J. B. Libanio
A prostituição permite ser analisada desde muitos ângulos e os juízos psicológicos, éticos e sociais dependem da ocular. Visto sob o lado machista, é um aviltamento escandaloso do homem e da mulher. O homem desce às condições de puro animal. Pior que animal, pois usa sua razão em vista de satisfações estritamente instintivas. Sob o ângulo da mulher, esconde tanto sofrimento e fatalidades que nos deixam perplexos. Basta um mínimo de conversa com o coração atribulado de muitas mulheres para que mergulhemos nesse oceano de dor.
O tema de hoje provoca-nos a uma reflexão de natureza social. É o jogo último e fundamental entre vida e corpo. A necessidade primeira do ser humano é viver no nível biológico. Não é o maior valor. Muitos dão a vida por uma causa. No entanto, é a premência maior. Sobre ela se constroem todos os outros dons. “Primum vivere, deinde philosophari”, diziam com certa ironia os latinos. O viver antecede a tarefa que se julgava naqueles idos de soberana relevância.
Acontece para tristeza e vergonha de nossa sociedade, fundada no sistema do lucro, que muitas pessoas não conseguem sustentar sua vida. Jogam tudo em troco dela. E chega a um momento que a única coisa de que dispõem, já não é a sua força de trabalho, - pois os empregadores não a querem -, mas simplesmente o corpo. O último bem a ser espoliado.
Dois caminhos têm sido trilhado por muitas vítimas dessa espantosa situação. Vendem lentamente partes de seu corpo, sangue, órgãos não imediatamente vitais em troco de algum dinheiro. Muitas são doações irreversíveis e de marca indelével. Via mais fácil e menos arriscada fisicamente é expô-lo à exploração sexual. Nem sempre são isentos de conseqüências também. Mas certamente psíquicas e éticas.
Entrevistas feitas com adultos e jovens de ambos os sexos mostram como em troca de dinheiro para manter-se ou para estudar, essas pessoas aceitam programas sexuais. Imaginam criar uma blindagem psicológica para que essas situações não as destruam por dentro, racionalizam quanto podem, buscando justificativas para suportarem a contradição entre o que buscam e o que permitem. Buscam a vida, permitem a morte de si mesmas.
Diferentemente são casos de pessoas que por opção e por um ímpeto de “ liberação geral” se entregam à vida promíscua. Aí interferem elementos culturais que revelam sintomas de decadência da cultura humana em termos morais. Aqui nos referimos a situações extremas a que tantos e tantas são conduzidos pelo conjunto do sistema dominante. O fator econômico é decisivo. Não é a ideologia do prazer que triunfa nas pessoas que se oferecem, mas a urgência de problemas de sobrevivência. Nem diria naqueles que procuram a prostituição. Estão mais submetidos aos impulsos grosseiros da animalidade humana do que à tirania do prazer da pós-modernidade. Nem chegam a entender bem o que seja prazer e gozo humano.
Esses casos de prostituição entendem-se, portanto, mais claramente no interior de um sistema em que se nega o direito primeiro à vida a tantas pessoas que umas se sentem, em caso de verdadeiro desespero, de lançar de um último recurso de sobrevivência, entregando seu corpo a quem lhe paga. Não lhes interessa saber o que move as pessoas doutro lado a buscá-las. Está em jogo a venda do corpo em troca da possibilidade de viver! Terrível jogo! Não desejamos a ninguém que entre nele e tudo deve ser feito para que ele não exista!
Fonte: Jornal de Opinião
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