terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Argentinas retiram anúncios de prostituição das ruas em protesto contra tráfico de mulheres


Em dezembro de 2012, uma notícia gerou um raro consenso na Argentina. A absolvição de 13 acusados do sequestro de María de los Angeles Verón gerou indignação e protestos em diferentes cidades do país. Susana Trimarco, mãe da jovem, luta há mais de dez anos para esclarecer o paradeiro da filha e virou um símbolo da luta contra o tráfico de mulheres para exploração sexual.


Marita, como era conhecida, tinha 23 anos quando saiu de sua casa, na cidade de San Miguel de Tucumán, em abril de 2002, e nunca mais voltou. Desde então, Susana Trimarco busca sua filha e, no meio do caminho, encontrou centenas de mulheres que haviam sido sequestradas e obrigadas a prostituir-se.

 Mas Marita não apareceu e, ainda que a investigação independente levada por Susana tenha encontrado indícios de que ela havia sido vítima de uma rede de tráfico de mulheres, a justiça tucumana acatou o argumento da defesa e desestimou o depoimento de mais de 130 testemunhas, entre elas mulheres resgatadas de prostíbulos onde haviam estado com Marita.

“O sistema judicial é patriarcal. E em um sistema patriarcal, uma 'puta' não tem credibilidade”, dispara, em entrevista a Opera Mundi, Eliana Etizne, militante feminista e uma das mulheres que se dedicam todos os dias a retirar os anúncios de prostituição dos pontos de ônibus, telefones públicos e postes das principais praças de Buenos Aires.

 A ideia não é nova. Desde 2010, a Campanha Abolicionista “Nem mais uma mulher vítima das redes de prostituição”, que reúne várias organizações feministas, transformou essa pequena ação direta contra o tráfico de mulheres, que já era levada a cabo de forma independente por feministas, em algo que extrapola os limites do ativismo: é possível ver nas ruas da capital argentina pessoas que de repente param para retirar anúncios de prostituição, jogam os papéis no lixo e seguem seu caminho.

“Da mesma forma que colar esses papéis gera um diálogo na rua, retirá-los também. Muitas vezes me vi explicando a pessoas por que fazia isso e terminei convencendo algumas a fazer o mesmo”, conta Eliana.

Prostituição ou tráfico de mulheres?

“Os anúncios de prostituição são um convite a prostíbulos para ver mulheres vítimas de tráfico de pessoas”, denuncia Mimi Sifón, integrante da AMMAR-Capital (Associação de Mulheres Argentina pelos Direitos Humanos), uma dissidência da homônima AMMAR (Associação de Mulheres Meretrizes da Argentina), que se opõe à retirada dos panfletos com oferta de serviços sexuais e está vinculada à CTA (Central de Trabalhadores da Argentina) como sindicato de trabalhadoras sexuais.

 Em julho de 2011, um decreto presidencial proibiu na Argentina a “difusão de mensagens e imagens que estimulem ou fomentem a exploração sexual”, o que terminou com os anúncios de prostituição publicados em jornais e também deveria ter alcance sobre os panfletos que aparecem colados na via pública. Georgina Orellano, da AMMAR, afirma que, com a medida, a publicidade nos jornais não acabou, apenas mudou de lugar e preço. Mulheres que queiram oferecer seus serviços como prostitutas hoje pagam mais que o dobro do preço anterior ao decreto, e publicam em seções de relacionamento ou oferta de massagem.

“Somos mulheres maiores de 18 anos que exercemos essa atividade sem constrangimento, por isso nos reivindicamos trabalhadoras sexuais. Temos um horário, não temos cafetão, nem ninguém que nos pressione a trabalhar. O tráfico de mulheres é completamente diferente. Muitas vezes são jovens menores de idade sequestradas, que entram no circuito contra a sua vontade”, diferencia Georgina. “Uma coisa é exploração sexual, outra é o trabalho sexual.”


 Georgina Orellano, da Associação de Meretrizes, defende regularização do trabalho sexual, com direito a aposentadoria

 Diferente da posição de Georgina, que defende a regularização do trabalho sexual autônomo, com direitos como aposentadoria, plano de saúde e alvará para cooperativas, Adriana García, do Grupo Des-Pegar – Vínculos sem Violência, rejeita a ideia de que a prostituição seja um trabalho. “Consideramos como a violência mais antiga do mundo, não o trabalho. E se não intervirmos de maneira enérgica não apenas vamos perder a batalha contra o tráfico de mulheres, mas também contra a violência.”

Estatísticas pouco confiáveis

 Como ocorre com quase todas as atividades ilegais, o tráfico de mulheres é de difícil monitoramento e há poucas estatísticas confiáveis. A Unidade Fiscal de Assistência em Sequestros Extrosivos e Tráfico de Pessoas, do Ministério Público Fiscal da Argentina, publicou um relatório que aponta para as mulheres como as principais vítimas das redes de prostituição forçada: elas constituem 98% dos casos de sequestro. O levantamento foi realizado com base em notícias de jornais e processos judiciais – e não nas sentenças, que ainda são poucas.

 Segundo o documento, 74% dos casos foram identificados em estabelecimentos públicos, o que indica que a ação judicial se concentra em boates e casas de prostituição. Em muitos dos casos, estes locais contavam com alvará para seu funcionamento e deveriam ser monitoradas por agentes da lei.

 A cumplicidade entre o poder público e a exploração sexual não parece ser nenhum segredo na Argentina. Eliana Etizne conta que uma vez, enquanto retirava papéis no bairro de Once, onde fica uma das estações de trem com maior movimento em Buenos Aires, foi abordada por um rapaz que colava os anúncios. Em meio à discussão, recebeu de um policial uma ameaça de que a levaria presa por perturbação da ordem pública, mesmo depois de ter alegado que colar papéis era o delito, retirá-los não.

Elo mais fraco

“O caso da Marita Verón me faz pensar que todos os anos de militância feminista não foram capazes sequer de impedir que o elo mais fraco da cadeia do tráfico de mulheres, a pessoa que cola os anúncios ou quem serve de isca para as mulheres, seja preso. Como mulher isso gera medo, muitas vezes paralisa, nos faz sentir impotentes”, reflete.

 Para ela, não será possível reverter a situação das mulheres sem uma atenção especial à educação dos homens. “É preciso ensiná-los que não têm o direito de dominar as mulheres e que a sua felicidade não pode ser à custa do nosso sofrimento. A única maneira de mudar o sistema é criar homens novos. E o homem novo não contrata prostitutas.”

Marcela D'Angelo, integrante do seminário Direitos Humanos com Perspectiva de Gênero da Faculdade de Filosofia e Letras da UBA (Universidade de Buenos Aires), concorda que o patriarcado é o responsável pela naturalização do consumo de sexo, tanto para homens como para mulheres. “Somos educadas durante a vida inteira para ser objetos sexuais a serviço dos homens. E eles são educados para consumir mulheres como se fossem objetos, sem nenhum remorso ou responsabilidade.”

Para Marcela, a pequena ação de retirar os anúncios de prostituição não transforma o mundo, mas ajuda. “Não achamos que ao arrancar os papeizinhos vamos terminar com o sistema de prostituição, mas é uma forma de dar visibilidade ao problema, de intervir simbolicamente”, conclui.
Fonte: Opera Mundi

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