quinta-feira, 25 de agosto de 2011

As/os preferidas/os de Deus

Por Márcia Elizabeth dos Santos
Psicóloga, Psicodramatista e Coordenadora Pedagógica Nacional da PMM
Adital
Existe um conto que escutei há muito tempo atrás e nunca esqueci porque me comoveu demais pela sua simplicidade e doçura. Mais tarde descobri que era uma versão do conto ‘O Malabarista de Nossa Senhora’, do escritor francês Anatole France (1844-1924). Essa versão, no entanto, é tão bonita quanto o conto original e é mais ou menos assim: Nossa Senhora e o Menino Jesus estavam de visita na Terra e ela permitiria que uma pessoa tivesse a honra de segurar o Menino Jesus nos braços. Muitos homens eruditos e estudiosos das religiões, das Escrituras Sagradas e Leis Canônicas sabendo disso, fizeram fila para mostrar-Lhes os seus dons e saberes e terem o Menino nos braços. Um por um, na sua vez, diante do Menino, discorria conhecimentos, doutrinas e especializações, cheio de orgulho e pompa, certo de que seria o escolhido. Mas, para cada qual, o Menino Jesus se mostrava muito sério. Até que, no final da fila, um homem simples, malabarista, constrangido por se achar sem vez perante os demais, mas desejando ardentemente no seu coração, também mostrar o seu talento e tê-Lo nos braços, passou pelo Menino Jesus fazendo graça, piruetas e malabarismos com algumas bolas, rodopiando-as no ar. Eis que, encantado com a candura do Deus Menino, atrapalhou-se e deixou as bolas caírem sobre si e no chão. Imediatamente, o Menino bateu as mãozinhas uma na outra rindo deliciado com a cena. E foi precisamente nesse momento que Nossa Senhora entregou o Menino Jesus para que o malabarista segurasse o Seu Filho nos braços.


O que é encantador nesse conto, como em tantos outros que revelam os arquétipos da alma humana, é a profundidade do ensinamento que a sua mensagem contém. Nesse caso, Deus é o mais simples possível. Não escolhe os eruditos, os mais sábios, mas os pequenos, os simples e puros de coração, os que agem com sinceridade e amor.
Importante ressaltar que a sensibilidade feminina, na pessoa de Nossa Senhora, percebe a verdade das intenções de todos, assim ela entrega o Filho para quem é merecedor de recebê-Lo e motivada pela própria preferência do Filho. O riso e o prazer do Menino Jesus diante da apresentação pura e singela de um homem que usa a graça, quando os demais usam a empolação, é o sinal que a Mãe precisou para saber que ele era o escolhido, mesmo que o próprio não se considerasse à altura de ter nos braços especial presente, mesmo que atrapalhado e fora das convenções e aparências. Porque Deus não é de aparências, como bem lembra Jesus: "Hipócritas! Isaías profetizou muito bem sobre vocês, quando disse: ‘Esse povo me honra com os lábios, mas o coração deles está longe de mim. Não adianta nada eles me prestarem culto, porque ensinam preceitos humanos’” (Mateus 15, 7-9).
Ele é, na verdade, um Deus Mãe e Pai que sabe exatamente o que está no mais profundo dos corações humanos, e não seria surpreendente, então, contrariando todas as convenções e referências pré-estabelecidas, que escolhesse aqueles que, aos olhos de muitos, não estariam contemplados no Seu plano divino. O Novo Testamento narra que constantemente Deus prefere a companhia dos que são preteridos pela sociedade: os pecadores, as prostitutas, os cobradores de impostos, os leprosos, todos os fragilizados e machucados no corpo e na alma. Para as pessoas da época que se apoiavam em uma rígida crença moral e religiosa era incompreensível tanto amor e benevolência de Deus, encarnado na pessoa de Jesus de Nazaré, como o é para as de hoje, apegadas a conceitos tão engessados e catedráticos, compreender e enxergar quem são os escolhidos e escolhidas de Deus no presente. Estes estão, atualmente, nos presídios, nas mulheres do mais baixo meretrício, nas vítimas do tráfico e exploração sexual, nos bordéis, nos cortiços, nas favelas, nos homens e mulheres em situação de rua, nas crianças e adolescentes que vivem na Cracolândia, na cidade de São Paulo, naqueles que nada têm; em tantos casos, nem ao menos têm a si mesmos. São esses que se atrapalham nos seus talentos, mas que são sedentos para estar na fila e ver o Menino Deus. Eles, especialmente, comovem o Grande Coração de Deus, que diz assim, ao pé do ouvido de cada um, pela boca do profeta Isaías: "Mas pode a mãe se esquecer do seu nenê, pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você. Veja! Eu tatuei você na palma da minha mão; suas muralhas estão sempre diante de mim. Aqueles que vão reconstruir você apertem o passo; os que a derrubaram e destruíram já foram embora” (Isaías 49, 15-17).

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