Benigna Cardoso da Silva, 13 anos, assassinada a golpes de facão no dia 24 de outubro de 1941, por um adolescente também de 13 anos, Raul Alves, apaixonado por ela e revoltado pela rejeição. Este crime ocorreu no Sítio Oitis, no município de Santana do Cariri, no Ceará. Essa história foi publicada no Caderno Regional do Diário do Nordeste, do dia 9 de outubro do corrente ano. Está em curso um movimento pela beatificação de Benigna, com o apoio da Igreja Católica, diante do surgimento de um novo santuário que atrai desde 2004 romarias para o local em que Benigna viveu e está sepultada. À Benigna são atribuídas inúmeras graças e até milagres que estão sendo documentados por um monsenhor italiano, Vitliano Mattioli, designado pelo Bispo Fernando Panico para relacionar no processo de beatificação.
Segundo a referida reportagem realizada por Elizângela Santos, Benigna nasceu no dia 15 de outubro de 1928, no Sitio Oitis, era uma menina pequena e franzina, que havia ido buscar água na cacimba, no final da tarde quando foi atacada pelo assassino (feminicida). O pote que ela carregava está guardado numa redoma de vidro no Santuário que foi construído em 2005, distante 200 metros do local onde ocorreu o assassinato de Benigna e que acolhe fotografia e ex-votos de seus devotos, levados para testemunhar e agradecer a graça recebida,. Para os moradores locais Benigna é "uma virgem mártir da pureza”, pois "morreu na defesa da castidade, resistindo ao assédio de seu algoz”.
Acontecimentos históricos com intensa carga simbólica para as culturas tornam-se mitos, constituindo-se em narrativas que exprimem um modo próprio de um povo ou uma comunidade contar uma história de si. O milagre por sua vez relaciona-se a um fato extraordinário, incomum, inesperado, sentido que Hannah Arendt também inclui no seu entendimento de milagre histórico atribuindo-o ao fato de o homem agir, significando que é possível esperar o improvável, pois a ação humana é capaz do inesperado, de maneira que o novo sempre surgiria na forma do milagre.
Como milagre religioso, ou como milagre histórico, a história de Benigna está relacionada às condições de vida das mulheres num lugar constituído de uma comunidade rural no nordeste brasileiro, região de uma cultura reconhecidamente machista, em que prevalece a crença de uma superioridade masculina e da naturalidade da submissão das mulheres aos homens. É justamente no núcleo dessa cultura androcêntrica e machista que emerge a humanidade feminina de Benigna, mostrando que a história de uma pessoa imprime questões acerca da representatividade ou legitimidade dos significados da vida de um indivíduo diante de um grupo e do momento histórico ao qual pertence, ou como a história de um pode inserir elementos da história coletiva.
Bendita Benigna, que venha a ser uma santa a expressar, não o sentido da maternidade e do cuidado, ou da devoção a Deus, como as demais santas, mas sim o sentido de defesa de si mesma, como mulher e como cidadã e de como esta sua atitude exprime um modo de vivência religiosa integrada com a vida real.
Maria Dolores de Brito Mota
Socióloga, Profª da UFC, Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero, Idade e Família, NEGIF egrada com a vida real.
Fonte: Adital
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