sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Cartas da Vida - cavar túneis e construir sentido -Fernanda Priscila Alves-


Aprender a ler e escrever as ruas de Salvador, Bahia: este é o desafio de Fernanda Priscila Alves da Silva. Uma escrita real com as cores do dia a dia de mulheres em situação de prostituição. A realidade destas mulheres tal como de muitas empobrecidas é desafiante e difícil, mas também marcada pela ousadia e garra, tão presentes na vida das pessoas empobrecidas do mundo.



Vamos dar uma volta pelo Pelourinho. Vamos observar os corpos que passam por nós: mulheres, crianças e homens à margem. Andando pela Ladeira da Montanha, Conceição, Calçada, Comércio, encontramo-nos com mulheres inseridas em contexto de prostituição. E é neste lugar que nossa missão acontece.
A metodologia da escuta e da escrita do lugar e suas gentes vai traçando a geografia no Centro Histórico Pelourinho e adjacências, área comercial e ao mesmo tempo turística e residencial e vai apresentando personagens da população de baixa renda, assim como muitas mulheres exercendo a prostituição em casarões e hotéis insalubres, sem nenhuma infraestrutura. Ao mesmo tempo que conhece, identifica e analisa Fernanda nos desafia com o silêncio: silenciar para escutar verdadeiramente o que a outra/o outra quer dizer, mesmo que não diga. O silêncio se compromete com a atenção: olhar com carinho! nunca com julgamentos!
Sábado à tarde: Fernanda anota porque vive.  Encontro de mulheres e homens... Gente buscando vida... Gente gestando sonhos. Gente de movimento e em movimento. Era sábado e naquele salão de reunia o movimento de população de rua... Mas o movimento não estava só, havia outros grupos, outros corpos em movimento dançando a dança da luta, dança do compromisso, dança da utopia, os catadores e catadoras de papel também se faziam presentes e a força feminina trazia seu encanto e gingado. Sábado de conflitos: anota aí os relatos de violência policial, de disputa entre os homens e mulheres pobres, entre fracos e fortes!
Fernanda anota o difícil processo de construção de objetivos comuns de defesa da população de ruas, em especial mulheres em situação de prostituição. O direito e a justiça tecidos de ambivalência e ambiguidade:
O mundo da prostituição traz ambiguidades que nos fazem repensar a vida, repensar paradigmas, modelos, formas, jeitos de fazer e construir o cotidiano. Nestas ambiguidades, encontramos mulheres luas, mulheres gente em gestação, mulheres como outras mulheres ou ainda outras mulheres como estas mulheres. Homens mulheres e mulheres homens, tudo misturado, ambíguo, mas ao mesmo tempo tudo inteiro, com sua própria forma, seu próprio jeito.
A partir da metodologia do trabalho de campo, na escrita das cartas, a autora estabelece um diálogo com as mulheres e com os modos de vida na rua. O texto exercita ao extremo a escuta das margens - bares, boates, praças e hotéis - sendo ao mesmo tempo uma afirmação do trabalho pastoral e seus desafios e um exemplo concreto do método da teologia que nasce do meio do povo.
Fernanda supera toda e qualquer idealização do sujeito popular e nos coloca diante da inquieta cara do povo da rua, da mulher de rua. A rua tem sexo e a teologia aprende através da carta de Fernanda a pronunciar "sexo" entre as palavras benditas e malditas de seu vocabulário.
É no café da manhã, no lugar da degustação, que mulheres tomam a palavra. Nesse sentido, vale dizer que é no cotidiano que a transformação acontece. É neste lugar, pois ele está marcado por alegria, cansaços, tristezas, conquistas, prazer, fé. Dentro de uma perspectiva feminista e libertadora, este lugar tem seu matiz, pois é aí mesmo que se pode resgatar a importância concreta dos corpos e de suas relações.
Este resgate da vida, do corpo, da rua, da materialidade das relações... é como cavar túneis, ensina uma mulher: ? "Vocês estão me ajudando a cavar o túnel, é difícil, mas eu vou cavar até chegar à mina, hoje eu me considero cidadã e eu vou chegar lá".
Para Fernanda, "cavar túneis" é experimentar a Páscoa da Libertação, é afirmar "creio na ressurreição do corpo" sem esquecer da noite longa da Paixão.
Cartas da Vida
 Fernanda Priscila Alves da Silva
 A partir da convivência nas ruas de Salvador o livro compartilha - no formato de cartas - a vida e o cotidiano de mulheres em situação de prostituição. A partir da metodologia do trabalho de campo, na escrita das cartas, a autora estabelece um diálogo com as mulheres e com os modos de vida na rua. O texto exercita ao extremo a escuta das margens - bares, boates, praças e hotéis - sendo ao mesmo tempo uma afirmação do trabalho pastoral e seus desafios e um exemplo concreto do método da teologia que nasce do meio do povo.
Fonte: Cebi

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