Uma americana que foi vítima do tráfico de mulheres tornou-se voluntária de uma organização que ajuda a recuperar adolescentes ex-vítimas de prostituição.
Na ONG Living Water for Girls, que atua na Geórgia, no sudeste dos Estados Unidos, Sara, hoje com 31 anos, acompanha o progresso de meninas de 12 a 17 anos que tentam retornar à vida normal. "Eu nunca tinha falado abertamente da minha história antes, porque não acreditava que era uma vítima", diz Sara, que escapou da prostituição há dez anos.
Lisa Williams, fundadora da ONG Living Water for Girls, recebe uma das meninas auxiliadas
Sara* entrou em contato com a organização no início de 2011, depois de ser chamada para participar de um debate com a fundadora da organização, Lisa Williams, em uma rádio local.
"Eu nunca tinha falado abertamente da minha história antes, porque não acreditava que era uma vítima. Só ao falar com Lisa consegui admitir publicamente que fui sequestrada, ameaçada e forçada a me prostituir com uma arma", disse à BBC Brasil.
"Eu achava que ninguém acreditaria em mim quando dissesse que fui forçada, porque isso aconteceu comigo quando eu já tinha 20 anos."
Segundo o Departamento de Justiça americano, cerca de 200 mil crianças estão expostas a situações de exploração sexual no país. A idade média com que as meninas são recrutadas pela indústria da prostituição é de 13 anos.
Armadilha
Em 2000, Sara tinha acabado de deixar seu filho na casa do ex-namorado e andava em direção à parada de metrô, quando um senhor de idade parou em um carro ao seu lado oferecendo carona.
Durante o trajeto, o homem disse que precisava fazer uma parada e convidou Sara para entrar em uma casa próxima ao metrô. Lá dentro, ele a deixou sozinha e pouco depois, outro homem apareceu.
"Eu não tinha medo do primeiro homem porque ele era mais velho, mas sabia que com o segundo, que era mais alto e musculoso, eu não conseguiria lutar", relembra.
"Ele me disse onde o pai do meu filho morava, o que ele fazia e disse que os machucaria. Depois descobri que aquela era uma rua em que havia muitas meninas viciadas em drogas que se prostituíam. O homem mais velho era o recrutador do cafetão, esse era o método que eles usavam. Ele disse que sabia que eu era maior de 18 anos - até hoje não sei como ele sabia."
Sara foi forçada a viajar com o cafetão para se prostituir. Ele a levava de volta para casa periodicamente para visitar sua família, para que ninguém suspeitasse e alertasse a polícia.
"Na primeira vez em que viajei com ele, ele me prometeu que voltaria para casa depois do fim de semana, se ganhasse cerca de US$ 4 mil. Só voltei três semanas depois", diz.
Ao pai dela, com quem morava, e ao ex-namorado, ela dizia que tinha um trabalho para o qual precisava viajar.
"O pai do meu filho perguntava o que eu estava fazendo e eu tinha tanta vergonha que não conseguia contar a ele. O cafetão me esperava no carro com uma arma durante as visitas."
Fuga
Depois de cerca de um ano trabalhando como prostituta, Sara conseguiu se desvencilhar do cafetão, depois de engravidar dele e fazer um aborto sem que ele soubesse.
"Quando ele descobriu, me bateu muito e só parou porque outras pessoas o alertaram que a polícia poderia aparecer. Eu pensei que ia morrer e rezei pela primeira vez ", diz ela.
Para escapar, ela passou a trabalhar para traficantes de drogas e chegou a entrar em brigas com outros grupos de prostitutas forçada pelos traficantes.
Em um destes combates, uma troca de tiros que deixou mortos atraiu a atenção da polícia, que acabou por prendê-los, deixando Sara e as outras garotas do grupo independentes. Sem ter para onde ir, elas continuaram se prostituindo juntas.
"As meninas haviam se tornado minha família. Se não fosse Deus, eu certamente passaria de vítima a vitimizadora. Eu poderia facilmente ter me tornado a cafetina, que é algo que acontece com muitas mulheres depois que o cafetão sai de cena."
Em julho de 2011, Sara escapou do lugar onde vivia com as outras garotas e voltou para a casa do pai.
Vida nova
De acordo com Lisa Williams, fundadora da Living Water for Girls, a maior parte das meninas chega a sua organização depois terem sido presas pela polícia ou resgatas pelos pais.
"Comecei este projeto depois que vi um artigo num jornal local sobre uma menina de 10 anos que estava sendo acusada de prostituição, juntamente com sua irmã de 11 anos. Elas foram encontradas com algemas em seus tornozelos", diz.
"Elas eram vítimas e estavam sendo acusadas como se fossem criminosas. Fiquei indignada."
A oferta de sexo é considerada crime em todo o território americano, exceto no Estado de Nevada.
Em 2008, Williams, que é ex-militar, arrecadou recursos para comprar uma casa onde as adolescentes recebem tratamento médico e psicológico, além de aulas, pelo período de até um ano.
"Se as colocamos de volta em um sistema educacional onde não tem ninguém que possa acompanhá-las ou olhar por elas, muitas vezes elas voltam para o cafetão. Elas precisam se fortalecer e entender que isso não deve ser uma opção."
Ao voltarem para suas famílias, para a escola ou para a universidade, as garotas são acompanhadas por voluntárias da organização. A maior parte das mentoras são mulheres que também foram vítimas de tráfico sexual, como Sara.
"Quando voltei para casa, lutei por meses contra minha depressão. Como eu tinha concluído o ensino fundamental, tentei entrar na Universidade. Passei a frequentar a igreja também, foram as primeiras coisas que eu fiz", diz ela.
"Quero fazer com as meninas as coisas que eu queria que alguém tivesse feito comigo quando eu saí da vida, como me levar ao cinema ou a um parque, onde você se lembra o que é se divertir e ser jovem. Fazer com que elas entendam que são especiais e não tenham medo de viver."
Dez anos depois de ter escapado da prostituição, Sara tornou-se diretora de marketing em uma empresa e vê regularmente o seu filho. Depois de conseguir sua independência financeira, ela se casou com um namorado que conheceu na igreja.
"Quando eu falei com as meninas pela primeira vez elas ficaram muito emocionadas de ver que uma pessoa como elas que estava do outro lado, que eu consegui", relembra.
*O nome foi trocado para preservar a identidade da entrevistada.
Fonte: uol
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