sexta-feira, 2 de maio de 2014

'Beleza interior' ou beleza sem defeitos: qual imagem da mulher você quer ver?

"Em uma sociedade repleta de casos de violência contra a mulher, o padrão na publicidade ainda é o de fragilizar o corpo feminino, usar esse corpo excessivamente e impor limites estéticos”.

Anitta: aos 20 anos, mudança radical por meio de cirurgias. Brasil ocupa segundo lugar no ranking de operações plásticas, atrás apenas dos EUA

A indústria da beleza e da moda parece tentar se redimir das acusações de influenciar meninas e mulheres a ficarem insatisfeitas com seu corpo. Exemplos que parecem inovadores discutem a imagem feminina na publicidade, mas estão sob suspeita: seria só uma tendência de marketing passageira ou uma mudança real? Para entrar nesta discussão, projeto fotográfico mineiro mostra o corpo feminino desmistificado, confira

Anitta: aos 20 anos, mudança radical por meio de cirurgias. Brasil ocupa segundo lugar no ranking de operações plásticas, atrás apenas dos EUA
Rede de lojas norte-americana propõe fuga dos padrões estéticos em suas vitrines e campanhas publicitárias. Na Ásia, vídeo de lingerie ressalta beleza da mulher desvinculada de seus atributos físicos. No Brasil, comercial de pomada abre caminho para retratar novos arranjos familiares. Será que a imagem feminina na publicidade está realmente mudando? No encerramento do chamado "mês da mulher", ouvimos comunicólogos no Brasil e na França para saber se há ventos promissores de mudança ou se temos apenas 'brisas' de empresas que desejam atender a demandas de grandes grupos sociais.


A quantidade de exemplos que tentam fugir ao padrão - tanto na propaganda quanto em filmes, fotografias e projetos artísticos - encontrados na pesquisa para produção desta reportagem chega a ser surpreendente. Vamos começar com um dos vídeos da campanha mais recente da empresa Wacoal, cujo slogan atual é: 'Toda mulher foi criada para ser linda. Linda por dentro'. O vídeo tem legendas em português:




A empresa tem origem japonesa, mas controla filiais em vários países. A unidade tailandesa produziu três curtas em que tenta explicitar o significado de beleza sem se apoiar em padrões estéticos. E ainda aponta o machismo em sociedades tradicionais (neste caso, o preconceito contra uma mãe solteira), sem desconectar-se da marca, que vende roupas íntimas. Logo, há um jogo de palavras com o conceito de 'beleza interior'.

Em contraste com a ideia expressa no vídeo, o Brasil consagrou-se nos últimos anos como o campeão das cirurgias estéticas, atrás apenas dos Estados Unidos. Entre 2009 e 2012, o número de cirurgias no país cresceu 120%. E o número de intervenções em adolescentes entre 14 e 18 anos aumentou 141% de 2008 a 20012, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).

Alguns especialistas atribuem esse quadro à influência dos padrões inalcançáveis propagados pela publicidade e também pela indústria do entretenimento. Um dos exemplos apontados por essa corrente de pensamento é a cantora Anitta, de 20 anos, que nesta semana foi notícia pela série de plásticas a que se submeteu no rosto e no corpo. Há dois anos, ela já havia passado pelas primeiras intervenções cirúrgicas e, apesar do sucesso na carreira musical, não estava satisfeita. “Agora não tenho defeitos”, disse em entrevista ao programa Fantástico.

A pesquisa ‘Representações das mulheres nas propagandas na TV’, realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, em maio de 2013, apontou que 56% dos entrevistados, homens e mulheres, consideram que as propagandas na TV não mostram as brasileiras reais. A invisibilidade da mulher negra também foi destacada - 80% dos entrevistados consideram que as propagandas televisivas mostram mais mulheres brancas, enquanto 51% gostariam de ver mais negras nos comerciais. A maioria também gostaria de ver mais mulheres com cabelos crespos/cacheados na publicidade, mas 83% consideram que veem mais modelos com cabelos lisos.


Criticado, portanto, por pesquisas, ativistas e pessoas comuns, o mercado da moda e da beleza tenta se redimir. Este filme, feito pela Dove (marca de higiene pessoal da Unilever que, mesmo sob acusações de hipocrisia, se esforça nas ‘campanhas pela real beleza’), aponta como a indústria doutrina as crianças, desde bem pequenas. Com imagens muito fortes, o vídeo termina com a frase: “fale com sua filha antes que a indústria da beleza o faça”. As legendas não são necessárias, confira:
Confira agora um vídeo que resume o ano de 2013 considerando a forma como as mulheres são exploradas comercialmente na grande mídia. As imagens indicam que a visão sexista e excludente em relação à beleza ainda está longe de ser superada. Embora o filme mostre também os motivos de comemoração - a Revista Time trouxe, na capa, Malala Yousafzai, a adolescente paquistanesa, hoje com 16 anos, baleada na cabeça em 2012 por lutar pelo direito feminino à educação em seu país – a peça destaca os estereótipos negativos:


Sobre a pergunta inicial desta reportagem – ou seja, se as iniciativas de mudança da imagem da mulher são estratégias passageiras ou vieram para ficar - Carlos Camargo de Mendonça, professor do Curso de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pós-Doutor em Comunicação pela Universidad Complutense de Madrid, explica que a publicidade é, na verdade, conservadora. Não é ela que promove a revolução. “Quem coloca dinheiro na campanha quer retorno. Então a aposta é, geralmente, nas tendências e comportamentos mais consolidados. Se algo novo chega à propaganda, ou mesmo a uma novela, por exemplo, é porque já percorreu um longo caminho na sociedade. Quando uma campanha publicitária ou estratégia de marketing surge com algo muito novo, é porque existe um ‘caldo cultural’ que permite isso”, resume, acrescentando que a vanguarda em publicidade costuma limitar-se a questões estéticas e de linguagem.

No Brasil, pelo menos, um dos fatores que pode estar contribuindo para mudanças nos meios de comunicação é a emergência de novos mercados consumidores. Grupos excluídos de grande parte do consumo agora têm poder de compra e exigem uma interação maior com a marca, com as lojas. “Se anteriormente muitas campanhas tratavam o cliente como único, homogêneo, hoje a lógica deve contemplar múltiplos perfis. E aqui entram também as questões de gênero, que remetem a um grupo – o das mulheres – mas significam a inclusão de vários outros”, detalha Mendonça.

Por mais que a imagem de uma mulher forte apareça, ainda assim a ideia de ‘ter um companheiro’ frequentemente surge como uma conquista feminina importante. “Em uma sociedade repleta de casos de violência contra a mulher, o padrão na publicidade ainda é o de fragilizar o corpo feminino, usar esse corpo excessivamente e impor limites estéticos”, critica o professor. “Só que, se você parar para pensar, ninguém é feio. Padrão, cada um cria o seu”, completa.


Campanha de cervejaria com a socialite norte-americana Paris Hilton foi banida das telas brasileiras após denúncia contra a objetificação da mulher

O professor conta que o corpo masculino só começou a ganhar algum destaque na propaganda nos anos 70, com imagens de homens mais jovens e ‘belos’; e não apenas no papel de pais. Parte das feministas, na época, encarou a mudança como “finalmente o corpo do homem também está sendo explorado comercialmente”. No entanto, a exploração da imagem feminina cresceu ainda mais.

A forma como a mulher é representada está intimamente ligada a uma sociedade que também não aceita a igualdade em outros campos. Daí a dificuldade da publicidade brasileira em se comunicar com o público homossexual, por exemplo. Os exemplos das empresas que tentam avançar nesse sentido se contam nos dedos. A pomada Nebacetin fez, em 2008, uma campanha com o conceito – as famílias mudam, o cuidado não – e incluiu um casal homossexual no comercial de televisão.

A Unimed de Santa Catarina também incluiu um casal gay em seus anúncios de planos familiares. Em São Paulo, a construtora Tecnisa fez peças publicitárias específicas, porque constatou uma fatia de 30% em seus mercado potencial formada por homossexuais, que não só compravam os apartamentos, mas investiam até 80% do valor total do imóvel em decoração e valorização. “Ainda na época do governo FHC, houve uma campanha emblemática pelo uso da camisinha que incluía os homossexuais jovens. O comercial recebeu duas denúncias junto ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária  (Conar) e foi o que bastou para a campanha ser retirada do ar. A campanha de prevenção teve sua dimensão social reduzida por causa disso”, lembra Mendonça.

Se a sociedade, seja francesa ou brasileira, ainda prefere o conservadorismo, há que se lembrar que existe um duplo sentido – a mídia e a publicidade impõem padrões, mas também são obrigadas a mudar esses padrões quando a sociedade demanda. “Mas o objetivo final continua sendo o consumo,o objeto do desejo, ou seja, aquilo que deve ser uma projeção, um ideal, algo inatingível, pois logo que se tem um produto, já se pretende ter outra coisa. E assim por diante. A publicidade está imersa nessa lógica do consumo. Acho difícil que ela se conforme com coisas "reais", construtivas, emancipadoras, pois vai sempre tentar vender o ideal e buscar uma relação de ‘dependência’ dos consumidores”, avalia.

Enquanto isso, a luta por mudanças não segue apenas para que as mulheres sejam livres e não tenham que seguir padrões estéticos dominantes – que fazem até mal à saúde e trazem sofrimento emocional -, mas principalmente para que as mulheres tenham mais espaços no mundo do trabalho e do poder, pertencendo a diversos padrões físicos e origens étnicas.

No filme abaixo, 'Maioria Oprimida', a francesa  Eleonore Pourriat  propõe um retrato de como seria uma sociedade em que os papéis mais simples do cotidiano são invertidos – os homens sofrem, nas imagens, os mesmos constrangimentos diários que uma mulher. “Eu queria ser tão realista quanto assustadora”, disse a diretora. A versão original teve mais de oito milhões de visualizações. Veja, com legendas em português.

 Assim como esse vídeo, exemplos de iniciativas individuais que contestam os padrões de beleza e comportamento feminino têm se multiplicado. Aqui no Brasil, selecionamos o projeto Espelho de Vênus, da professora de moda mineira Bárbara Lage, que propõe mostrar, através da fotografia, a Universidade dos corpos femininos e a beleza que existe nisso, desmistificando os ideais produzidos por revistas, comerciais e pela sociedade.

Fonte: www.sites.uai.com.br

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