mulheres que sejam semelhantes a eles, não submissas.
ÉPOCA – Qual é a contribuição feminina para essa mudança?
Stephanie – As mulheres têm responsabilidade na maneira como os homens se comportam. Precisamos mudar alguns maus hábitos nossos. Queremos dividir as tarefas de casa, mas reivindicamos o título de especialistas e criticamos o que eles fazem. Ainda esperamos que os homens sejam poderosos e tenham dinheiro. As mulheres precisam ajudar os homens a descobrir o que já entendemos: você será uma pessoa mais feliz se não viver para cumprir os ideais impostos por estereótipos de gênero. Cabe a nós ajudá-los a entender que não precisam bancar os machos tradicionais para que sejam amados por nós. Seremos mais felizes com homens iguais, não superiores às mulheres.
ÉPOCA – A visão estereotipada das mulheres sobre os homens afeta a vida delas?
Stephanie – Acredito que muitas desistam da carreira depois que têm filhos, porque não confiam no marido para ajudar a cuidar das crianças. Elas acham que ele não dará conta da tarefa. Parte da solução para esse problema é as mulheres mudarem a maneira de pensar. Também precisamos de reformas estruturais. Os governos e as empresas precisam permitir que os homens desfrutem licença-paternidade. Ao passar mais tempo em casa, eles ficarão mais hábeis com as tarefas domésticas, e as mulheres perceberão que podem confiar neles e dividir a responsabilidade de cuidar da família. A mudança social ajudará na mudança de atitude individual.
ÉPOCA – Olhando para as conquistas conseguidas após a publicação do livro de Betty Friedan, como podemos usar o que aprendemos no passado para conseguir as mudanças que faltam?
Stephanie – As feministas dos anos 1960 mudaram a atitude das pessoas. Mostraram que o problema não era das mulheres. Betty Friedan e o movimento feminista mostraram que as mulheres estavam infelizes, tomando tranquilizantes por causa de um problema da sociedade, que não as deixava usar seus talentos. Hoje, estamos numa situação semelhante. Homens e mulheres brigam entre si, culpando uns aos outros por não se ajudar ou por ser cobrados demais. Precisamos parar de ver essa disputa como um problema individual e encará-lo como social. Não podemos mais tratar assuntos de família como se fossem assuntos de mulher. Eles são um tema de direitos humanos.
ÉPOCA – Se antes eram só as mulheres que tomavam tranquilizantes, hoje também vemos homens vivendo à base de antidepressivos. É um sinal de que hoje eles é que estão à beira de exigir uma revolução de gênero?
Stephanie – Espero que sim, que homens e mulheres joguem fora os remédios e comecem a pedir uma vida que não os leve à loucura. Há 100 anos, o grande problema da classe trabalhadora ao redor do mundo era fazer do ambiente de trabalho um lugar seguro. Hoje, o maior desafio é fazer do trabalho um lugar seguro para a vida em família. Precisamos de reformas: licença-paternidade, limites de horas trabalhadas por semana, vagas em creches de boa qualidade para deixar as crianças e auxílio financeiro para que as pessoas possam pagá-las. Nos Estados Unidos, nem a licença-maternidade é obrigatória em alguns tipos de empresa.

ÉPOCA – No Brasil, há uma legislação trabalhista bem estruturada. Nem por isso deixamos de ver mulheres abandonando suas profissões e homens dividindo igualmente as tarefas domésticas.
Stephanie – Atualmente, homens e mulheres são regidos por outra mística: a carreira. Acreditamos na ideia de que o sucesso profissional requer que as pessoas comprometam todo o seu tempo e energia no trabalho. Para isso, devem delegar demais responsabilidades, como cuidar da família, para outra pessoa. O resultado dessa crença é que poucas empresas oferecem às mulheres a flexibilidade de que elas precisam no dia a dia. Os homens, no minuto em que pensam em pedir uma política de trabalho mais amigável à vida em família, são vistos com preconceito no ambiente de trabalho. Qualquer pessoa que se engaje em cuidar de alguém enfrenta essa discriminação. Isso tem de mudar. Todos temos necessidade de ter laços de família próximos, de poder cuidar de alguém. Também temos o direito de usar nossos talentos, de fazer um trabalho significativo, de desfrutar laços sociais fora de casa. Esse é o verdadeiro objetivo do movimento feminista que, na verdade, é um movimento humanista. Ninguém, seja homem ou mulher, deve ter de escolher entre trabalho e família.
ÉPOCA – Mas as mulheres ainda são forçadas a escolher, não?
Stephanie – Há uma certa sensação de que a revolução pela igualdade de gêneros empacou nas últimas décadas. Descobrimos que, no fim dos anos 1990, houve um pequeno aumento das pessoas que voltaram a acreditar que talvez seja melhor um dos membros da família se especializar nos cuidados com a casa, e outro, na carreira. Entre 1997 e 2007, as mães que trabalhavam em período integral, mas que diziam querer trabalhar meio período, aumentaram de 48% para 60%. Não achamos que isso aconteceu porque as mulheres mudaram de ideia sobre o que querem. Na verdade, elas têm tentado conciliar carreira e família, mas não conseguem por causa de barreiras que parecem intransponíveis, como a falta de flexibilidade das empresas e de locais adequados para deixar as crianças. É como se elas tivessem deparado com uma muralha.
ÉPOCA – Qual a consequência dessa escolha?
Stephanie – Culpa. A maioria das mulheres que são mães em tempo integral não quis desistir de todas as suas atividades fora de casa. E a maioria das mulheres que trabalham fora de casa gostaria de ter mais tempo para a família. Acabamos nos envergonhando de nossa escolha. Isso leva a uma necessidade muito humana de justificá-la, de dizer “a minha escolha é a certa”. Por isso, há uma guerra entre os dois tipos de mãe: as que trabalham fora e as que se dedicam aos filhos, como se os valores dos dois grupos fossem incompatíveis. Nesse campo, a pressão hoje é ainda maior do que nos tempos de Betty Friedan. No passado, a mística da dona de casa dizia que a realização das mulheres viria das conquistas do marido. Hoje, surgiu uma mística da maternidade. Ela diz que a realização virá do sucesso dos filhos. Por isso, a mãe precisa transformar todos os momentos com as crianças numa experiência de aprendizado, para prepará-las para o futuro da melhor maneira possível. Nunca é demais o que você pode fazer por seu filho. Quer dizer: você nunca está fazendo o suficiente.
ÉPOCA – Não é estranho que o pós-feminismo tenha dado espaço ao surgimento de uma mística tão contrária a seus ideais?
Stephanie – A sociedade de consumo tornou-se cada vez mais competitiva. Com o aumento da insegurança econômica, desenvolvemos uma cultura que valoriza os ganhos, algo que afeta homens e mulheres. Por isso, temos de ir além da ideia de que tudo está relacionado ao gênero a que você pertence. O feminismo do século XXI é sobre defender pessoas, não gêneros.
Revista Época

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