terça-feira, 15 de abril de 2014

“Exploração sexual deve aumentar com a Copa do Mundo”

Especialista relaciona cultura do país com violação de direitos de crianças e adolescentes

Os dados são chocantes: o Brasil é o 10º país no fornecimento de pessoas para o tráfico humano. 90% de quem responde por abuso sexual são conhecidos das vítimas. Em primeiro lugar na lista dos abusadores, está o pai. Também é a família quem mais incentiva o trabalho infantil, pois pode ter um retorno financeiro com a exploração ilegal.

Apesar da boa notícia da redução das taxas de trabalho infantil no Brasil, a integrante da coordenação colegiada do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no Território Brasileiro (PAIR), no qual atua desde o começo, Beth Campos chama a atenção para a necessidade de a sociedade conhecer o tema e enfrentá-lo.


Brasil de Fato - Como é o contexto hoje do trabalho infantil no país e como ele é enfrentado?

Beth Campos - O trabalho infantil é proibido no Brasil. É permitido para os maiores de 16 anos  e para os maiores de 14 apenas como trabalho protegido, mas poucas empresas estão capacitadas para isso. A prostituição, apesar de não ser proibida no Brasil, não é permitida para menores de 18 anos, porque se considera que o jovem não tem capacidade de escolher essa profissão. A boa notícia é que o trabalho infantil vem sendo erradicado no Brasil. O país é signatário do Pacto 182, que se compromete a erradicar todas as piores formas de trabalho infantil, que são os insalubres, noturnos e perigosos, entre os quais está a exploração sexual. Na América do Sul, foi o país que mais diminuiu a incidência desse tipo de exploração.


Como a sociedade pode atuar?

Não remunerando o trabalho infantil. Quando a sociedade remunera a prática, está sendo cúmplice de um crime, de uma violação do direito da criança. Muitas vezes são os pais que mandam os filhos trabalharem e os proíbem de voltar pra casa antes de terem uma certa quantia, normalmente R$ 50. Os programas de enfrentamento repassam cerca de R$ 40 por mês para uma família que tenha alguém em situação de trabalho infantil. Então é uma competição muito desigual. Muitos pais pensam: ‘pra que ganhar R$ 40 por mês se dá pra tirar R$ 50 por dia?’ Essa é uma visão histórica e um problema transgeracional: o pai, o avô, o bisavô, todos trabalharam, todos foram para a rua, mendigaram. É uma questão histórica, cultural.


Como a história do país interfere nessa realidade?

O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão. As crianças filhas dos escravos serviam aos patrões, eram consideradas objetos. Serviam até para sua lascívia, seus desejos sexuais. A exploração sexual também é uma questão transgeracional, começa normalmente com um abuso dentro da família. Isso vem da nossa história, desde a colonização. É histórica a subjugação da mulher negra, da mulher índia e dos povos que serviam aos brancos em todos os sentidos, inclusive na cama. Essa exploração é histórica, cultural, étnica, racial. Todas essas características colocam o Brasil como 10º país no fornecimento de pessoas para o tráfico humano, principalmente de mulheres, entre 15 e 25 anos. Esse tipo de tráfico é o terceiro negócio ilícito mais lucrativo do mundo. Por isso é muito importante a Campanha da Fraternidade de 2014, que tem como tema o tráfico humano, para jogar luz a essas questões.


Qual o perfil das vítimas desse tipo de exploração?

É quase o mesmo perfil no Brasil todo: jovens e carentes. Hoje, 30, 31% da população brasileira tem menos de 18 anos. Dessa população - cerca de 60 milhões de pessoas - 55,7% estão na linha de pobreza, ou seja, têm uma renda per capita familiar de meio salário mínimo. Essa é a grande vulnerabilidade, porque essa população, quase 30 milhões de brasileiros, tem um sonho de projeção social, que pode se dar através de casamento com uma pessoa de outra classe. Agora, estamos recebendo a Copa do Mundo, que vai trazer cerca de 600 mil turistas estrangeiros, 83% homens, 60% solteiros, com alta renda, que vêm em busca do futebol, mas também de sexo. Portanto, nós vamos ter dois desejos que vão se encontrar: uma população jovem, carente, pobre, disposta a tudo para mudar de vida e ascender socialmente, e uma população masculina mais rica, sendo uma parte ligada ao tráfico humano.


No caso dos abusos sexuais, quem é o agressor?

Cerca de 90% de quem responde por crime de abuso sexual é alguém conhecido da criança. Há uma cumplicidade dentro de casa. Em primeiro lugar na lista dos agressores está o pai, em segundo o padrasto, e em terceiro, a mãe. Justamente aqueles que têm o dever de proteção. Mas 90% é alguém conhecido: um parente, um vizinho, um amigo da família. A partir daí, sua autoestima é destroçada. E muitas vezes a pessoa abusada parte para a exploração sexual e acha que está ganhando com isso. Como ela saiu de uma violação interna, opressora, ela acha que agora pode escolher e que está recebendo algo por aquilo, sendo paga. Ela não consegue se ver como uma pessoa explorada. Nem a pessoa que está sendo traficada acha que está sendo explorada. Porque o que lhe é ofertado pode parecer melhor do que ela tinha em casa. Por isso é preciso conscientizar as pessoas de que isso existe. Estamos com um megaevento nas nossas portas e esse tipo de crime pode  e provavelmente vai aumentar. Então tem que aumentar nosso alerta, nossa ação para que as crianças e adolescentes sejam protagonistas de suas histórias e não se deixem iludir por propostas violentas como essas.


Denuncie:
Se você vir algum tipo de exploração do trabalho infantil ou de abuso sexual, disque 100 ou 0800 0311119


Fonte: Brasil de Fato

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