quarta-feira, 27 de maio de 2015

Por que as babás não merecem a sua atenção -- nem da imprensa inteira?

O que chamou a atenção de muita gente nas redes sociais nesta segunda-feira (25) foi a diferença abissal no tratamento das personagens da notícia.


Notoriedade é um dos valores-notícia mais presentes no jornalismo nosso de cada dia. Isso significa que, desde sempre, um acidente fatal ganha outro status se tem um famoso no meio -- como vítima ou responsável.

O que reverberou as últimas 40 horas foi um quase acidente. Envolvendo famosos. É evidente que os fãs de Angélica e Luciano Huck têm o direito de saber o que se passa com seus ídolos após um susto como o pouso forçado do avião deles.

À imprensa, cabe noticiar. Detalhar causas do incidente, passo a passo do resgate, estado de saúde de todos.

O que chamou a atenção de muita gente nas redes sociais nesta segunda-feira (25) foi a diferença abissal no tratamento das personagens da notícia.

Se as celebridades eram o chamariz do fato, os filhos do casal de apresentadores também estavam no primeiro plano. Falava-se o tempo todo sobre Benício, Joaquim e Eva.

Os tripulantes também ficaram sob os hofolotes: Osmar Frattini e José Flávio de Souza, piloto e copiloto respectivamente. Na televisão, Osmar tornou-se herói por ter evitado uma tragédia.

Mas e as duas assistentes da família? O que aconteceu com elas? Que informações eram dadas sobre o comportamento delas no voo, enquanto Angélica gritava? Quais foram suas reações? E como está a saúde das duas?

Este recorte do jornal mostra o grau de importância dado às duas babás, que também seriam vítimas desse quase acidente:




As babás não têm nome.

Sem identidade, não têm voz.

Quantas declarações feitas por ela foram escritas e lidas até aqui?

Na entrevista exclusiva dada por Angélica e Huck ao Jornal Nacional, ficou claro o papel que cabia a elas nessa narrativa.

Apesar de lado a lado dos protagonistas, as duas foram figurantes na cobertura da imprensa mainstream e até mesmo nas declarações dos ídolos de TV.

"A Eva chorava muito; a gente achou que ela tinha se machucado por dentro. Ela estava com uma marca na lateral, mas foi a babá quem apertou muito ela", disse Huck, em uma das duas únicas referências dele às suas funcionárias. Na outra, apenas explicou onde elas estavam no avião.

Quase no fim da edição do Jornal Nacional desta segunda, a âncora do JN Renata Vasconcellos questionou o repórter José Roberto Burnier sobre a saúde das babás.

E foi então que elas foram apresentadas em rede nacional. Ao menos, os nomes.

Marciléia Eunice Garcia e Francisca Clarice Canelo Mesquita. Nesse momento, deixavam de ser elenco de apoio para figurar como protagonistas da notícia. Como os patrões e seus filhos. Enfim.

Possivelmente, a ênfase no nome delas, quase na hora de o telejornal acabar, foi reflexo do incômodo nas redes com a visibilidade tão baixa dada a elas nesse caso (afinal, o editor-chefe, William Bonner, não perde tweets e posts).

Muita gente chegou a argumentar que não se podem revelar os nomes por supostos contratos de confidencialidade entre Angélica e suas funcionárias.

Se essa era a justificativa para as babás serem apresentadas como categoria de pessoas tipo B, isso deveria estar em cada uma das matérias publicadas sem os nomes. Do contrário, não conheço qualquer manual de redação que proíba a publicação dos nomes de pessoas envolvidas em acidentes.

Mesmo que Marciléia e Francisca não sejam notórias como aqueles que pagam seu salário, as vidas delas também estiveram sob ameaça. E os sentimentos delas, as atitudes, os pensamentos também deveriam (e ainda podem) ser material jornalístico.

Que bom que essa história teve um final feliz. E que todos -- Marciléia, Francisca, Huck, Angélica, Osmar, José Flávio, Benício, Joaquim e Eva -- todos estão bem.


Fonte: Brasil Post

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