segunda-feira, 14 de maio de 2012

Adolescentes no submundo da prostituição em Angola


Expostas a vários perigos, as meninas arriscam-se a apanhar doenças sexualmente transmissíveis, para poder ganhar um pouco mais. “Muitas vezes aparecem clientes que pedem para fazer sem camisinha, nestes casos peço mil Kwanzas”, relatou-nos a menina, que diz ter consciência dos riscos que corre.

Já passavam mais de 30 minutos das 21 horas quando chegámos ao Kinaxixi, em direcção a Mutamba. No lado esquerdo foi possível ver mulheres paradas em frente à estrada. À medida que os carros passavam exibiam-se e faziam sinal para que parassem. A maior parte dos condutores passava após um rápido olhar.
Ao chegar a zona da Mutamba mais mulheres, a maior parte delas com roupas curtas e sapatos altos, rondavam a zona. Dentre elas sobressaiam meninas, com rosto infantil, mas que também faziam sinais aos carros que passavam. Parou um carro, um jeep, com vidros fumados. Todas aproximaram-se do veículo, uma das meninas subiu e o carro arrancou rapidamente.
Ao aproximarmo-nos, elas também correram para o carro. Após insistência, uma das meninas aceitou falar connosco, mas foi logo avisando: “tem que ser rápido, porque tenho que trabalhar”. Identificou-se como Antónia, tem 16 anos, e mora nos subúrbios de Luanda. Perdeu os pais e passou a viver com uma tia que, como contou-nos, a maltratava. “Batia-me todos dias, obrigava-me a vender no mercado e nem me dava comida. Não aguentei. Fugi”, lembrou.
Os primeiros dias após a fuga foram passados deambulando pelas ruas, pedindo esmola. Foram tempos difíceis em que chegou a ser violada.
Mais tarde foi abordada por prostituas mais velhas, que lhe falaram do que fazem. “Elas disseram-me que era melhor trabalhar com elas do que ficar na rua, que era um trabalho fácil e que podia ganhar dinheiro. Aceitei porque não tinha mais nada a fazer”, acrescentou Antónia.
 De lá para cá passaram-se dois anos e hoje a menina considera-se “profissional”. “Trabalho com a minha madrinha da rua, ela e os amigos nos protegem e assim podemos trabalhar”, realçou. Diariamente, excepto aos domingos, percorre o centro da cidade em busca de clientes.
“Cobro 500 Kwanzas por vez, mas só pode ser até o cliente se vir, se quiser mais uma vez tem que pagar mais”, detalhou.
Apesar do preço estipulado, nem sempre os clientes pagam. “Na semana passada atendi um tio que parecia fixe (bom), veio num jeep, levou-me para uma pensão no Benfica, fez tudo que queria e depois bateume e deixou-me na rua. Não pagou.

Estes são aos piores dias para mim”, lembrou Antónia.
Expostas a vários perigos, as meninas arriscam-se a apanhar doenças sexualmente transmissíveis, para poder ganhar um pouco mais.
“Muitas vezes aparecem clientes que pedem para fazer sem camisinha, nestes casos peço mil Kwanzas”, relatou-nos a menina, que diz ter consciência dos riscos que corre.
“Tenho que fazer de tudo, porque vivo com a minha madrinha, que faz o mesmo que eu, e todos dias tenho que levar pelo menos dois mil Kwanzas para casa, senão tenho problemas”, respondeu, encolhendo os ombros.
Os seus melhores clientes, como explicou, são os estrangeiros.
“Quando aparecem é um bom dia.
Alguns levam-me para jantar primeiro, depois levam-me para a casa deles ou para o Hotel. Tratam-me bem e pagam até mais do que peço.
Os melhores de todos são os franceses e italianos, porque são muito carinhosos”, contou-nos.
A conversa com Antónia não foi concluída porque foi chamada pelas outras e teve que partir. Instantes depois partiram todas, incluindo dois jovens que protegiam o grupo. A noite só agora tinha começado para elas e precisavam procurar clientes.
Para além das meninas que ficam nas ruas, há as que optam por procurar clientes em restaurantes e bares, particularmente os da Ilha de Luanda. Foi o que verificamos num conhecido restaurante e bar, onde, aos fins-de-semana, elas misturamse entre as clientes. Ao som da música elas agitam-se e fazem sinais as pessoas sentadas, particularmente estrangeiros.
Após a troca de olhares elas aproximam-se, sentam-se a com os clientes e negoceiam o preço.
No quarto de banho do restaurante conversamos com uma delas. Disse Preferiu ser identificada como “Ju”.
Aos 15 anos ela é uma das muitas meninas no mundo da prostituição.
“Como sou alta e forte, muitas pessoas pensam que sou adulta”, disse em meio a uma sonora gargalhada.
Ju tem um alvo específico. “Prefiro clientes estrangeiros, jantam connosco e pagam-nos bem”, explicou, acrescentando que, inclusive, tem já uma rede de contactos. “Muitos têm o meu número, marcam comigo para vir para aqui e depois levamme”, contou-nos, enquanto ajeitava os longos cabelos postiços e a roupa cara que trajava.
Para aquelas que procuram clientes em restaurantes e bares, o “serviço” é bem mais caro. No caso de Ju, ela cobra 4.000 Kwanzas por noite aos que já conhece e para estranhos pode ser mais caro. “Gasto muito com roupas, sapatos e táxi, não sou como as que ficam na rua”, acrescentou.
Com o dinheiro que ganha a adolescente ajuda a mãe, que é viúva e não tem ideia do que a filha faz. “Na minha casa todos pensam que trabalho num restaurante, nem imaginam o que eu faço! o dinheiro que ganho ajuda muito, porque a minha mãe é doente e tenho mais cinco irmãos que dependem de mim e da minha irmã mais velha, que somos as únicas que trabalhamos”, justificou Ju.
Embora quase diariamente saia de casa em busca de clientes, Ju diz-se “cansada desta vida”. O seu sonho é casar-se e viver fora do País. “Quero esquecer tudo o que faço aqui porque sei que não é bom. É um mundo falso”, resumiu.

Uma história de superação
Todas as meninas que estão no submundo da prostituição sonham com uma vida melhor, mas poucas conseguem romper o ciclo de exploração a que estão sujeitas. Mi (é assim que a senhora prefere ser tratada porque receia que a sua família saiba do seu passado), 36 anos, é uma delas. Começou a prostituir-se com dezasseis anos e, durante muito tempo sobreviveu desta prática.
 “Não tive a oportunidade de frequentar a escola, a minha família toda era muito pobre. Não tive escolha. Fiz muita coisa má, até me droguei, tive um filho que nem sei quem é o pai…”, lembrou.
 Só a sete anos rompeu com o ciclo, quando conheceu um homem que decidiu dar-lhe um lar. Casaramse e têm uma filha. “Mi” está agora a estudar e diz que quer concluir a faculdade. O seu segredo, guarda a sete chaves porque teme que a sua verdadeira história possa deitar tudo a perder.

‘Namoro’ com tempo definido

Nuno é português e é alto funcionário de uma empresa de construção civil. Tem família em Portugal que visita de três em três meses. Em Angola tem uma amante, uma jovem universitária que diz ser de uma família estruturada e bem instalada. Ela sabe que ele é casado e que está de passagem por Angola. A relação leva já um ano, sem qualquer compromisso. Nuno prefere pensar, disse a O PAÍS, que está numa troca de serviços. “Ela sai comigo, eu pago tudo. Trago-lhe presentes quando viajo. Tudo tem um preço. Preferimos fingir que estamos convencidos que não se trata de prostituição, mas sei que quando eu me for embora ela quererá ter os mesmos presentes de outro estrangeiro. Já foi assim antes de mim, ela teve um outro “namorado” estrangeiro também casado”. Em público, porque ele é casado, tentam fingir que não existe qualquer relação entre si, mas “basta que as pessoas nos vejam sempre em restaurantes e discotecas, ainda que em grupo, mas é fácil deduzir que as raparigas que andam nos nossos grupos dormem com alguns de nós”.

Abordada à parte, numa conversa quase aos gritos, por causa da música, estávamos numa casa das mais frequentadas da Ilha de Luanda, Nanda, a companheira de Nuno, disse que os presentes eram normais, e que acompanhar um estrangeiro era garantia para entrar em algumas casas para quem gosta da noite. “Sei que ele é casado e que daqui a poucos meses vai embora de vez, mas é a vida, sei que não é uma relação com futuro, mas só quero me divertir”. E perguntamos se sentia no papel de prostituta de luxo (tem carro próprio, por exemplo).
 “Talvez, mas agora não quero pensar nisso”, respondeu.
 Sónia é também portuguesa, trabalha para uma empresa de comunicação em Luanda e diz-se indignada com o comportamento de algumas jovens angolanas, particularmente as da periferia. “Elas apanham operários portugueses já com alguma idade, fazem-lhes coisas que eles nunca sonharam e os pobres dos homens passam a viver com elas, a pagar tudo, o pior é que alguns chegam a ter filhos, na esperança de ficarem por cá, só que há casos de alguns que se vão embora até antes de registarem as crianças”. Sónia vive com um português que também conheceu em Angola. Perguntamos se a sua opinião não teria como base algum ciúme. “Não vê que as estrangeiras cá quase não se envolvem com angolanos? Vivem bem, não precisam de se prostituir” Júlia, 23 anos, moradora no Benfica, vive com um operário português e diz ter menos sorte que as “mulheres” dos amigos dele. “Elas dizem que eles são carinhosos e que não batem, mas eu já me bateram uma vez, mas o que dói é os insultos. Eles têm a boca muito suja e as vezes parece que só estão as nos gozar. Mas os angolanos também gozam, têm muitas mulheres, não respeitam.
 É preciso ter sorte, com angolano ou com estrangeiro”, lamentou, quando a abordamos numa roulote onde esperava pelo “marido” com uma cerveja na mão. E se ele for embora? “Pode ir, não vai me deixar com filho. Mas agora tenho só um homem, não tenho de ter muitos para ter dinheiro”. Júlia foi prostituta por quatro anos, mas não se considera uma profissional.
 “Como sou gostosa e muitos homens me querem, as vezes se não tinha dinheiro, eu perguntava – se vou dormir contigo assim ganho o quê? Então negociávamos. Um dia um tio me deu 20 mil kwanzas para ficar com ele um fim-desemana”.
 
Fonte:www.opais.net

 José Kaliengue e Suzana Mendes

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