sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Natal na Favela



Esqueçam o bom velhinho, que é, aliás, símbolo de Natal criado pela Coca-Cola e que se universalizou, tornando a festa um grandioso evento comercial. Tampouco atentem para o lado religioso da festa, celebração maior do cristianismo mundial, que relembra o nascimento de nosso senhor Jesus Cristo, o que, afinal de contas, deveria ser o maior de todos os motivos de celebração ontem, hoje e sempre...


Pensem no Natal nos morros... Nas favelas e cortiços de diferentes partes do planeta... Lembrem-se das crianças descalças, maltrapilhas, famintas... Para cada uma delas, a história do menino Jesus é apenas um conto, que por vezes é lembrado a partir do relato esporádico de alguém, um missionário qualquer, representante de alguma organização humanística... Papai Noel, por sua vez, é mais do que ficção, para estes infantes trata-se certamente de um estranho completo, com suas vestes vermelhas, barbas brancas, renas voadoras e riso de sonoridade e timbre inigualáveis (por mais que tantos tentem reproduzi-lo).
Para tais crianças, falta um pouco de tudo... A água é escassa, controlada e suja... Por conta de tal falta de higiene, ocasionada pelas fontes infectas do mais precioso líquido da Terra, abundam as doenças e, com elas, as mortes e o crescimento são afetados...
 
Além disto, comida é luxo, custa muito caro e, quando existe, é pouca e incapaz de atender as necessidades nutricionais de qualquer ser humano, ainda mais de crianças em crescimento...
Pensar em ceias fartas, daquelas com peru, farofa, arroz, lentilha, maionese, frutas e sobremesas diversas, tanta comida que as pessoas até se sentem satisfeitas só de olhar, parece até heresia - não é mesmo? - quando sabemos das privações às quais tantas pessoas e, em especial crianças, passam todos os dias, inclusive na noite de Natal...
Para elas, as mesas fartas não passam de ilusão, ou melhor, de ficção, estabelecida a partir de algum instante rápido de suas vidas, nas quais ouviram falar de situações como estas ou, mais raro ainda, quando vislumbraram fotos de mesas tão bem-servidas assim...
Brinquedos então, o que pensar? A infância não lhes pertence, não é parte de suas existências, a estas crianças nada mais é permitido senão a luta diária pela sobrevivência... Esquálidos, vagam em busca de alimento e água, de algum trocado que possa ser utilizado para que atendam suas necessidades fisiológicas mais elementares...
Bolas, bonecas, carrinhos e jogos de tabuleiro constituem vocabulário que desconhecem, senão por completo, pela falta quase que total de contato sensitivo com tais elementos... Quando conseguem brincar, o fazem de forma instintiva, pois se entre eles prevalece a pobreza material, certamente ainda há a esperança, a fé e o sonho de que algum dia as coisas podem melhorar...
Como brincam se não há brinquedos? Simplesmente inventam brincadeiras que lhes permitem fantasiar as situações das quais são alijados durante suas vidas... Qualquer elemento de seu cotidiano ou ainda incomum a seu viver torna-se objeto lúdico que pode lhes propiciar, ainda que brevemente, a superação do pesadelo diário, da miséria que lhes abate a dignidade humana...
Onde estão tais crianças? Como dissemos, em várias partes do mundo e, também, no Brasil... Estão mais próximas do que pensamos... Vendem balas que não podem consumir nos sinais de trânsito das metrópoles, vagam pelo sertão à cata de alimentos ou em busca da água que lhes permita a sobrevida, acomodam-se em casebre de papelão e restos de madeira abrigando-se das intempéries do tempo, vivem marginalizados e nem mesmo são percebidos pelas pessoas que se consideram cidadãos (como eu, você e tantos outros afortunados)...
Para todas elas o Natal é apenas ficção... Não há ceias, árvores coloridas, brinquedos... As famílias, desfeitas por motivos diversos, infortúnios gerados pela pobreza, não se reúnem... Papai Noel é apenas mais um sujeito na rua, disfarçado como tantos outros com as quais encontram, que quer vender alguma coisa... O menino Jesus, como eles, é o que mais lhes aproxima, verdadeiramente, do sentimento natalino propagado pela mídia aos ventos, com o claro intuito de vender mais e mais produtos... Como eles, nasceu em berço que não foi construído para este fim (uma manjedoura), desde sua chegada foi vítima de perseguições, foi (e em muitos casos continua sendo) incompreendido, teve vida modesta apesar de todo o seu decisivo papel para a salvação da humanidade, foi difamado e agredido, preso e julgado de forma inclemente...
Quantas destas crianças que desconhecem o Natal passam, passaram ou ainda passarão por igual martírio?
O que fazer? Abra seu coração, doe seu tempo, dê um brinquedo, alimente alguém que passa por estes infortúnios todos e permita que, assim, o Natal deixe de ser apenas ficção para tais pessoas, em especial às crianças, e que passe a ter para todos (inclusive você) o real sentido que deve ter, apregoado desde sempre pelo menino Jesus ao longo de toda a sua existência, de fé, paz, amor e esperança!

 

Por João Luís de Almeida Machado (Membro da Academia Caçapavense de Letras)
Fonte: adital


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