terça-feira, 9 de agosto de 2011

PALAVRA DE MULHER - Para entender meu pai (tudo sobre minha mãe)

V.L. (6 anos na zona de prostituição da Guaicurus)



Conversando com o Pai Celestial: amoroso e solução para todos os problemas. Pai que gostaria de ter tido na terra.

O senhor garanhão da década de 60 que andava fazendo promessas para as prostitutas da Guaicurus era meu pai  Enquanto ele desfilava com seu chaveiro falso de apartamento e carro, procurando uma pretendente; elas já pensavam quanto podiam tirar daquele jeca despistador.  Fui descobrir seu ambiente preferido aos 22 anos quando, desequilibrada, perdi mais um emprego. Descobri que não se passa fome nas boates, que bebida nunca falta e que nunca se está só.  E, assim como meu pai, tinha agora amigos ao meu redor ate clarear o dia...


  Minha mãe, Deus, o Senhor sabe, casou no civil, e mesmo não tendo tido condições de ter casado na igreja acreditava ser pecado separar-se. E o sexo quando faziam do outro lado da parede de dois cômodos, ouvíamos.

O que podia haver no nosso café da manhã, almoço e janta era o que mamãe tirava das sobras; visto que nosso pai não deixava sobrar nada de seu gordo salário na mineradora cujo cargo enchia-lhe o peito. Era o único branco da peãozada. Nossos vizinhos nunca souberam o que se passava já que minha mãe não era de se comunicar.

Custa caro ser honesto; e minha mãe é até a velhice. Ensinou-nos o que papai nunca teve tempo. Ela conseguiu construir sua mansão com salário mínimo, cumprindo toda responsabilidade de educadora conosco; mesmo cada um de nós dando-lhe trabalho.

Nós, irmãs, nos casamos muito cedo para fugir da penúria. Minha irmã mais velha casou-se com o primeiro que lhe ofereceu uma vida melhor; mesmo bebedor, era bom para ela. A caçula, logo em seguida, com seu amigo de infância. A do meio, mesmo sendo carreirista resolveu casar-se, logo separando. Eu sempre quis só trabalhar e levar progresso àquela casa; mas, engravidada, quando saí de casa em busca de melhor salário, amasiei.

Foi assim com meu irmão mais velho: durante o processo de separação, passou a beber, durando até hoje. Ele sempre fora destratado por nosso pai devido aos seus traços indígenas que é da família materna. Outro irmão homem ficou perturbado quando só tinha  um mês de vida. Cresceu tentando achar carinho na nossa mãe que agora trabalhava de manhã à noite (coisa que papai nunca deixara). Não achou figura paterna em lugar algum e escolheu amigos errados.

 Na nossa casa jamais pode ter rádio ou tevê devido à religiosidade de mamãe. Nem os vinis do Roberto Leal, Wanderley Cardoso, Sérgio Reis ficaram! Nisso ele obedecia porque sabia onde podia ouvir o que bem quisesse. Linguiça conhecemos depois. Porque de carne era só a galinha de domingo do papai, encomendada. Sabão, idem só quando mamãe pegou o trabalho de lavação de roupas o que lhe abriu caminho a empregos para ela e nós, mulheres da casa. Antes lavávamos com sabão de cachorro, inclusive o corpo e os cabelos.

Papai, meu Deus, só andava perfumado; nos panos. Sempre no estilo “Erasmo Carlos”, com medalhão e carteirona debaixo do bração cabeludo, coberto numa camisa italiana. Difícil de esquecer a imagem dele subindo o morro do bairro que melhorara, havendo, então, asfalto para ele passear com os amigos.           

O garanhão havia levado até mulheres para a cama dos dois: vizinha da frente, vizinha de trás, dos lados, parentes da família; garotas de outros bairros; moças casadas ou solteiras; promíscuas ou apaixonadas.  As mulheres o tinham como um gentil e generoso quarentão. E isso fazia com que elas desprezassem a figura de esposa, de mãe aparecendo na nossa porta trazendo presentinhos. Mas, quanto mais elas agradavam-no, mais ele perdia o interesse.

Não se sabe como foi que ele se enrabichou logo por uma das garotas da Guaicurus e se transformou em seu marido. Quando fui visitá-los, vi muito capricho na casa alugada deles; um chão encerado, extremamente reluzente dando para se ver como num espelho; mesa bonita e alegre posta com lanches. Do outro lado da sala um rádio moderno.

A casa acomodava quatro cômodos e um banheiro muito arrumado. À noite não deu para ouvir nada deles. Tiveram dois filhos; todos branquinhos como ele queria; todos revoltados com o que ele dizia. Não lhes faltava nada; foi com eles que experimentei o primeiro chocolate. Nós brincávamos inocentes: eu adolescente, ela uma menina linda e o bebê fofinho.   

Homem para amar,  Meu Pai, procurei nos carinhos e carícias erradas. Ouvia suas histórias que falavam de seus filhos; percebia quanto falhavam como o meu. Suas vidas fizeram-me superar as minhas. Amor de pai e filho não correspondidos.

Os homens também nos usam para desabafar tristeza da distância dos filhos. Mas se recuperam bem mais rápido; e se interessando por alguma de nós se ausentam de casa sem nenhum pudor. Havia os que passeavam na zona até ficar mais tarde por não gostar de chegar em casa cedo e ver a família que adquiriram. Alguns ficavam conosco no quarto, durante todo este tempo, preferindo nossa companhia. Também tem quem queira nosso carinho de mãe, no quarto.

Vai entender seus filhos, meu Deus!!!

Quantas mães solteiras e quantas mães/pais respondendo sozinhas pela figura paterna ausente. Mas sempre as abençoadas avós, ó Deus, que na nossa ausência e falha refugia nossos filhos nas suas asas.   Contando mais uma vez com o amor e compreensão de nossas mães recuperamos o ânimo, a fé e a esperança. 
        
Dedicado à minha mãe,        A verdadeira guerreira!

                  

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