segunda-feira, 14 de março de 2016

Mulheres compartilham lutas em evento no Vaticano, contornando questões como ordenação e papéis de liderança

Uma dúzia de mulheres de todo o mundo compartilharam histórias interessantes e, por vezes, angustiantes das lutas pela paz, educação e igualdade durante um evento no Vaticano na passada terça-feira, 08-03-2016, com algumas delas pedindo por uma maior representação feminina nos mais altos níveis da Igreja Católica.


A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 09-03-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

O evento, organizado como uma oportunidade para as mulheres compartilharem as suas opiniões a partir do centro da burocracia católica no Dia Internacional da Mulher, teve, no entanto, o cuidado de contornar a questão do comando das mulheres na comunidade católica, escolhendo falar, por outro lado, das capacidades delas em compartilhar espaços de liderança.

Na verdade, uma das oradoras mais destacadas na terceira edição do Vozes de Fé disse que o foco das conversas sobre os papéis femininos na Igreja em torno da ordenação é “infeliz” porque ele causa suspeitas quando algum tópico relacionado a elas nos círculos católicos é trazido.

Carolyn Woo, presidente da Catholic Relief Services, agência de ajuda humanitária internacional sediada nos EUA, disse que, quando elas falam, há uma questão persistente de fundo: “Será que tudo o que as mulheres na Igreja querem é eventualmente acabar participando do sacerdócio?”

“O fato de que grande parte dos diálogos tenham se focado na ordenação feminina (…) fez com que exista um ceticismo ou uma suspeita, sempre que nos manifestamos”, disse Woo. “E esta conversa, está ela também indo ao tema da ordenação?”

“Eu acho isso uma infelicidade, porque, ao longo do caminho, nós não ouvimos as vozes das mães, das mães solteiras, das agentes pastorais”, disse.

Woo é uma das doze mulheres e vários homens que participaram do evento de terça-feira, pensado para ser uma oportunidade às mulheres de compartilharem suas histórias de fé no dia anual que as homenageia, 8 de março.

Organizado pela organização caritativa sediada em Liechtenstein “Fundação Fidel Götz”, o evento foi transmitido via internet para o mundo todo direto da Casina Pio IV, construção icônica de mármore que serve de lar para a Pontifícia Academia de Ciências.

A presidente da Catholic Relief Services estava falando num painel de debates organizado durante o evento, que foi descrito como um diálogo multigeracional a respeito da expansão da liderança feminina na Igreja.

Os comentários feitos pelas participantes do painel eram marcadamente mais suaves do que aqueles feitos durante um painel parecido ocorrido na edição do ano passado, onde várias oradoras proeminentes abordaram questões tais como a ordenação feminina e o emprego da linguagem inclusiva na liturgia católica.

Embora as painelistas do evento deste ano abordaram a questão da liderança feminina na Igreja, a questão da ordenação só surgiu uma única vez – quando Woo disse que as discussões em torno do tópico eram infelizes.

O painel de discussão era o momento conclusivo do evento de quatro horas e foi moderado pelo padre jesuíta Thomas Smolich, diretor internacional do Serviço Jesuíta aos Refugiados. As demais painelistas foram: Geralyn Sheehan, diretora do Corpo de Paz dos EUA na Colômbia; Petra Dankova, tcheca que mora nos EUA; e Nicole Perone, mestranda na Faculdade de Teologia de Yale.

Dankova, postulante da Congregação das Irmãs do Santíssimo Redentor, iniciou o debate dizendo que não queria falar de modo dualista.

“Eu acho realmente perigoso que olhemos para a Igreja a partir de uma visão dualista, de um instituição dominada por homens, a que as mulheres estão, de certa forma, do lado externo”, disse ela. “Em minha experiência de alguém que se converteu ao catolicismo em idade adulta, sei que a Igreja a que me converti é uma comunidade”.

Perone trouxe o fato de que as mulheres, hoje, estão atuando na sociedade como chefes de Estado e CEOs, dizendo que “elas podem ter sucesso em qualquer esfera”, em seguida perguntando: “Por que a Igreja é a última fronteira nesse sentido?”

Em particular, a aluna de Yale mencionou que os dois departamentos vaticanos que mais se dedicam às mulheres – os Pontifícios Conselhos para os leigos e para a família – não são coordenados por elas.

“Não dá para entender por que um leigo não pode estar à frente do Pontifício Conselho para os Leigos”, declarou. “É simplesmente ilógico”.

Woo, que é presidente da Catholic Relief Services desde 2012, disse que as mulheres atualmente estão batendo à porta da Igreja.

“A geração que vem depois de nós (...) irá parar de bater”, acrescentou a religiosa. “Haverá um dia em que teremos um silêncio, com as pessoas não mais batendo à porta. As jovens que nos sucedem, elas não podem imaginar a vida por detrás daquela porta. Elas começam a não vê-la mais”.

“Eu acho que o meu grande medo é que nós estamos batendo à porta neste exato momento, mas que haverá uma geração onde as sucessoras podem não mais bater”, disse ela. “E eu acho que é isso o que a Igreja enfrenta”.

Woo também pediu por uma expansão do ensino papal relativo à mulher, observando que vários pontífices recentes, inclusive o Papa Francisco, elogiaram o que chamaram de “o gênio feminino”.

“E em muitas vezes este termo foi evocado para representar a sensibilidade feminina (…) a capacidade delas de dar atenção aos outros, de nutrir e cuidar”, disse. “Mas e quanto às mulheres como críticas ou ativistas sociais, como a Dorothy Day? E quanto àquelas que são escândalos, como Dorothy Day, Maria Madalena e a mulher do poço?

No entanto, a presidente do Catholic Relief Services disse também “que não estou muito confortável com o debate centrando-se somente em titulações”.

“O Papa Francisco tem falado contra a tentação do clericalismo”, Woo interpelou. “Eu não acho que as mulheres deveriam buscar isto, que é típico do status privilegiado”.

O evento de terça-feira começou com uma partilha das histórias de mulheres diferentes ao redor do mundo. Os tópicos foram desde tentar construir a paz durante e depois da Guerra da Croácia até a luta contra o regime ditatorial de Marcos, nas Filipinas, passando pela tentativa de superar a prática dos casamentos com crianças no Quênia.

Cecilia Flores falou sobre a experiência de ser prisioneira política sob o regime de Marcos e de dar à luz ainda na prisão.

“Isso daqui é um sonho para mim”, disse ela. “Estar no coração do Vaticano, saber que as portas estão se abrindo”.

“A liberdade é uma escolha”, acrescentou Flores. “Uma escolha em fazer algo (…) uma escolha em fazer a diferença. E aqui estou convidando vocês a fazerem parte desta diferença”.


Fonte: Ihu

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