segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

“Procuram-se Vanessas para falar de amor”: história de quatro prostitutas

Maria Carmencita Job, é a idealizadora do projeto transmídia As Vanessas , que inclui longa-metragem, série, websérie, livro e aplicativo. O público já pode ter o primeiro contato com o trabalho graças ao curta “N.” De Vanessa, dirigido por Carmencita e lançado no mês passado durante o Seminário “Uma Revolução Particular”, promovido pelo Projeto do Observatório da Prostituição da Universidade Federeal do Rio de Janeiro.


Contrariando o modelo tradicional de lançamento (primeiro festivais, depois o grande público), o curta também foi lançado na internet. Durante 30 dias (até 18/01) é possível assistir, gratuitamente, ao filme sobre Nicole, 19, uma ex-garota de programa que fala sobre muitas coisas, mas sobretudo sobre o amor.
É esse, afinal, o foco de Carmencita: dar voz às mulheres – profissionais do sexo ou não. “O projeto como um todo fala de sororidade, integração, acolhe diferenças. Cada categoria do guarda-chuva dará oportunidade de aprofundarmos escalas próprias da ampla pesquisa realizada”, afirma.

Assista ao curta “N”. De Vanessa:



Assim, o longa “Procuram-se Vanessas Pra Falar de Amor” contará a história de quatro prostitutas em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia, mostrando seus espaços de programas e relações.

A série de TV promoverá uma troca de papéis: garotas de programa falarão sobre cotidiano, maternidade e filhos, enquanto mulheres de outras profissões falarão sobre sexualidade, prazer e desejo. A websérie será o making of do programa, mostrando a jornada da equipe durante o projeto. O livro reunirá quatro contos de ficção erótica, podendo cruzar histórias reais e imaginárias de mulheres ouvidas em campo. E o aplicativo, ainda em construção, “encontra o desejo de muitas mulheres e integra histórias reais femininas.”


Nascida em São Vicente, no litoral de São Paulo, Carmencita se mudou para Porto Alegre aos 5 anos e ficou por lá até os 17, quando se mudou para Florianópolis. Estudou antropologia e psicanálise e trabalhou com análise cultural para marcas, comunicação e publicidade. O cinema, ela diz, “sempre existiu” em sua vida, e desde criança Carmencita gostava de escrever e imaginar cenas.

Começou a fazer documentários muito influenciada pelo cineasta Eduardo Coutinho, e hoje mantém uma empresa de pesquisa e análise cultural, o Laboratório de Pesquisa do Comportamento – [Ox]igênio. O novo braço da companhia, dedicado a projetos audiovisuais, se chama “Céu Filmes” e busca incorporar profissionais mulheres em todos os projetos.
Entrevistando algumas mulheres escutei diversas vezes sobre amor. Mas também escutei sobre alguns corações partidos – e as viradas que a vida deu após alguns deles. Quando conheci a pesquisadora e documentarista Maria Carmencita Job esse tema se tornou a superfície exposta de uma pele fina e forte, sensível e cicatrizada.  Nossa conversa me fez pensar como a nossa cultura tão patriarcal nos silencia. Quantas mulheres gostaríamos de ser e não somos? A quantas gostaríamos de dar voz e não damos?




Entrevista com a diretora

Encontrei neste curta de Carmencita uma tentativa de uma de suas mulheres internas falar. Sobre amor. Falar sobre amor de um lugar onde muitos acreditam que o encanto se perdeu.“Procuram-se Vanessas para falar de amor” dizem seus cartazes espalhados nas ruas. Vai ver foi isso; com um coração deserto, ela buscou no terreno mais alheio a si, o amor.  E em Vanessa, ela o encontrou:


A: De onde surgiu essa vontade de falar sobre mulher e amor através da prostituição?

MC: Há 4 anos venho estudando sobre os estados de amor, paixão e sexualidade através do monitoramento de tendências a partir da antropologia das emoções. Todo este estudo sempre teve por princípio iniciativas práticas de troca de histórias e coleta de percepções a partir de mulheres. O começo se deu em 2012 em saraus em algumas cidades brasileiras por onde passava em um diálogo com o mote sexualidade. Acreditava que este percurso era batizado pela complementaridade destes encontros quânticos onde a sensibilidade era percebida por memórias sexuais.

Foi quando conheci a Vanessa (trabalhadora sexual) que me fez entender estes estados sublimes através de outro ponto de vista. Lúcida e forte, ela acolheu meus questionamentos sobre estados de amor e causou uma verdadeira revolução dentro do meu corpo simbólico e físico – me levou para o topo da montanha e me fez mergulhar em um lago cheio de peixes brilhantes onde tudo que eu acreditava e entendia sobre amor se derreteu.

A partir daquele encontro, entendi o infográfico patriarcal e passivo em que me encontrava como mulher e senti uma necessidade absurda de encontrar mais “Vanessas” para ilustrar este estado real, que precisava ser integrado e percebido por mais mulheres. Saí do nosso encontro com a certeza de que mostrar histórias de afeto, através de um documentário, a partir de mulheres (e também prostitutas) era o melhor que poderia fazer para cruzar estes dois mundos de sexualidade e amor.

A: Por que o filme chama “N” de Vanessa? Como você conheceu “Nicole”?

MC: “N” é a primeira letra do nome da Nicole, protagonista do filme, que é um prostituta. Funciona como um código, um diagrama que ilumina o lugar onde toda mulher pode estar. Esta letra “N” mostra o ponto de partida áureo de cada mulher. O significante – que dá início – a este movimento de ser uma puta mulher.



A: Apenas mulheres foram escaladas para a realização do filme? Conte um pouco sobre o processo de pesquisa, gravação e produção do curta.

MC: O curta metragem “N”. De Vanessa faz parte do Projeto Transmidia As Vanessas, onde o longa metragem “Procuram-se Vanessas Pra Falar de Amor” está na base, junto de uma série para TV, uma websérie, um livro e um aplicativo: todos canais de contato com o feminino.

Para ele acontecer da forma mais conectada possível dentro do set, nada melhor que colocar somente mulheres para fazer desta arte um espaço de troca. Além de ser uma proposta de resistência política, aonde inauguramos um novo lugar ativo para mulheres no cinema. Seremos mulheres, realizadoras e ouvintes de corpo todo presente desta história. Este filtro dá mais trabalho, confesso, pois juntar muitas mulheres para um projeto destes, requer um empenho a mais. Nunca uma mulher faz uma coisa só, e para tê-las – dedicadas – de forma plena e segura, precisamos de grana, coisa que ainda não rolou de forma concreta dentro do projeto.

A pesquisa já foi realizada em Porto Alegre (aonde moro e onde consegui ter mais tempo com as meninas na rua); em São Paulo (aonde visito alguns puteiros da Augusta e revejo a Vanessa oficial) e no Rio de Janeiro (na incrível Vila Mimosa, aonde pude ter acesso ao Observatório da Prostituição, um núcleo organizado pela antropóloga Soraya Simóes na UFRJ).

A gravação do curta foi feita toda de forma independente. Ele nasceu do momento de vida da Nicole, que estava “saindo ‘da prostituição por causa de uma história de amor. Essa narrativa me fez mudar de uma gravação de uma entrevista comum para um curta metragem. Ela é uma personagem que fala por si só, não poderia deixar de mostrar esta menina mulher para o mundo.

A: Por que fazer um documentário?

MC: O documentário busca anunciar a posse do discurso daquele que se propõe a falar. O meu desejo desde o início é dar voz a estas mulheres prostitutas, mudando a chave cultural deste lugar que, no imaginário social, acredita ser passivo e triste. É bonito ver como cada um recebe e acolhe estas histórias. Elaborando um contato mais afetivo com estas mulheres a partir de suas falas internas. É fantástico ver mais mulheres profissionais do sexo ou não, se perceberem ali, naquele lugar de fala. O mais recompensador até agora foi ver os olhos destas mulheres, marejados por estes discursos disruptivos. Poder mostrar prostitutas através de seus “estados e amor”, não mudou só a minha vida, foi a forma que consegui expressar este ponto de vista contemporâneo dos desejos e sensibilidades femininos. Esta é a arte de se fazer documentário: trabalhar o músculo híbrido da etno-ficção a partir das memórias coletivas.

O curta é ainda inédito para o grande público e foi liberado para visualização online até 18 de janeiro de 2016 pela diretora e toda a técnica que participou do filme na busca por ampliar o tema da prostituição a partir do ponto de vista do amor destas mulheres.

FICHA TÉCNICA
Filme: “N”. De Vanessa
Gênero: Documentário Reflexivo
Duração: 14:09 Ano de Produção: 2015
Diretora: Maria Carmencita Job
Roteirista: Maria Carmencita Job
Atriz Principal: “Nicole”
Direção de Fotografia: Maria Fernanda Kern da Costa
Direção de Arte: Maria Fernanda Kern da Costa
Montagem: Maria Fernanda Kern da Costa
Som direto: Isabel Cardoso
Idade Indicativa: 14 anos

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