sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O pai que matou a filha para não pagar pensão

Paternagem, paternidade biológica e social: construtos socioculturais


Fátima Oliveira
Médica – fatimaoliveira@ig.com.br
Publicado no Jornal OTEMPO

Há pai de todo tipo, tanto biológico quanto social. Dos que não valem um “derréis” aos que valem mais que o bamburro da pepita Canãa (Serra Pelada: 60,8 kg, 1983, a maior do Brasil) ou da maior do mundo, a pepita Holtermann (1872). É que pai que “paterna” é tão valioso que não tem preço, logo não há o que pague.
O significado de um pai que não tem preço está na paternagem que sua prole retém na memória. Pai que não fica como um conforto mental passou pela paternidade como um padecimento… Tais elucubrações filosóficas brotaram ao ler que Genoir Luís Bortoloso, 47, confessou que matou a filha Ketlin Bortoloso, 18, estudante de educação física, em Gaurama (RS), no último dia 11, segundo ele para “resolver a situação” – não pagar pensão e abocanhar um seguro de R$ 200 mil que o beneficiava!


O pistoleiro Jair Rivelino Satornino, contratado por R$ 10 mil, R$ 500 de entrada, alega que seu revólver travou após o segundo tiro e o pai disparou mais quatro tiros em Ketlin! Foi a segunda tentativa de assassinato, a mando do pai, que há dois anos “teria contratado o mesmo pistoleiro, dizendo que ela era uma namorada que o traía, que disparou em Ketlin e no irmão, na saída da escola, mas os tiros só a feriram na perna e no abdome. Era um caso sem solução até a prisão de Genoir”.
Falam que a atual mulher de Genoir “não se dava bem com a garota e ameaçara separar-se”. O delegado Olinto Gimenes declarou: “O valor da pensão alimentícia estaria causando dificuldades para o casal; e Genoir chegou a ser preso quatro vezes por falta de pagamento”. Matou a filha e ainda foi ao velório, onde foi preso e confessou o crime.
O abominável fato nos encaminha para o pensar e pensar…
Uma amiga vive como condenada a trabalhos forçados para sustentar a filharada no padrão classe média. O pai não paga pensão. Indaguei por que não recorria à Justiça. Disse-me que preferia assim, pois obrigado a pagar pensão, teria direito de conviver com as crianças. Ela intuía que quem nega pensão aos filhos não tem caráter e pode abusar deles sexualmente, para se vingar da mãe e até matá-los, para “resolver a situação”…
Disse-lhe que sua atitude era de alienação parental [Lei de Alienação Parental (nº 12.318-10)]; desconhecia relações incestuosas tendo como base o ódio contra a mãe; e no Brasil não havia casos de pai que matou filho ou filha para não pagar a pensão…
Não havia. Agora há! O que remete à Justiça novas questões: não descartar a hipótese de alto potencial ofensivo daqueles que usam de todos os ardis possíveis e imagináveis para negar a paternidade, o que nega à criança o direito de saber a sua origem – um crime diante da alegação de paternidade – e só a assume por força da lei e/ou dá demonstrações de que a pensão de alimentos da prole é um estorvo, quando tem meios de supri-la.
Logo, cabe à Justiça tratá-lo de modo condizente na concessão de benefícios de convivência: visitas assistidas, no máximo! É a minha nova opinião em casos assim, pois a Justiça obriga a pagar pensão, mas amar jamais! Conviver é um direito, e não uma obrigação. É um erro impor convivência a quem não luta por ela em palavras e atos! Nada a ver com alienação parental, apenas proteção da vida de pensionistas de alimentos.
Talvez Isabella de Oliveira Nardoni, morta em 29.3.2008, e Joanna Cardoso Marcenal Marins, morta em 13.8.2010, foram eliminadas por falta de tais cuidados. É uma hipótese não descartável que urge ser debatida.

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