sábado, 5 de abril de 2014

''O ensinamento de que as mulheres não são como Jesus é herético''

A explicação para o sacerdócio unicamente masculino que vê as mulheres como não plenamente semelhantes a Jesus é um ensino herético, que implica que as mulheres não estão totalmente redimidas, disse o padre agostiniano John Shea em uma carta, a segunda desde 2012, aos bispos dos Estados Unidos sobre a questão da ordenação de mulheres.


"Esse ensinamento de que 'as mulheres não são totalmente semelhantes a Jesus – qualificado, como se faz, como uma explicação teológica – é completamente e comprovadamente herético."

"Esse ensinamento diz que as mulheres não estão totalmente redimidas por Jesus. Esse ensinamento diz que as mulheres não são curadas pela graça salvadora de nosso Deus. Esse ensinamento diz que a Igreja 'católica' é apenas verdadeiramente 'católica' para os homens", escreveu Shea.

Perto do início da sua carta de quatro páginas, que foi enviada para 180 bispos, Shea, 73 anos, deixou claro que a sua intenção não era questionar ou discordar publicamente do magistério da Ordinatio sacerdotalis, a carta apostólica de 1994 em que o Papa João Paulo II declarou que "a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja".

"Eu não estou questionando o ensinamento, estou questionando a explicação teológica do ensinamento. E se trata de uma espécie de ponto sutil, mas, de fato, é o que eu estou fazendo", disse o padre de Boston ao NCR.

Shea, teólogo prático que lecionou por quase 40 anos entre o Boston College e a Fordham University, escreveu uma carta semelhante no início da Quaresma de 2012. Nela, ele procurou "uma clara e credível" explicação teológica para a exclusão das mulheres do sacerdócio católico.

Pouco depois de enviar essa carta, Shea recebeu a sua segunda advertência canônica do seu provincial, o padre Anthony Genovese, que disse que os seus contínuos desafios públicos ao ensino da Igreja fechado para debate "poderia resultar em sérias consequências para além do meu controle". O primeiro aviso chegou um ano antes, depois que Shea escreveu a Genovese informando-o que ele pretendia se afastar do sacerdócio até que a ordenação fosse aberta para as mulheres.

As razões para outra carta eram muitas, disse Shea: "Em parte por causa das mudanças na Igreja, em parte por causa do Papa Francisco, em parte porque a coisa simplesmente continua, e ninguém fala a respeito, o que realmente me incomoda. E para manter o debate vivo."

Shea disse que particularmente a reafirmação por parte do papa da posição da Igreja sobre a ordenação de mulheres, assim como o seu apelo por uma teologia das mulheres, levaram-no a abordar novamente essa questão.

"Eu não quero lhe dar um passe livre sobre tudo isso, porque, para mim, essa é a questão mais fundamental na Igreja, é a questão mais clara na Igreja em termos de justiça", disse Shea.

As conexões entre a ordenação de mulheres e a justiça tornaram-se claras para Shea enquanto ele estava na Índia no início dos anos 1990. Lá, um padre da Tailândia pediu o seu conselho sobre como tratar pastoralmente a prática de matar bebês do sexo feminino porque a família não tinha dinheiro suficiente para um dote.

"Isso realmente me tocou, e então eu me dei conta: como a Igreja pode falar disso, se a Igreja também fala da inferioridade das mulheres? Por isso, essa experiência foi muito poderosa para mim", disse ele ao NCR, acrescentando que a violência começa quando se nega a plena personalidade às pessoas.

O tom dessa carta é mais afiado, disse Shea, que está escrevendo um livro sobre vida adulta e moral, e fala mais forte no sentido de instar os mestres da fé locais a abordar o assunto.

"Como bispos, por quanto tempo vocês vão defender a inferioridade da mulher na Igreja?", escreveu. "Por quanto tempo o seu ensino sobre as mulheres será uma contradição óbvia e surpreendente? Por quanto tempo a sua degradante postura patriarcal vai violar os direitos humanos e a igualdade religiosa das mulheres em nome de Deus?"

Até agora, cinco bispos responderam. Todos foram educados, disse Shea, e alguns até foram paternais em suas respostas. Mas nenhum abordou a substância da sua carta, reforçando, ao invés, o ensino da Igreja ou perguntando-lhe se ele havia lido outros documentos a respeito do tema.

Uma carta de uma página e meio veio do arcebispo de Miami, Dom Thomas Wenski, enquanto Dom Edward Slattery, bispo de Tulsa, Oklahoma, indicou-lhe uma palestra do cardeal Avery Dulles de abril de 1996, intitulada "Sacerdócio e gênero". Os bispos de Portland, Oregon; Lincoln, Nebraska; e as arquidioceses de Chicago e Detroit ao menos acusaram que haviam recebido a carta de Shea.

As respostas, a este ponto, representam cerca de um terço das que foram geradas pela primeira carta de Shea, que incluíam o cardeal de Chicago, Francis George, que lhe enviou uma cópia do livro de 2007 da Ir. Sara Butler, das Servas Missionárias, intitulado The Catholic Priesthood and Women: A Guide to the Teaching of the Church [O sacerdócio católico e as mulheres: um guia para o ensino da Igreja].

A última carta de Shea estabelece uma distinção entre uma explicação histórica, que "sofre de uma lógica incompleta" e "necessariamente envolve interpretação", e uma explicação teológica, que "sopesa qualquer assunto sobre o núcleo da mensagem cristã".

Chamando a Ordinatio sacerdotalis de uma explicação histórica, Shea levantou uma série de questões:

"O chamado dos 12 foi um evento único? Será que Jesus queria ordenar da forma como nós entendemos a ordenação hoje? Foi a intenção de Jesus inaugurar um ministério que apenas homens pudessem realizar? Alguma vez Ele disse isso? Jesus estava apenas fazendo o que ele pensava que funcionaria melhor na cultura patriarcal da sua época? E o papel religioso dos escribas e fariseus – todos do sexo masculino – que tanto enfureceram Jesus? Jesus era patriarcal? Ele via as mulheres como inferiores aos homens? Jesus vislumbrou as mulheres no ministério? Por fim, e a história da ordenação nos últimos dois mil anos, uma história incrivelmente axadrezada que claramente inclui mulheres?"

Shea argumenta que uma explicação tão histórica traz inúmeros problemas, entre eles: ela não pode aplicar unilateralmente um significado particular a um evento particular. Referindo-se ao significado que a carta apostólica deu à escolha dos 12 apóstolos, ele perguntou: "Outra interpretação perfeitamente lógica do significado desse evento não poderia ser que um número de homens patriarcais – à época e agora – foram e são totalmente contra mulheres que não tem qualquer autoridade sobre eles?"

Ele levantou as mudanças que ele percebeu no "magistério infalível ordinário" da Igreja sobre a escravidão, o racismo, a intolerância religiosa e a inferioridade histórica das mulheres como uma forma de desafiar as tendências da Igreja rumo ao absolutismo.

"Os judeus passaram a ser vistos como 'pérfidos' e foram severamente perseguidos. Os muçulmanos eram 'infiéis' e tiveram cruzadas lideradas contra eles por papas. É justo dizer que, durante séculos, a inferioridade dos judeus e dos muçulmanos fez parte do 'magistério infalível ordinário' da Igreja", escreveu.

Se um debate sobre a ordenação de mulheres surgir dentro das estruturas da Igreja, Shea – que propôs que a sua própria província realize uma discussão aberta na sua próxima reunião regional – disse que ele deve começar pela inclusão das mulheres como as principais participantes.

"O que eu gostaria de ver é uma conversa em que as mulheres sejam consideradas como pessoas e que realmente estarão lá e serão ouvidas. Isso seria fantástico", disse.

Fonte: Ihu

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