Essa é a questão cotidiana das pessoas que vivem juntas, não
é amor ou sexo.
Por IVAN MARTINS
Se você vai dividir a casa com uma mulher que trabalha, seja
pelo casamento ou por qualquer outra espécie de arranjo (ela pode ser sua
namorada, sua amiga ou sua irmã), tenha o cuidado, antes de cruzar o batente
dela ou permitir que ela cruze o seu, de acertar quatro coisas com ela: Quem
vai lavar a louça, quem vai fazer as compras, quem vai arrumar a casa e quem
vai cozinhar.
Agora, no conforto do seu apartamento de solteiro, ou
estendido no sofá da casa-útero da sua mãe, você pode achar que o mais
importante na vida dos casais é sexo, sentimentos e dinheiro para pagar as
contas. Não é bem assim.
Na noite de quinta-feira, quando você chegar em casa a fim
de um romance, sua mulher vai lembrá-lo que a coisa mais importante da vida de
vocês é a louça de três dias na pia da cozinha – ou a lista de compras colada
há três dias na porta da geladeira, ou a roupa que você há três dias esquece de
tirar da máquina. E faz todo sentido.
Se a sua mulher trabalha, o assunto mais importante da vida
conjugal dela é aquilo que você faz ou não faz em casa – e não estou falando de
sexo. O que vai definir a paz doméstica é a sua capacidade de dividir os
trabalhos domésticos. Se você não for para pia e para a feira, está condenado a
bater boca com uma frequência intolerável, e não há romance que resista a uma
briga por semana.
Você não precisa acreditar nas minhas palavras. Leia aqui
mesmo a reportagem especial que a Época fez sobre as expectativas atuais das
mulheres em relação aos homens. Depois passe os olhos pelos comentários
deixados pelos leitores ao pé da primeira parte do especial. Foi a leitura dos
comentários que me fez escrever esta coluna. Foi perceber quão anacrônicos são
os caras que se opõem às mudanças de hábitos. Eles são machos que temem serem
emasculados pela rotina doméstica, eles são provedores injustiçados pela
exigência de uma segunda jornada, são caras que acham que as mulheres que
trabalham fora são todas putas. Um horror. As mulheres, por seu lado, estão
exaustas e furiosas. Não entendem de onde vem a nossa autocomplacência quando
elas são tão organizadas e tão exigentes consigo mesmas, quando, no exemplo de
um amigo meu, elas botam as crianças para dormir, dão um tapa na casa,
organizam o dia seguinte e voltam ao computador para terminar o trabalho que
trouxeram do escritório, às 11 da noite...
Se você não é o sádico bilionário de Cinquenta Tons de
Cinza, que dispõe de serventes, helicópteros e dinheiro inesgotável para pagar
por todos os serviços, sua mulher ou namorada ou colega de moradia espera que
você arregace as mangas e bote a mão na massa com ela. Não é mais opcional. A
nova divisão de trabalho social é essa. Todo mundo trabalha fora, todo mundo
rala, e todo mundo faz as coisas de casa. É uma simples questão de modernidade.
Se a sua mulher olhasse para a sua cara e dissesse que tem o direito de ser
sustentada sem trabalhar, apenas por ter nascido mulher, você perguntaria em
que século ela pensa que está vivendo. Como nós, homens, achamos que elas se
sentem quando sugerimos, com dezenas de argumentos meio frouxos, que temos o
direito inato de que nos façam comida, lavem a nossa roupa e limpem o nosso
banheiro, apenas por termos nascido homens?
Meu pai nasceu em 1930 e não gostava que a minha mãe
trabalhasse fora. Eu nasci em 1960 e desde que fiquei adulto nunca namorei uma
mulher que não tivesse ocupação. Meus filhos, que nasceram nos anos 1980, terão
o direito de ver o jogo do time deles na TV enquanto a mulher deles lava a
louça? Duvido. Só se o relógio andar para trás e o mundo for retomado pelos
felicianos. Uma das medidas mais constantes do avanço civilizatório é a
expansão dos direitos da mulher. Há 50 anos, quando a Betty Friedan escreveu A
mística feminina, elas exigiam o direito de trabalhar fora. Conseguiram. Agora,
no início do século 21, exigem que nós também trabalhemos dentro de casa - e
conseguirão da mesma forma, provavelmente em menos tempo. É uma simples questão
de racionalidade e de justiça. Pense no fim da servidão doméstica de metade da
humanidade.
Escrevo essas coisas sem hesitação, porque eu mesmo não sou
exemplo de nada. Minha mãe pedia ajuda em casa e eu fingia de surdo, enquanto
as minhas irmãs cooperavam. Nunca aprendi a cozinhar. Agora, um bocado mais
velho e talvez um pouco mais sábio, tento mudar, mas é duro alterar os hábitos
de uma vida. A divisão das tarefas domésticas ainda é o motivo de sete em cada
10 discussões na minha casa. Não discuto SE, discuto QUANDO e COMO fazer o que
tem de ser feito, mas ainda discuto. A vontade é deixar tudo para amanhã. No
fundo, conto com a faxineira, que, uma vez por semana, restaura a base material
do meu casamento. Ela também é mulher e provavelmente não estará na minha casa
dentro de 10 anos. Nem na sua. Melhor seria aprender a fazer rápido o que tem de
ser feito: lavar a louça, lavar a roupa, cuidar da casa e cozinhar.
Fonte: Revista época
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