segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Menos tolerância com a violência domêstica

O brasileiro está menos tolerante com a violência doméstica, qualquer que seja ela. Esta é uma das principais conclusões da pesquisa Percepções Sobre a Violência Contra a Mulher no Brasil, realizada pelo Instituto Avon/Ipsos em todo o País e divulgada na última sexta-feira, dia 5.Uma série de dados levantados pelo estudo demonstra esta mudança cultural. Os indícios são muitos, desde o número de pessoas que afirmaram tomar alguma atitude para ajudar a vítimas de agressões até as novas compreensões do que se caracteriza como atos violentos.



Para começar, a pesquisa revela que a maioria da população já considera a violência psicológica um tipo de violência doméstica e como tal merecedora de punição. Sessenta e dois por cento dos entrevistados reconheceram que humilhações, agressões verbais, xingamentos e gritos entre o casal caracterizam atos de violência e não apenas as agressões físicas.

“Até agora nunca havíamos tido a chance de aprofundar a concepção que as pessoas têm de violência doméstica. Com essa pesquisa, pela primeira vez, detalha-se o que as pessoas acham do tema”, analisa a socióloga Fátima Jordão, conselheira do Instituto Patrícia Galvão para área de pesquisa, em entrevista ao O POVO, por telefone.

“É importantíssimo ver que 62% da população entendes as questões psicológicas como violência doméstica. Esta mudança na percepção sobre a gravidade da violência contra a mulher, que a pesquisa aponta com números tão contundentes, avança na sociedade brasileira”.

Seis em cada dez entrevistados da pesquisa disseram conhecer alguma mulher vítima da violência doméstica (veja gráficos nesta página). De acordo com a socióloga, isso não denota um crescimento no número de casos de agressão, como pode parecer à primeira vista. “Dá a impressão que a tragédia se expande, não é? Mas não é isso. Antigamente as pessoas não falavam sobre violência doméstica. Acreditava-se que era uma coisa que os casais deveriam resolver entre eles, sem ninguém se meter”, explica Fátima. “Hoje isso mudou, sabe-se que é uma questão grave, que não pertence ao plano individual, da intimidade doméstica e sim refere-se à segurança pública”.

A reação da sociedade civil aos casos de violência doméstica e a mobilização em apoio às vítimas aparece na questão “Você tomou alguma atitude para ajudar mulheres vítimas de violência doméstica?”. Mais uma vez, a maioria demonstrou além de solidariedade.

Sessenta e três por cento do total de entrevistados responderam que sim - 51% dos homens e 72% das mulheres. Trinta e sete por cento afirmaram ter ajudado conversando com as vítimas, enquanto 26% o fizeram indicando auxílio jurídica/policial/serviço.

No entanto, o percentual que mais chama atenção nesta pergunta é o dos que responderam que não tomaram nenhuma atitude porque “não se deve interferir nessas situações”: 19% ao todo, menos do que o esperado, sendo que 28% dos homens e 13% das mulheres.
Razões
Outro aspecto novo desvendado pela pesquisa foi o que leva uma mulher vítima de violência doméstica a permanecer nesse tipo de relacionamento. A razão mais votada - tanto por homens quanto mulheres - foi “Falta de condições econômicas para viver sem o companheiro”, com 27% das escolhas. Em segundo lugar vem “Preocupação com a criação dos filhos”, que recebeu 20% dos votos.
Coincidentemente, foram estes os dois motivos apontados ao O POVO por Maria, cearense vítima de violência doméstica, para permanecer por 20 anos em um casamento abusivo (leia entrevista nesta página).

Voltando ao ranking das razões para tolerar a violência doméstica, em terceiro lugar está “Medo de ser morta caso rompa a relação” (15%), seguido por “Falta de autoestima” (12%), “Vergonha de admitir que apanha” (11%), “Dependência afetiva (6%)”, “Vergonha de separar” (5%), “Acha que tem a obrigação de manter o casamento” (4%) e “Nenhuma dessas” (1%).

A pesquisa Percepções Sobre a Violência Contra a Mulher no Brasil também recorreu a um método inédito para obter respostas mais fidedignas em tópicos mais polêmicos. No capítulo relativo a Violência, em vez de responder diretamente a um entrevistador, os entrevistados preencheram um questionário em sigilo (sem indicação de dados pessoais), e o colocaram em um envelope.

O resultado trouxe surpresas. Quinze por cento dos homens admitiram cometer agressões graves contra suas companheiras (34% delas agressões físicas). Já entre as mulheres, 15% apontaram “ser forçadas a fazer sexo” como uma das agressões sofridas. Ou seja, mais um sinal claro da mudança de percepção em relação à violência doméstica, uma vez que até bem pouco tempo para o senso comum manter relações sexuais era considerado uma das “obrigações do matrimônio”.
Maria da Penha
De acordo com especialistas ouvidos pelos organizadores da pesquisa, grande parte dessa guinada deve-se à Lei Maria da Penha, que completa hoje cinco anos (94% dos entrevistados afirmaram conhecer a lei).
“A Lei Maria da Penha tem uma intervenção muito importante, não só como instrumento de coibir a violência mas sobretudo no sentido de difundir que essa é uma questão de interesse público”, esmiuça Fátima Jordão. “Outro aspecto fundamental que a pesquisa sinaliza é que as políticas públicas para o combate à miséria vão afetar, e já estão afetando, a questão da violência doméstica”.
ENTENDA A NOTÍCIA
A pesquisa ouviu 1.800 pessoas, das cinco regiões do País, homens e mulheres, de todas as classes sociais e com idade acima de 16 anos. No Ceará, foram entrevistados moradores das cidades de Aracati e Fortaleza.
BATE-PRONTO
O nome é fictício, como é fácil de imaginar por qual razão. Mas a história de Maria é verdadeira, por mais triste que pareça. Mãe de uma moça de 25 anos e de um garoto de 12, ela passou 21 anos casada com um homem que a agredia sistematicamente. Há dois anos criou coragem e o denunciou à Polícia. Agora briga na Justiça pela guarda do filho caçula. Ao O POVO, Maria conta do calvário em vida pelo qual passou. “Ele batia em mim como se bate em preso”.
OPOVO - Quando foi que seu marido começou a lhe agredir?
Maria - Desde que me casei só tive vida boa durante um ano, depois virou o inferno.
OP - Por que a senhora passou mais de 20 anos sendo agredida e não se separou dele?
Maria -Quando ele começou a me agredir eu já estava grávida, e com filhos as coisas são bem mais diferentes. Nessa época, também, não tinha a (Lei) Maria da Penha, e eu não tinha dinheiro, não tinha condições. Fazer o quê? Aguentar. Se tivesse a estrutura de apoio que as mulheres têm hoje teria sido diferente comigo.
OP - Que tipo de agressão a senhora sofria?
Maria -Todo tipo. Agressão física, verbal, insultos, xingamentos... Ele me intimidava com o corpo, partia para cima de mim como quem ia me acabar e parava em cima da hora. Também me ameaçava com arma dele... Ele é policial federal, vivia apontando a arma para a minha testa. No começo parecia ser uma pessoa bem calma, até apresentar o lado real dele.
OP - A senhora sofria algum outro tipo de agressão?
Maria - Ele trancava meus livros no porta-malas do carro para eu não estudar, por causa disso tive que largar a faculdade. Me forçava a ter relações sexuais com ele. À noite, ficava me esculhambando para eu não conseguir dormir, dizendo que eu era uma mulher de muitos homens.
OP - As agressões eram motivadas por alguma situação específica? Crises de ciúmes, consumo de álcool?
Maria -Não, eram por motivos banais mesmo. Ele não consome álcool, não consome droga (pausa)... Quando minha filha fez nove anos de idade e começou a tomar consciência do que acontecia vinha ao meu socorro, corria para me abraçar. Ele não queria saber, terminava batendo nela também, apanhavam as duas. Era murro, chute, tapas, essas coisas. Ele batia em mim como se bate em preso.
OP - Como a senhora criou coragem para denunciá-lo?
Maria - A gente morava no interior da Paraíba, numa cidade pequena. Lá, eu não sabia de nada de lei, isso não é conhecido do povo de lá. Quando a gente veio morar em Fortaleza, para ficar perto da nossa família, a situação piorou muito. Um dia, ele me espancou e eu procurei a Delegacia da Mulher para fazer um BO (Boletim de Ocorrência) . Lá me disseram da (Lei) Maria da Penha e dos órgãos de apoio. Era o que eu precisava.
Maria, 55 anos, dona de casa.

Fonte: O Povo Online

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