quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A solução da Suécia para a prostituição: porque é que ninguém tentou isto antes?


Marie De Santis
Woman’s Justice Center

 Num mar de séculos de clichés desesperados porque “sempre haverá prostituição”, o sucesso de um país sobressai como um farol solitário que alumia o caminho. Em apenas cinco anos, a Suécia diminuiu drasticamente o número de mulheres dedicadas à prostituição. Nas ruas da cidade capital, Estocolmo, a quantidade de prostitutas foi reduzida em dois terços e a de clientes em 80 por cento. Em outras grandes cidades suecas, o comércio sexual nas ruas quase desapareceu. E em boa medida também ocorreu isto com os famosos bordéis e salas de massagem que proliferaram no país nas últimas três décadas do século 20, quando a prostituição era legal.

Adicionalmente, é nula a quantidade de mulheres estrangeiras que agora estão a ser traficadas para a Suécia para comércio sexual. O governo sueco estima que nos últimos anos só entre 200 e 400 mulheres e meninas foram traficadas em cada ano para este país, cifras que não são tão significativas em comparação com as 15.000 a 17.000 mulheres traficadas anualmente para a vizinha Finlândia. Nenhum outro país e nenhuma outra experiência social sequer se acerca aos promissores resultados que estão a ser observados na Suécia.

Qual complexa fórmula utilizou a Suécia para conseguir esta proeza?
Surpreendentemente, a sua estratégia não é em absoluto complexa. De facto, os princípios desta parecem tão simples e ancorados com tal firmeza no sentido comum que de imediato nos levam a perguntar: “Porque ninguém tentou isto antes?”

A TRANSCENDENTE LEGISLAÇÃO SUECA DE 1999

Em 1999, depois de anos de investigação e estudos, a Suécia aprovou uma lei que:
a) penaliza a compra de serviços sexuais e b) despenaliza a venda dos ditos serviços. A inovadora lógica por trás desta legislação estipulasse claramente na literatura do governo sobre a lei:

«Na Suécia a prostituição é considerada como um aspecto da violência masculina contra mulheres, raparigas e rapazes. É reconhecida oficialmente como uma forma de exploração de mulheres, raparigas e rapazes, e constitui um problema social significativo... a igualdade de género continuará a ser inatingível enquanto os homens comprem, vendam e explorem mulheres, raparigas e rapazes prostituindo-os».

Além da estratégia legal de duas vias, um terceiro e essencial elemento da lei sueca sobre a prostituição provê que amplos fundos para serviços sociais integrais sejam dirigidos a qualquer prostituta que deseje deixar essa ocupação; também provê fundos adicionais para educar o público. Assim sendo, a estratégia única da Suécia trata a prostituição como uma forma de violência contra as mulheres, na qual se penaliza os homens que as exploram comprando serviços sexuais, se trata as prostitutas, na sua maioria, como vítimas que requerem ajuda e se educa o público para contrariar o histórico envieso masculino que por tanto tempo embruteceu o pensamento a respeito da prostituição. A fim de alicerçar solidamente a sua visão em terreno legal firme, a lei sueca referente à prostituição foi aprovada como parte da legislação geral de 1999 sobre a violência contra as mulheres.

UM PRIMEIRO OBSTÁCULO NO CAMINHO

É interessante observar que, apesar do extenso planejamento que teve lugar na Suécia previamente à aprovação da lei, durante os primeiros dois anos de vigência deste inovador projeto quase não ocorreu nada. A polícia efetuou muito poucas detenções de clientes e a prostituição, que antes tinha sido legalizada no país, continuou quase como se nada fosse. Os pessimistas do mundo reagiram à muito publicitada falha com um estridente lembrete: “Veem? A prostituição sempre existiu e sempre existirá”.

Mas os suecos, muito seguros do pensamento por trás do seu plano, não prestaram atenção às críticas. Rapidamente identificaram o problema e logo o resolveram.
O ponto de falha, onde os melhores esforços se tinham estancado, era que as forças de segurança não estavam a fazer o seu trabalho. Determinou-se que os agentes de polícia precisavam capacitação profunda e orientação no que o público e a legislatura do país já compreendiam perfeitamente. A prostituição é uma forma de violência masculina contra as mulheres. Os exploradores/compradores devem ser castigados e as vítimas/prostitutas precisam receber ajuda. O governo sueco investiu quantiosos fundos, de maneira que polícias e fiscais, desde os mais altos níveis até aos agentes que trabalhavam nas ruas, receberam uma intensa capacitação e a mensagem de que o país falava a sério. Foi então que a Suécia começou a ver resultados sem precedentes.

Hoje em dia não só o povo sueco continua a apoiar firmemente o enfoque do país à prostituição (80 por cento das pessoas o apoiam, segundo as sondagens de opinião), mas também a polícia e os fiscais se encontram agora entre os seus mais fortes apoios. As forças de segurança da Suécia descobriram que a lei sobre prostituição as beneficia no manejo de todos os crimes sexuais, em particular porque as habilita para virtualmente erradicar o elemento do crime organizado, que é uma praga noutros países onde a prostituição foi legalizada ou regulada.

A FALHA DAS ESTRATÉGIAS DE LEGALIZAÇÃO E/OU REGULAÇÃO

A experiência da Suécia é um exemplo único e solitário, numa população de tamanho significativo, de uma política sobre prostituição que funciona. Em 2003, o governo da Escócia, tendo em vista reformar o seu próprio enfoque à prostituição, encarregou à Universidade de Londres a elaboração de uma análise integral de resultados de políticas sobre prostituição noutros países. Além de rever o programa sueco, a equipe de investigação selecionou a Austrália, a Irlanda e os Países Baixos a fim de representar várias estratégias orientadas a legalizar e/ou regular a prostituição. Não reviu a situação naqueles países onde
a prostituição está totalmente penalizada, como é o caso nos Estados Unidos, pois o resultado de dito enfoque é muito conhecido. O mundo já está bem familiarizado com as falhas e a futilidade do mecanismo de prender prostitutas e deixá-las em liberdade para depois voltar a prendê-las.

Tal como o revelou o estudo encarregado à Universidade de Londres, os resultados nos estados sob revisão que tinham legalizado ou regulado a prostituição foram tão desalentadores como a penalização tradicional, ou talvez ainda mais. Em cada caso os resultados eram drasticamente negativos.

Segundo o estudo, a legalização e/ou regulação da prostituição conduziram a:

        um drástico aumento em todas as facetas da indústria do sexo,

        um marcado incremento no envolvimento do crime organizado na indústria do sexo,

        um dramático aumento na prostituição infantil,

        uma explosão na quantidade de mulheres e raparigas estrangeiras traficadas para a região, bem como

        indicações de um incremento na violência contra as mulheres.

No estado de Victoria, Austrália, onde foi criado um sistema de prostíbulos legalizados e regulados, houve tal explosão na quantidade destes que a capacidade do sistema para regulá-los foi de imediato esmagada, e com igual rapidez esses estabelecimentos converteram¬-se num ninho de crime organizado, corrupção e crimes relacionados. Além disso, os inquéritos às prostitutas que trabalham sob sistemas de legalização e regulação revelam que elas mesmas continuam a sentir-se compelidas, forçadas e inseguras neste negócio.

Um inquérito a prostitutas legais sob a política de legalização nos Países Baixos mostra que 79 por cento delas diz querer sair da indústria do sexo. E apesar de cada um dos programas de legalização/regulação terem prometido ajuda para aquelas que desejavam abandonar a prostituição, essa ajuda jamais se concretizou em nenhum grau significativo. Em contraste, o governo sueco cumpriu com prover amplos fundos para serviços sociais destinados a ajudar prostitutas que queriam sair da indústria. O 60 por cento das trabalhadoras  sexuais na Suécia aproveitou os bem financiados programas e teve sucesso em abandonar o comércio sexual.

ENTÃO, PORQUE NINGUÉM TENTOU ISTO ANTES?

Com o sucesso da Suécia alumiando o caminho com tal clareza, porque é que outros países não estão a adoptar rapidamente esse plano? Na realidade, alguns estão a fazê-lo. Tanto a Finlândia como a Noruega estão a ponto de seguir esses passos. E se a Escócia escuta os conselhos do seu próprio estudo, também irá nessa direção. Mas a resposta à pergunta de por que outros países não estão a apressar¬-se a adoptar o plano da Suécia talvez seja a mesma que responderia a porque é que os governos não tentaram antes a solução sueca.

Considerar as prostitutas como vítimas de coerção e violência por parte de homens requer que um governo primeiro passe de ver a prostituição a partir da óptica masculina a vê¬-la a partir dos olhos das mulheres. E os países, na sua maioria se não praticamente todos, continuam a ver a prostituição e qualquer outro assunto a partir de uma óptica predominantemente masculina.

A Suécia, em contraste, foi líder em promover a igualdade das mulheres durante muito tempo. Em 1965, por exemplo, penalizou a violação dentro do casal. Nos Estados Unidos, até à década de 1980 havia estados que ainda não tinham feito esse reconhecimento fundamental do direito das mulheres a controlar o seu próprio corpo. A Suécia também se destaca por ter a mais elevada proporção de mulheres em todos os níveis do governo. Em 1999, quando aprovou a transcendente lei sobre prostituição, o Parlamento sueco estava composto quase em 50 por cento por mulheres.

A política sobre prostituição da Suécia foi originalmente desenhada e instigada pelas organizações de abrigos para mulheres. Depois, as singularmente poderosas e numerosas parlamentares suecas, num esforço bipartidário, promoveram-na e lutaram por ela. E o país não se deteve aí. Em 2002 aprovou legislação adicional que complementava a lei original sobre prostituição. Nesse ano, a Lei de Proibição do Tráfico Humano para o Propósito de Exploração Sexual encheu alguns dos vazios que havia na legislação prévia e fortaleceu ainda mais as faculdades do governo para perseguir a rede que rodeia e apoia a prostituição, como recrutadores, transportadores e anfitriões.

PORQUE NÃO COPIAMOS AQUI O SUCESSO DA SUÉCIA?

Ainda que talvez seja verdade que os Estados Unidos e outros países ainda estão muito mais imersos do que a Suécia na escuridão patriarcal, não há razão pela qual não possam impulsionar agora mudanças de políticas como as que essa nação realizou. A beleza do assunto é que uma vez que se abriu o terreno e a prova do sucesso foi estabelecida, teria de ser muito mais fácil convencer outros a ir por esse mesmo caminho.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ainda não sabemos o bastante sobre a experiência da Suécia, parece-nos um belo modelo ao menos a principio. Por outro lado, sabemos das barbaridades que acontecem na Suécia, como o caso de Julian Assange, criador do site Wikileaks, que está sendo acusado por promotores suecos de "estuprar" duas mulheres, porque pelas leis suecas, transar sem camisinha, prosseguir no intercurso depois do rompimento da camisinha é considerado estupro, apesar de ter sido consentido. Não acho que criminalizar o cliente seja a solução, porque a prostituição em si não é um crime, já que é perfeitamente possível o consentimento e a liberdade sexual.