terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Tráfico Humano -por Dom Orani João Tempesta Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)-

Este trabalho só terá resultados concretos quando o tráfico humano for identificado em todos os seus elementos, assim como os diferentes perfis das pessoas traficadas, suas causas forem identificadas, denunciadas e combatidas, forem implantadas políticas públicas de reinserção familiar e social de pessoas atingidas pelo tráfico e trabalhos preventivos forem realizados.


A Campanha da Fraternidade, que existe há mais de cinquenta anos, é um evento quaresmal realizado pela Igreja no Brasil e quer comprometer os cristãos em particular e a sociedade em geral na busca do bem comum através do espírito comunitário. Isso só é possível quando acontece a educação para a fraternidade, tendo como ponto de partida a justiça e o amor, que são exigências centrais do Evangelho. Com isso, a consciência do cristão é renovada em vista da responsabilidade pela ação evangelizadora da Igreja, pela promoção humana e por uma sociedade justa e solidária.  O tema da Campanha da Fraternidade tematiza o ano todo e serve para aprofundar algumas pastorais afins para que continuem levando adiante os desafios que a CF propõe.

No início de fevereiro, a Arquidiocese do Rio de Janeiro apresentou o tema a todos os agentes de pastoral para que concluíssem as preparações iniciadas em todos os vicariatos já no final do ano passado, e assim, fossem os primeiros animadores da CF durante o tempo da Quaresma, que iniciará daqui a um mês, na Quarta-feira de Cinzas.

É a época que nos apresenta a proposta da conversão, que deve acontecer em três âmbitos: o pessoal, o social e o eclesial. A Campanha da Fraternidade, enquanto evento quaresmal, deve contribuir para que esta proposta seja concretizada. No âmbito pessoal, ela nos leva a tomar consciência a respeito de um grave problema de ordem nacional (e mundial) e a nos posicionar diante dele. Em âmbito social, nos convida à mobilização e a iniciativas em vista da superação do problema. Em âmbito eclesial, nos convida a adequar a nossa ação pastoral em vista das necessidades do rebanho, em especial àquelas que dizem respeito ao tema abordado por ela. Neste ano, o tema é “Fraternidade e Tráfico Humano”.

A liturgia da Quarta-feira de Cinzas nos mostra os três elementos principais que o tempo quaresmal nos propõe para que a conversão aconteça: a oração, o jejum e a esmola. A oração é um grande canal através do qual a graça divina, elemento fundamental para a conversão, chega até nós. O jejum nos une mais de perto ao Cristo sofredor e nos convida a buscar os verdadeiros valores que devem nortear o nosso existir enquanto peregrinos nesta terra rumo ao Reino definitivo. A esmola é o que transforma o jejum em caridade e nos leva a crescer no amor aos mais pobres e necessitados, tendo como mística o próprio Cristo sofredor, presente neles, pois “todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25, 40).

A Campanha da Fraternidade contribui com o espírito de oração quaresmal através dos seus subsídios litúrgicos, celebrativos e para as mais diferentes formas de reuniões do nosso povo. Contribui também com o jejum, pois nos convida a voltarmos o nosso olhar para valores que nos motivam a buscar mais o perene, através de valores que nos levam a contribuir para a superação do sofrimento presente em consequência da absolutização do transitório. Por fim, contribui com a esmola através da realização da Coleta Nacional da Solidariedade, que sempre acontece no Domingo de Ramos e da Paixão, com o objetivo de investir em projetos de solidariedade por todo o nosso país.

Com o objetivo de “identificar as práticas de tráfico humano em suas várias formas e denunciá-lo como violação da dignidade e da liberdade humana, mobilizando cristãos e a sociedade brasileira para erradicar esse mal, com vista ao resgate da vida dos filhos e filhas de Deus”, a Campanha da Fraternidade de 2014 quer envolver todas as pessoas, a Igreja e a sociedade no combate a este crime tão degradante, que está presente no seio da humanidade desde os tempos mais antigos e que nunca foi combatido com a devida seriedade, sendo que, muitas vezes, contou com a anuência e o apoio da sociedade em geral e até mesmo das mais diversas instituições políticas surgidas ao longo da história.

É um tema social que não é apenas para o interior da Igreja, mas também é a Igreja que profetiza sobre o assunto para nossa sociedade. O teólogo J. B. Libânio, SJ, recentemente falecido, em seu artigo na revista “vida pastoral 295” recordou: “assusta-nos até onde chega a perversidade de traficar seres humanos como se fossem coisas”, e ainda: “a CF 2014 escolheu como tema um desses atos perversos que nos envergonham – o tráfico humano –, a fim de despertar e reforçar na consciência dos brasileiros o repúdio por tal prática.”

Este trabalho só terá resultados concretos quando o tráfico humano for identificado em todos os seus elementos, assim como os diferentes perfis das pessoas traficadas, suas causas forem identificadas, denunciadas e combatidas, forem implantadas políticas públicas de reinserção familiar e social de pessoas atingidas pelo tráfico e trabalhos preventivos forem realizados. E nesse sentido aqui tem a grande responsabilidade do Estado em coibir tal iniquidade. Porém, exige de todos nós uma séria conversão para tomar conhecimento e ter atitudes corajosas diante disso tudo. E termos a consciência de que esses fatos não estão longe de nós: cabe a nós abrirmos os olhos e não sermos coniventes.

Sabemos que muitos dos elementos necessários para a superação desta chaga social exigem competência técnica e investimentos pesados, mas, para nós cristãos, o fundamental é a conversão do coração de pedra em coração de carne (cf. Ez 11, 19) para que o amor seja o critério determinante nos relacionamentos humanos, o que só é possível através do trabalho evangelizador que faça com que a Palavra de Deus encontre eco na vida das pessoas.

Jesus, no mistério da sua morte e ressurreição, desceu à mansão dos mortos para que a salvação chegasse até eles. Precisamos descer também à mansão dos mortos da nossa sociedade, os excluídos, os esquecidos, os que não têm mais nenhum significado para a sociedade, os que não têm futuro, os que não têm fé, principalmente os que vivem todas essas situações desumanas como consequência do tráfico de pessoas para que esta Campanha da Fraternidade contribua para que saiam da mansão dos mortos que se encontram. Assim, continuaremos a missão do nosso Mestre, que disse: “Eu vim para que as ovelhas tenham vida e para que a tenham em abundância” (Jo 10, 10).

Fonte: www.dioceseourinhos.wordpress.com

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