domingo, 26 de agosto de 2012

Emocionante testemunho sobre as mudanças na vida religiosa feminina


Os bispos têm razão. As Religiosas mudaram, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. E essa mudança está sacudindo os verdadeiros alicerces do que continua sendo uma Igreja que parece encerrada num tempo e num lugar de outrora.

Por Nancy Sylvester, I.H.M
Nós mudamos seguindo caminhos que nos levaram a sair do que pensávamos ser. Rendendo-nos ao Espírito, nós despertamos para novos conhecimentos que tocavam o mais profundo de nós. Mudança desse porte corresponde a uma transformação. Ela alterou radicalmente a maneira como nós nos víamos, a maneira como víamos o Evangelho, a nossa Igreja, o nosso mundo, e, o mais importante, a maneira como nós compreendemos o nosso Deus.
Não foi fácil essa mudança na consciência. Não, ela foi dolorida, mas, à semelhança da dor de parto, ela cede lugar ao indizível encantamento ante a vida que emerge.
Não quero passar a idéia de que tudo o que se passou ao longo desses 50 anos tenha sido perfeito, isento de erros ou de pobres escolhas. Mas, o que fica claro para mim é que a renovação que se seguiu ao despertar do Concílio Vaticano II, nos convidou as mulheres e os homens, os religiosos e os leigos, a viver nossa fé, de tal modo que ela permeasse e fosse, ao mesmo tempo, moldada pela sociedade moderna, pluralista e democrática.
 
O documento conciliar Gaudium et Spes convidava a Igreja a abraçar as alegrias, as esperanças, a labuta, o sofrimento do Povo de Deus, e a estar no mundo, e não afastar-se dele. Ele « abriu as janelas » de uma instituição que serrava as grades e liberava o Espírito. Esse convite da Igreja oficial fazia eco ao que fez Jesus em sua vida, quando « abria as janelas » do sistema de pureza restritiva que então prevalecia, e proclamava em parábolas e em atos que todos eram bem-vindos à mesa e eram amados por Deus.
 
Um ato de obediência
 As Religiosas levaram a sério esse convite, e incentivadas pela Igreja oficial, empreenderam o caminho da renovação. Eis aí um ato de grande obediência. Eu sei, pois entrei na vida religiosa em 1966, após ter sido criada em Chicago, num enclave católico. O que era católico definia todos os aspectos de minha vida – escolas católicas, funerais católicos, equipes esportivas católicas, espiritualidade católica, e a lista segue. A Igreja oficial de hoje deveria estar muito orgulhosa pelo que eu era, então. Eu não queria que as coisas mudassem. Imaginava usar hábito durante toda a minha vida, vivendo num convento numa cotidiana rotina, ensinar nas escolas. Então, quando entrei, e quando as coisas começaram a mudar, o caminho não foi nada fácil para mim; no entanto, eu obedeci e levei a sério o que me haviam ensinado nas aulas de Teologgia e Filosofia.
 
Integrar as questões que se colocavam sobre a fé, as Escrituras, ou a teologia em minha vida de oração foi a chave de minha trajetória, como o foi para muitas Religiosas. Começamos a ver com novos olhos quem foi Jesus, e como as Escrituras foram trabalhadas dentro do contexto da época. Estudamos história da Igreja e sua tradição de ensino sobre a justiça social. Aprendemos a Teologia da Libertação e começamos a compreender como as estruturas e os sistemas de poder político e eclesiástico. com demasiada frequência, oprimem o verdadeiro povo, a quem foram criadas para servir. Como as dioceses dos Estados Unidos funcionavam de modo articulado com as da América Central ou do Sul, muitas irmãs serviram nesses ministérios restabeleciodos, e vivenciaram a experiência do poder da Teologia da Libertação, elas foram transformadas pelo povo a quem serviam.
 Guiadas pelos documentos conciliares, aprendemos outras tradições de fé, e aprendemos que elas, também, tinham algo a oferecer na caminhada para Deus. A renovação litúrgica trouxe uma abertura e um frescor às celebrações litúrgicas que estavam ossificadas na Igreja Romana.
 Tendo sido preparadas nos anos 1950 pelo Movimento de Formação das Irmãs, as Religiosas foram instadas, nas pegadas do Concílio, a seguirem formações acadêmicas. E nós o fizemos. Letras e ciências humanas, as ciências sociais como também as ciências exatas tornaram-se familiares para nós. As abordagens da Física Quântica, da evolução e das descobertas sobre as origens do Universo já não são estranhas ou suspeitas. Ao contrário, elas tambem apontavam para um maior conhecimento de Deus e para quem nós somos, neste mundo maravilhoso.
 Imersas no mundo aberto aos novos ministérios em que as Religiosas lidavam diretamente com mulheres que se confrontavam com relações de abusivas ou com decisões sobre como se comportarem diante de gravidez, em relação a garotas que equivocadamente entendiam que, de acordo com o ensinamento da Igreja, era melhor abortar e ser perdoada por um pecado mortal do que usar contraceptivos e ficar em constante estado de pecado mortal. Nossos ministérios nos colocaram frente a frente em relação com os marginalizados de nossa sociedade – os sem-teto, os prisioneiros, os economicamente desprotegidos, os que sofrem por causa de orientação sexual. Tais experiências se infiltraram em nós, e por tê-las trazido em nossas orações, elas nos transformaram. Nós vimos e entendemos que esses constituíam, hoje, o povo a quem Jesus chamaria de amigos e os acolheria como bem-vindos em sua companhia.
 
O despertar
Nossa vida ao interno das congragações também ia mudando. Mudamos a roupa vestida pelas mulheres de outras épocas, e trocamos por vestes usadas em nosso tempo, e passamos a viver em diferentes tipos de comunidade, passamos a ter experiência de nós mesmas como indivíduos, com nosso próprio direito. Tal como as mulheres, por toda a parte, naqueles anos, nós despertamos para a nossa própria identidade como mulheres, e clamamos por direitos que eram nossos, iguais aos dos homens. Tendo exercido nossos ministérios em meio às mulheres, sentimos, de uma nova maneira, os desafios que são postos por causa do nosso gênero, o dom de nossa sexualidade e de levar uma nova vida. Viemos a compreender que o ensinamento da Igreja oficial sobre a sexualiade não era aceito pela maioria das mulheres católicas, porque não tocava o coração das mulheres, nossas vidas, não se dirige ao nosso sofrer ou às difíceis escolhas com que nos deparamos, nem celebra a alegria de nossa sexualidade.
 
Tendo sido criadas nos Estados Estados Unidos, as Religiosas começaram a incorporar os princípios democráticos em relação às nossas estruturas de governo, o Concílio nos pedia mover-nos em direção ao exercício de uma liderança servidora, e nós vimos que as estruturas patriarcais e hierárquicas não promovem esse modelo. Nós escolhemos, antes, modelos mais circulares de liderança, enfatizando lideranças de participação e de partilha, afirmando e aceitamos certos indivíduos entre nós como lideres eleitos.
 
Os movimentos sociais do nosso tempo tornaram-se parte de nossas vidas – o movimento das mulheres, a luta pelos direitos civis, o movimento pela não-violência e contra as guerras, e mais recentemente o movimento de gays e lésbicas. O que aprendemos foi o reconhecimento visceral de que toda pessoa humana é dotada de certos direitos inalienáveis, independentemente de raça, gênero, religião, classe ou orientação sexual. Todos são filhos de Deus.
Mais recentemente, as Religiosas trouxemos em nossas orações as intuições da Física Quântica e da Cosmologia, que revelam a interconexão de toda a vida. Conscientemente escolhemos ver a situação crítica da dossa Terra como uma questão de justiça, e formulamos orientações congregacionais e posição pública acerca da sustentabilidade, a mudança climática global e o cuidado com a Terra e seus recursos naturais.
 
Falando francamente
Nós nos descobrimos imersas numa sociedade pulralista, democrática e secularizada, e não sabíamos que nossa fé tinha algo a oferecer ou a receber da cultura. Falamos sobre os abudos da avidez, do consumismo, do individualismo e das políticas públicas formuladas em olhar o bem comum ou os que são os mais pequeninos dentre nós. Fizemos pressão e manifestações. Usamos nosso poder econômico por meio de resoluções de acionistas. E a outros oferecemos a oportunidade em pensionatos de idosos e fóruns educacionais, permitindo a outros partilharem suas experiências de adultos, dentro da cultura, com sua fé.
 As religiosas mudaram. E essa mudança está sacudindo os verdadeiros alicerces do que continua sendo uma Igreja que parece encerrada num tempo e num lugar de outrora. Isto não é o de que se precisa, atualmente. Os sinais dos nossos tempos nos revelam pessoas que são católicas, mas já não podem ir à « igreja», por se sentirem à margem e furiosas diante da corrupção e da falta de integridade de muitos de seus líderes clericais. Essas pessoas desejam conhecer a Deus, como adultos. Elas aspiram a uma espiritualidade que esteja enraizada em sua fé e em sua vida.
 
Eu acredito que o Evangelho e a riqueza de nossa tradição católica têm algo a oferecer ao nosso mundo pós-moderno. Não quero vê-lo a sucumbir ao peso de estruturas que mantêm relações de poder que já não servem. Eu acredito que a fé que se espera para oferecer ao século XXI, seja a que vem de uma posição de abertura e de entendimento das mudanças trazidas pela evolução do nosso desenvolvimento. Não pode ser uma fé que venha de uma posição de condenação da modernidade. Há de ser uma fé que tenha sido testada no cadinho do nosso tempo, que tenha emergido de novas intuições e novas interpretações de como podemos amar uns aos outros como Jesus amou. Em tempos difíceis e caóticos, nós podemos chegar a um despertar maior de que somos mais semelhantes do que diferentes, mais uns do que separados.
 
Sim, as Religiosas mudaram. E eu acredito que nossa caminhada tem muito a oferecer, nesse momento da história. Junto com outros que têm caminhado por semelhantes trilhas, o futuro de nossa fé nos faz sinal para irmos adiante, desde o Concílio Vaticano II. Por ocasião do quinquagésimo aniversário desse acontecimento, vamos nos mover em direção ao futuro. Clamando uma vez mais que somos católicos e somos Igreja.
 
 Nancy Sylvester, I.H.M., é fundadora e presidenta do Institute for Communal Contemplation and Dialogue. Ela serviu à presidência da LCWR, de 1998-2001, e foi Coordenadora Nacional da NETWORK, de 1982-1992.
 
Desde a versão original «Into the Future. The journey of women religious since Vatican II», de Nancy Sylvester, in  http://www.americamagazine.org/content/article.cfm?article_id=13486

Traduzido por Alder Júlio F. Calado

Fonte: consciência.net

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