Tudo começa com uma mensagem de
flirt, que puxa outra mais explícita, que faz nascer uma foto mais ousada e,
quando se dá pela coisa, já circulam imagens de corpos nus e vídeos de sexo
caseiro sem que um dos interlocutores saiba. Normalmente, é a mulher o
interlocutor que desconhece que a sua intimidade não é assim tão íntima.
Chama-se a isto revenge porn, ou pornografia de vingança, numa tradução livre.
E acontece quando um dos membros que antes se deleitava com este jogo erótico
se cansa das regras e as altera sem avisar. As imagens são rapidamente
distribuídas online, postadas em fóruns e outros buracos da internet para
gáudio de quem vê e comenta e, sobretudo, da mão que carregou no play.
Isto é tão cruel e básico que,
dir-se-ia, ser um fenômeno de nicho juvenil, menos avisado nestas coisas da
decência. Mas não. São cada vez mais os casos de suicídio de mulheres, na
maioria dos casos, adolescentes, que não aguentam a vergonha e a humilhação de
se verem expostas. Porque não é só o seu corpo que fica à vista de todos, de
todo o mundo, é também a sua identidade: não contentes com este tipo de
vingança, os distribuidores destas imagens fazem questão que se saiba quem são
estas mulheres, apresentando o seu nome e demais indicações. O que significa
que, de cada vez que alguém googlar o nome de uma destas mulheres, o que
aparece são as imagens e os vídeos que outrora enviaram numa base de confiança.
E essa busca tanto pode ser feita por amigos e família como por possíveis
empregadores. Só por aqui se entende o tamanho do estrago que a revenge porn
potencialmente gera.
Com os smartphones (e as suas
câmaras…) cada vez impregnados no meio de todos nós, a juntar ao à vontade com
que partilhamos a vida online, esta vingança está a tomar proporções difíceis
de gerir e, para já, impossíveis de curar. Por isso, importa perceber o que
fazer para que a aquilo que é nosso – a nossa vida sexual, as nossas
experiências – não acabem nos fundilhos, não apenas da internet mas no negrume
da existência humana.
Confiar que não devemos confiar:
naturalmente, isto não é fácil. Porque a natureza do próprio envolvimento
sexual, mais ou menos profundo, pressupõe um mínimo de confiança. Se não acharmos
que vamos ficar seguras com aquela pessoa, não estamos com ela. A ideia aqui é
confiar, desconfiando. Ou seja, pelo sim, pelo não, mais vale não mandar fotos
a pessoas cujo caráter conhecemos mal. Já bastam os parceiros de anos que, por
vingança, se decidem por essa janela para o mundo. E aí, só a Justiça tem
lugar.
Apresentar queixa: nestas
questões de cariz sexual (ou de violência sexual) as queixas formais não têm
correspondência com o número de factos ocorridos. Entre a vergonha e o achar-se
que a denúncia não vai ter um efeito, há muitos casos que ficam pelo caminho.
Mas em julho deste ano, o Tribunal de Setúbal vem dar razão a quem avança, ao
condenar um homem de 38 anos a pena de prisão efetiva por ter colocado online 2
vídeos que fez com a sua namorada, com o intuito de a prejudicar.
Não há uma receita que faça com
que a revenge porn tenha um fim. A maldade, não tendo um racional, também não
tem uma cura. A única forma de as mulheres se precaverem é usando do bom senso
e recorrendo à Justiça, quando o pior acontece. E tem acontecido tantas vezes
que a APAV (Associação de Apoio à Vítima) criou o programa PROTEUS, justamente
para dar apoio a vítimas deste tipo de crime. É dos mais insidiosos, dos que
mais corroem a autoestima e a paz de quem vê a sua intimidade espalhada por
milhares de sites e um crime que ataca a liberdade de relacionamento com os
outros.
Fonte: (Sílvia Baptista) Revista
Donna
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