quinta-feira, 13 de junho de 2013

Aids: entre a ousadia e o retrocesso



Posição governamental aponta para uma mudança de caminho, afastando-se da experiência bem-sucedida e do conhecimento técnico. Os vetos do Planalto e do Ministério da Saúde a campanhas de aids e material educativo escolar ressuscitam uma polêmica superada há décadas: a de que é possível controlar a epidemia sem quebrar tabus e enfrentar preconceitos.


A experiência mundial mostra que, quando as ações não tiveram por base os direitos humanos, a evidência científica, a garantia do acesso universal à saúde e a priorização de grupos sociais mais atingidos, a epidemia cresceu, mais pessoas morreram e os custos com a saúde aumentaram.

É um engano achar que a epidemia de aids é causada somente por um vírus e bastam informações para que todos adotem medidas de prevenção. A epidemia é bem mais complexa. Já na década de 1980, a Organização Mundial de Saúde alertava que o preconceito, a discriminação e as desigualdades sociais eram as principais causas do alastramento da doença no mundo. São eles que impedem mulheres de negociar o uso de preservativo, os homossexuais de exercer sua sexualidade de forma segura e as prostitutas de enfrentar as situações de violência que as expõem com maior intensidade ao HIV.

Foi com base nesse entendimento, na capacidade de estabelecer diálogos francos com a sociedade e na adoção incondicionada do princípio constitucional da laicidade que a política de aids avançou nesses 30 anos. E não foram poucas as conquistas. Há mais de 20 anos, as primeiras campanhas sobre o preservativo foram assistidas pelas famílias brasileiras no horário nobre, as primeiras seringas foram distribuídas aos usuários de drogas e as primeiras aulas sobre sexualidade e aids foram ministradas em escolas. E por que não se lembrar da ousadia de enfrentar o lobby da indústria e adotar a licença compulsória de medicamentos antirretrovirais?

Agora, a posição governamental aponta para uma perigosa mudança de caminho, afastando-se da experiência bem-sucedida e do conhecimento técnico. Abre-se assim a possibilidade real de um agravamento da epidemia no País. A censura à campanha para homossexuais no carnaval de 2012 deixou de abordar o segmento mais atingido pela doença no País, com taxas de infecção 11 vezes superiores à da população geral. A proibição do uso de material educativo escolar endossado pela Unesco e Unaids, no início deste ano, poderá contribuir para criar uma geração inábil para lidar com a prevenção da aids. E a recente censura à campanha dirigida a prostitutas deixa no limbo um grupo que representa entre 10% e 15% das mulheres infectadas pelo HIV no País. Mais do que isso, essa censura sinaliza para a sociedade a intolerância com o exercício da prostituição, aumentando a marginalização e as situações de violência contra esse segmento. As consequências serão negativas para toda a sociedade, incluindo os clientes e companheiras e mulheres dos clientes.

Isso ocorre em um momento em que a aids dá sinais de que volta a crescer no País, uma situação que contrasta com o cenário internacional. As Nações Unidas, em seu último relatório, chamaram a atenção para o fato de que tecnologias altamente efetivas e disponíveis podem levar ao fim da epidemia ainda nesta década.

Diante disso, o Ministério da Saúde deverá decidir de que lado estará. Um programa de aids influenciado por um lobby conservador e interesses políticos terá pouca chance de sucesso e representará uma ruptura com as experiências bem-sucedidas e com a sociedade brasileira.

Fonte: (Pedro Chequer, Paulo Teixeira e Alexandre Grangeiro) O Estado de S. Paulo

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