quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Ingleses alertam torcedores sobre turismo sexual infantil durante a Copa

É noite de sexta-feira em Fortaleza, e as ruas empoeiradas em torno do novo estádio estão desertas, excetuadas as prostitutas que trabalham na região sul desta cidade no Nordeste brasileiro. Para os trabalhadores de uma organização assistencial que percorrem a área em uma patrulha regular, a visão de uma jovem desconhecida desperta um medo familiar. Vestida com simplicidade, em shorts jeans e com um top azul, a menina parece ter apenas 13 ou 14 anos.


Jo Griffin do "Observer"


"Temos visto mais meninas jovens", diz Jacinta Rodrigues, da Barraca da Amizade, uma ONG que oferece conselhos e assistência aos profissionais do sexo. "Algumas delas já são mães e o fazem para sustentar os filhos".

O furgão da ONG para em uma esquina onde a menina espera com um grupo de travestis - homens ou garotos que adotam identidade feminina. Estamos aqui para conversar com Germana, 24, travesti que será tema de um filme para a TV holandesa. Germana usa um vestido rosa e maquiagem cuidadosa, mas basta um olhar para entender porque ela atraiu especial curiosidade: é completamente cega.

"Vai lá, tem dois deles", diz uma prostituta mais velha à menina, conhecida como "Andressa", que caminha até um carro para negociar um programa com dois homens. Em média, um programa de serviços sexuais custa 30 reais.

Enquanto o Brasil se prepara para sediar a Copa do Mundo, na metade do ano, Fortaleza recebe atenção especial por sua reputação como capital do turismo sexual e da exploração sexual de crianças no Brasil. Com a expectativa de receber cerca de seis mil torcedores estrangeiros, e com brasileiros viajando para assistir aos jogos em todo o país, Rodrigues e seus colegas temem uma alta forte no tráfico sexual de menores.

A violência sexual é o segundo crime mais reportado contra as crianças do Brasil, e a maioria das vítimas tem idade de entre 10 e 14 anos. Fortaleza recebeu mais denúncias do que qualquer outra cidade, por meio de uma linha telefônica especial de denúncia.

Na terça-feira passada, em Londres, a organização assistencial Happy Child, que trabalha principalmente no Brasil, lançou uma campanha chamada "It's a Penalty", com o apoio da Agência Nacional do Crime do Reino Unido e de futebolistas como Frank Lampard e o brasileiro David Luiz. O objetivo é conscientizar o público sobre a exploração sexual de crianças e alertar os torcedores de que pagar por sexo com pessoas menores de 18 anos é crime pelo qual podem enfrentar processo tanto no Reino Unido quanto no Brasil.

Sarah de Carvalho, presidente-executiva da Happy Child, disse que "crianças de 11 a 12 anos de idade já estão sendo traficadas em preparação para a Copa do Mundo".

Em Fortaleza, a capital do Estado do Ceará, as autoridades antecipam que junho, quando a cidade sediará seis partidas da Copa, será um mês difícil. "Planejamos usar a estratégia usada durante a Copa das Confederações, dobrando tanto o número de trabalhadores assistenciais operando nas ruas quanto o número de vagas em abrigos; duas secretarias independentes monitorarão esse trabalho", disse Leana Regia Faiva de Souza, da Secretaria de Direitos Humanos do Ceará.

Souza reconhece que Fortaleza tem uma reputação pela exploração sexual de crianças, mas diz que o grande número de queixas - que subiu de 193 em 2009 a 2.122 em 2012 - reflete seu sucesso em melhorar a conscientização. "Em muitas áreas do Brasil, a população não encara essa situação como crime", diz Souza.

O vínculo entre tráfico sexual e eventos esportivos mundiais foi contestado em um recente relatório intitulado "Qual é o Custo de um Rumor?", pela Aliança Mundial contra o Tráfico de Mulheres, mas especialistas brasileiros concordam em que o perigo para as crianças é real, envolve brasileiros e estrangeiros, e não se restringe ao turismo.

Anna Flora Werneck, da organização assistencial Childhood Brasil, sediada em São Paulo, diz que "os grandes eventos esportivos agravam a vulnerabilidade. Crianças perdem suas moradias devido a projetos de construção; não estão na escola e ninguém cuida delas; pode haver álcool ou drogas; os amigos dizem que sexo com um estrangeiro pode transformar suas vidas".

A organização descobriu casos de exploração sexual pelos operários nos canteiros de obras da Copa do Mundo e da Olimpíada de 2016.

Souza diz que o turismo continua a ser um campo de batalha crucial: medidas de repressão contra o uso de hotéis pelos turistas acompanhados por menores de idade forçaram os exploradores do sexo infantil a usar os motéis brasileiros, que oferecem privacidade para o sexo. Nos bares da praia de Iracema, é comum ver meninas novas com estrangeiros mais velhos.

É difícil ver como isso pode mudar se, como diz Rodrigues, os taxistas, donos de hotéis e até a polícia "pertencem a uma máfia que fornece crianças para sexo com estrangeiros".

Uma operação de repressão pesada pela polícia agrava o perigo para todas as prostitutas e moradores de rua, afirma Rodrigues, que diz que policiais teriam agredido profissionais do sexo para mantê-las afastadas dos turistas durante a Copa das Confederações. Nesse clima, as crianças de rua são especialmente vulneráveis, diz Joe Hewitt, da Street Child World Cup, cuja primeiro torneio - em 2010 na África do Sul - ajudou a restringir as detenções de crianças de rua pela polícia. A organização planeja realizar um segundo torneio em março no Rio.

Nas ruas em torno do estádio de Fortaleza, os trabalhadores assistenciais fazem sua última ronda e um grupo de travestis se aproxima. Diversos planejam ir para São Paulo para receber mais das injeções de silicone que lhes propiciam atributos femininos - a fim de maximizar seu potencial de faturamento durante a Copa do Mundo, Não há sinal de Andressa.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Fonte: www1.folha.uol.com.br

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