segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Angie, a prostituta que quer ser deputada da esquerda no Peru


Fugiu de casa aos 16 anos, farta de apanhar do pai. A prostituição foi seu refúgio, embora logo tenha se tornado um trabalho que hoje, aos 51 anos, quer dignificar. Ángela Villón quer ser deputada no Peru e legislar para as minorias.


"Tive uma infância muito violenta, muito machista e pensava que era o verdadeiro (...). Tinha baixa auto-estima, com preconceitos. Meu pai era homofóbico, me dizia que meu papel como mulher era pertencer a um homem, me casar, que não tinha que me preocupar para ter uma carreira", conta Ángela - Angie - à AFP, enquanto se prepara para as fotos.

"Quando disse que queria estudar, recebi uma bofetada. Sempre fui rebelde, queria minhas próprias coisas. Cansada de tanto apanhar, procurei um homem, assim como meu pai mandava, para poder fazer minha vida. Mas logo depois esse homem me deixou, grávida", explica Angie.

Ali começou um caminho sem volta. Seu filho recém-nascido adoeceu e, sem dinheiro para os remédios, pediu um empréstimo para uma amiga 'bailarina'. Esta amiga contou, então, que na verdade era prostituta e que se ela quisesse ganhar dinheiro, podia ajudá-la a entrar nesse mundo.

"Foi um choque, pela forma como fui criada. Mas depois, estar num lugar onde eu era desejada, valorizada, idolatrada, com clientes que até ouviam meus problemas e me ajudavam, davam presentes para meu filho, disse para mim mesma: 'este é um lugar bom para trabalhar'", conta.

Eram tempos em que os homens, segundo ela, eram mais respeitosos. "A maioria dos clientes eram casados, mas vinham porque com a esposa não podiam fazer o que faziam comigo. Mas também eram mais cavalheiros e românticos. Agora todos são brutos. Cerca de 80% dos clientes é divorciado, os outros 10% é casado mas a esposa e os filhos moram longe, e os outros 10% são solteiros que não querem relação estável", detalha.

- Prostituta e candidata da esquerda -

Angie é candidata ao Congresso para as eleições do 10 de abril pela coligação de esquerda Frente Amplio, que leva à presidência a deputada Veronika Mendoza, até agora com baixa adesão popular.

"Sou de uma esquerda que busca justiça. Não queremos ser Cuba. Não sou vermelha, sou rosa-choque, de uma esquerda evoluída, diferente", comenta.

Angie fala com propriedade. Espera legislar em favor de uma revolução educativa que empodere as mulheres desde pequenas, para que aprendam a ser independentes. Garante que vai trabalhar para as minorias. É favorável à união civil de pessoas do mesmo sexo - rejeitada pelo atual Congresso - e do aborto em casos de estupro, também proibido no país.

- Angie, a ativista -

Angie vive num bairro de classe média baixa da zona leste de Lima. Tem quatro filhos. Uma de suas filhas mora em Paris. Sua casa é decorada com dezenas de quadros pintados por um ex-namorado. Há três anos começou uma nova relação. "Foi difícil para ele. Sua família virou as costas, não entende", explica.

Deixou de exercer a prostituição momentaneamente aos 30 anos, depois de ter o quarto filho. Lembra que é uma das vítimas das esterilizações forçadas aplicadas durante o governo de Alberto Fujimori (1990-200). "Quando ainda estava anestesiada me disseram que eu já tinha tido quatro filhos, e ligaram minhas trompas sem me consultarem", relata.

Angie tornou-se ativista pelos direitos das minorias. Participou de oficinas e fundou uma associação nacional de trabalhadoras sexuais que, desde 2004, trabalha com o ministério da Saúde. Há um ano voltou a exercer a prostituição, porque é sua profissão - mas não deixou o ativismo de lado.

No Peru, a prostituição não é crime, mas não é reconhecida. Normalmente as trabalhadoras sexuais são apreendidas e agredidas pela polícia, para depois serem liberadas, conta Angie, que diz que em 2002 cerca de 250.000 trabalhadoras sexuais peruanas realizaram exames médicos para descartar doenças sexualmente transmissíveis. Foi o último número registrado.

Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/

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