quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Precisamos falar sobre estupros em ambientes universitários

A universidade como um todo tem um problema grave de violências de gênero, não só na forma de estupros como também com trotes violentos de teor sexual e outras discriminações.

por Nana Soares

A Netflix disponibilizou recentemente o documentário “The Hunting Ground”, que aborda a epidemia de estupros nas universidades americanas e os esforços das instituições para acobertá-los. É um filme incômodo e, por isso mesmo, necessário sobre um problema real que acontece tanto lá quanto aqui.
Nos EUA, os levantamentos apontam que 1 em cada 5 universitárias são ou serão vítimas de violência sexual. Não só é um número escandaloso como também é inacreditável que o debate sobre ele tenha demorado tanto tempo para se instalar. O documentário mostra a dificuldade das estudantes em reportar os casos às universidades, os entraves institucionais e a completa impunidade dos agressores (especialmente se forem atletas ou estudantes que alavancam o nome das instituições). Mostra também as ameaças, isolamento e punições posteriores ao abuso sexual, que têm muitas consequências nas vidas das vítimas. É um filme imperdível com uma música tema que não poderia ser mais apropriada: “Til it happens to you” (Até que aconteça com você).

Mas pior ainda é saber que o problema não se limita aos EUA. O mesmo fenômeno de violência sexual nas universidades e o posterior abafamento dos casos também acontece no Brasil. Os casos mais famosos vieram da prestigiada Faculdade de Medicina da USP. Não sem resistência: as corajosas estudantes que relataram as agressões ouviram (e muito) que iriam sujar o nome da Faculdade mais tradicional do país e que o assunto deveria ser discutido e resolvido internamente. Muito bonito, não fosse o fato de que internamente elas não recebiam apoio ou solução para combater o problema.

Estudei na USP e desde sempre ouvi falar dos casos da Medicina, só tornados públicos há dois anos. Aliás, a universidade como um todo tem um problema grave de violências de gênero, não só na forma de estupros como também com trotes violentos de teor sexual e outras discriminações. E, assim como nos EUA, as estudantes carecem de apoio institucional efetivo. O mais comum sempre foi ver medidas como proibição do álcool ou discussões sobre alcoolismo numa tentativa de diminuir abusos sexuais. Como se fosse o álcool, e não uma pessoa, que inflingisse a violência.

Dados de uma pesquisa de 2015 do Instituto Avon em parceria com o DataPopular apontam um dado escandaloso: 67% das mulheres foram vítimas de violência cometida por um homem nas universidades ou festas acadêmicas. E 42% delas já sentiram medo de sofrer violência nesse mesmo ambiente. Entre os universitários homens, 38% admitiram ter cometido alguma das violências listadas pela pesquisa (assédio sexual, coerção, violência sexual, violência física, desqualificação intelectual com base em gênero e agressão moral ou psicológica). E a quase totalidade dos entrevistados acredita que as faculdades deveriam criar meios para punir os responsáveis.

Os poucos dados que temos já mostram que o ambiente universitário também é inseguro para mulheres. Se pensarmos que ali está o futuro do país, não é exagero dizer que  o futuro parece ter a violência contra a mulher como uma prática normalizada e institucionalizada. Parece tratar a segurança da maioria de sua população (já que as mulheres são maioria no ensino superior do Brasil) como algo minoritário.

Carrego as melhores lembranças possíveis dos meus anos de faculdade e por isso me dói profundamente saber que uma quantidade inaceitável de mulheres não terá a mesma oportunidade. Por isso, não tem jeito: a única saída para obrigar a sociedade a discutir o problema é falar.

Nos EUA, há agora uma mobilização nacional importante em torno dos abusos sexuais nos campi universitários. Um canal de humor por lá fez um divertido vídeo sobre como o assunto é tratado no país, mesmo com a estatística de 20% de alunas violentadas.


Fonte: Agência Patrícia Galvão

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