quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O corpo como lugar do desejo e do amor


Por Fagner Dalbem Mapa, CSsR

Nosso corpo não pode ser apenas o lugar da necessidade, ou dos impulsos. Ele é o lugar do desejo e do amor. Mas, para que um indivíduo entre nessa dinâmica é preciso tempo. Tempo para passar pelas etapas da experiência afetivo-sexual.




A adolescência, por exemplo, deveria ser o tempo da “espera”, tempo do desejo que orienta para o futuro. Depois viria o tempo da “gradação”, que são graus e níveis de intimidade que aos poucos vão se aprofundando, desde o aperto de mão à cópula. Diversos tipos de beijos, de carícias vão tendo o seu lugar ao longo do tempo. É uma arte saber saborear cada etapa, e quem as queima não conhece a maravilha do encontro e não conhece realmente o seu parceiro ou parceira. Uma simples mão que se dá ou um gesto, ou um olhar, tem o seu lugar especial na relação. E finalmente “a duração”: Uma união verdadeira só se constrói na duração. Os gestos sexuais só são de ternura dentro de um contexto de duração, pois fora dele apenas são símbolos de emoção passageira e satisfação afetiva.
            É claro que devemos considerar que a temporalidade não é linear, a maturação afetiva pode exigir uma antecipação ou uma regressão desses momentos para se estabilizar. Discernir o memento favorável é complicado e bastante delicado, não podemos esquecer que estamos falando aqui da complexidade temporal humana[1]. Essa complexidade tem uma grande expressão na adolescência. É nesse período que se toma consciência da própria existência, e se vive o “tempo de separação” da infância e da família. O desejo sexual pode tomar o significado de caminho para fugir da solidão: “Tentativa e tentação de passar diretamente da afeição parental à afeição amorosa, de uma forma de ternura para outra, buscando na segunda, o que se acaba de deixar na primeira [...], [se isso acontece], o eleito desempenha o papel de ‘ursinho de pelúcia’”[2]. Ser virgem é aceitar a solidão, ser capaz de esperar. “Nesse sentido, virgindade é liberdade, aptidão a se dar livre e gratuitamente, e não sob a dependência de uma necessidade psíquica que impeliria a agarrar-se no outro como em uma boia de salvação”.
            Uma das dinâmicas mais favoráveis para a relação do desejo e do amor é a relação conjugal. Nela pode nascer um laço mais forte do que o laço de sangue. Essa ligação do homem com a mulher, chamamos de aliança. “A afirmação de um laço não só entre sexualidade e amor, mas ainda entre sexualidade e aliança conjugal, constitui o eixo mais importante do que se pode chamar ética sexual cristã”[3]. A própria relação sexual encontra a sua plenitude no casamento, porque é nele que se encontra o sentido ético do cuidado e do sentido teologal. Amar é dar-se e entregar-se. No contexto conjugal, significa engajar-se em uma relação única com um único parceiro. É escolher um indivíduo e engajar-se com ele em uma relação privilegiada, ao amor carnal, o que exige exclusividade e intimidade, é assim que se descobre a unicidade do outro, é engajando-se em uma relação sem equivalente. “Dar ao outro [o corpo] é, de certo modo, dar-lhe direito a uma relação única, a gestos que lhe sejam reservados a uma exclusividade sobre sua intimidade. ‘A mulher não dispõe de seu corpo, mas o marido. Igualmente, o marido não dispõe de seu corpo, mas a mulher’ (lCor 7,4)[4].
            Geralmente suspeita-se que o matrimônio subordina o desejo à instituição, o prazer à ordem, o corpo pessoal ao corpo social. Isso porque a relação entre sexualidade e instituição é tratada como algo extrínseco, ou seja, algo que não combina. Além disso, é apresentado como fim único da sexualidade o prazer, e o casamento a reprodução. A solução que encontramos para reconciliar sexualidade e instituição é basearmos na constatação de que a sexualidade gravita em torno do laço, assim sexualidade e casamento passam a ter algo muito em comum e não serem vistos como puramente extrínsecos. Podemos falar então da aliança, que significa um laço forte no qual cada um dos parceiros se engaja totalmente, pois a aliança engaja a um destino comum, é mais forte que uma associação, ela é vital[5].
            A aliança conjugal faz com que o casal se abra também para a comunidade para a aliança fraterna, para um corpo mais amplo. A participação no corpo de Cristo é a maneira mais intensa que o cristão é chamado a viver, em seu coração e em seu corpo. O matrimônio vivido em sua profundidade e inteireza mostra que o orgasmo não é o ponto mais alto das relações humanas, mas o dom, e a comunhão com Cristo[6].



[1] Cf. LACROIX, Xavier. O corpo de Carne: As dimensões ética, estética e espiritual do amor. São Paulo: Loyola, 2009. p. 243.
[2] Ibdem. p. 245
[3] Ibdem. p. 203
[4] Ibdem p. 217
[5] Ibdem. p. 204-205
[6] Ibdem p. 255

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