segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A luta contra a exploração sexual -Artigo do P. Libanio-


O recentemente falecido P.  Libanio,   sempre demostrou um fazer teológico e pastoral baseado na compaixão e na generosidade, preocupado sempre pelos graves problemas sociais que afligem à humanidade. Em muitas ocasiões se pronunciou contra  a mercantilização dos corpos e o abuso sexual de crianças e adolescentes. Publicamos agora um desses artigos em homenagem ao saudoso professor e teólogo.


Jesus marcava as pessoas por jogo paradoxal de atitudes. Guardava certa imprevisibilidade que, no fundo, remontava ao mistério último da origem divina. Em vários momentos, os discípulos, que conviviam com ele no cotidiano e, de certo modo, se tinham acostumado com ele, foram tomados de surpresa e até de estupor. "Vendo-o caminhar sobre o mar, os discípulos ficaram apavorados" (Mt 14, 26). Ao serenar a tempestade, foram colhidos de pavor e se maravilharam (Lc 8, 25). Ora o sentiam tão perto que o tocavam, o comprimiam no meio da multidão. Ora o viam muito longe, envolto pela aura divina e se afastavam cheios de medo.

Outro paradoxo de Jesus nos surpreende até hoje. Mostra infinita misericórdia e ternura. Os escribas e os fariseus levam até ele uma mulher surpreendida em adultério e esperam dele que cumpra a lei de Moisés de mandar apedrejá-la. E eis que a cena termina com o perdão generoso de Jesus e a retirada envergonhada dos adversários (Jo 8, 3-11). E multiplicam-se as cenas de bondade de Jesus. Por outro lado, tem discursos virulentos contra a hipocrisia dos fariseus. Olha-os irados pela dureza de seus corações.

Esse mesma atitude se repete em relação às crianças. Tudo são surpresas. Na cultura e no tempo de Jesus, as crianças não contavam. Ninguém as respeitava. Enxotavam-nas como bichinhos incômodos. Não se lhes vinha em defesa. E Jesus?


Mais uma vez, o paradoxo. "Pessoas traziam a Jesus as crianças de colo para que ele as tocasse. Os apóstolos as repreendiam. Mas ele chamou para junto de si as criancinhas, dizendo: "Deixai vir a mim as crianças, não as impeçais, pois o Reino de Deus pertence aos que são como elas". Em verdade, eu vos declaro, quem não acolhe o Reino de Deus como uma criança nele não entrará" (Lc 18, 16s). Cena semelhança narra-nos Marcos. Jesus toma uma criança, coloca-a no meio dos discípulos e, de depois de a ter abraçado, disse-lhes: "Quem acolhe em meu nome uma criança como esta acolhe a mim mesmo: e quem me acolhe, não é a mim que acolhe, mas Àquele que me enviou" (Mc 9, 36s).

As duas cenas falam por si só. Jesus quebra a tradição do tempo duplamente. Recebe, abraça as crianças com ternura e não as expulsa, como os discípulos, expressão simples e popular da cultura da época. Vai mais longe. Relaciona-as com o Reino de Deus. Fazer-se como elas é condição de entrada no Reino. Mais: identifica-se com elas de modo que quem cuida delas é dele mesmo e do Pai que o faz. Este é o lado luminoso do ensinamento de Jesus.

O reverso se faz pesado. E quem escandaliza, põe tropeço físico, moral ou espiritual no caminho de uma criança para que caia? O Mestre responde: "é preferível para ele que lhe amarrem ao pescoço uma grande mó e o precipitem no abismo do mar. Desgraçado do mundo que causa tantos escândalos! Decerto, é necessário que haja escândalos, mas ai do homem por quem acontece o escândalo" (Mt 18, 6-7).

Posição cortante. Voltemos o olhar para a situação atual. Avançamos muito. Existe o Estatuto do Menor e do Adolescente que os protege contra as arbitrariedades de adultos e da sociedade. No entanto, a perversidade humana consegue artifícios maldosos. Ora ludibria a lei. Simplesmente a infringe promovendo a prostituição infantil. É o cáften que mantém prostíbulos com menores. Mais perverso ainda quem com elas trafica não só no interior do país e até mesmo para fora. Crime monstruoso que se aninhou no coração de malvados gananciosos.

Muitos menores são introduzidos nesse mundo pelo descuido das famílias que os abandonam ou ficam à espera de algum dinheiro para cobrir-lhes a miséria
Engana-se quem reduz o problema à questão meramente sexualmente. O sexo entra como engodo, como lubrificante de máquina cruel que funciona no sistema e na cultura da exploração, da injustiça social, da má distribuição de rendas. Cansamos de repetir o mesmo discurso. Nem por isso vislumbram-se no horizonte soluções por parte da sociedade e do Estado.

Outros vão mais longe. Aproveitam do Estatuto do Menor para arquitetar as perversidades; põem o menor na linha de frente do crime, escondendo-se por trás. Como ele não pode ser preso, assim os criminosos escapam do peso da lei. Triste paradoxo! Se não se defende o menor, ele é explorado. Se ele é protegido pela lei, outros usam tal proteção para planejar os delitos.

Não basta que nos atiremos ao rio para salvar a quantidade de menores que estão a afogar-se no mundo da prostituição. Enquanto salvamos alguns, outros são aí lançados. Vamos percorrer a margem do rio para descobrir quem são os que os jogam nesse mundo. Primeiro passo fundamental. E impõe-se ainda pergunta ulterior: que os levou a tal crime? Enquanto não tocarmos as causas profundas, as águas barrentas do crime continuarão arrastando para a voragem da prostituição uma infância que não conheceu as alegrias puras do amor, da alegria, dos inocentes brinquedos infantis. São crianças que nascem adultas para dentro de relações sexuais que as corrompem bem cedo.


Fonte: Dom Total

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