quinta-feira, 19 de novembro de 2015

"As mulheres podem votar e trabalhar, mas não usar o metrô porque podem ser violentadas"

A jornalista Ana Carolina Nunes ajudou o Metrô de São Paulo a criar uma campanha contra o assédio às mulheres nas estações e nos vagões.

 “Desespero”. Foi isso que a jornalista Ana Carolina Nunes, de 24 anos, sentiu ao ouvir as notícias de abuso sexual no metrô, no ano passado.Todos os dias, o metrô atende mais de 4 milhões de pessoas. Dessas, 55% são mulheres. Os registros de abuso e tentativa de estupro nas dependências do metrô subiram de 65, de janeiro a agosto de 2014, para cem, no mesmo período deste ano. Moradora do bairro da Saúde, na Zona Sul de São Paulo, Ana circula pela cidade sobre trilhos. E assim como muitas – se não a maioria – das usuárias do metrô paulista, a jornalista já passou por situações semelhantes às das mulheres do noticiário. “É uma coisa que todo mundo sabe que acontece. Toda mulher que anda de transporte público, se não passou por isso, conhece alguém que já passou”, afirma.

A jornalista Ana Carolina Nunes ajudou o Metrô de São Paulo a criar uma campanha contra o assédio às mulheres nas estações e nos vagões (Foto: Edu Lopes/Click de Gente/ÉPOCA, Produção Daniele Verillo, Makeup Adilson Vital)
A experiência no mestrado em Políticas Públicas ajudou Ana a montar um plano de comunicação para o metrô, alertando sobre o assédio contra mulheres no transporte público. Com a ajuda da amiga Nana Soares, Ana apresentou um projeto que prevê a divulgação da campanha nos trens e estações do metrô, além do aprimoramento dos canais de denúncia e treinamento dos agentes. Hoje, frases como “Você não está sozinha. Estamos juntas contra o abuso sexual” estampam cartazes e monitores dos vagões. Mas até chegar aos passageiros – mais de um ano depois que foi protocolado – o projeto de Ana passou por muitos departamentos até ser finalmente implementado, em agosto deste ano.

“O processo de convencimento não foi árduo, mas existia uma resistência inicial em reconhecer que o problema era deles”, afirma. “Eles nunca saberiam o quão grave era esse problema a partir do que é notificado oficialmente. Nos casos de violência contra a mulher, é ela quem, na maioria das vezes, é tida como culpada pelo abuso que sofreu”, diz. Não raro, Ana era uma das poucas mulheres nas inúmeras reuniões com o metrô. “Esses espaços são extremamente masculinos. Quando você avisa que tem um monte de mulher sendo abusada dentro do serviço deles, parece coisa de outro mundo”, afirma.

Ana demorou em se reconhecer feminista. Foi na faculdade que resolveu abraçar o nome. “Fui me descobrindo feminista a cada situação que tolhia minha liberdade”. Na adolescência, Ana resolveu por em xeque o estereótipo feminino: andava descabelada, sentava de perna aberta, praticava esportes e falava abertamente sobre sexo. Quando alguém lhe dizia que aquilo não era coisa de menina, tinha a resposta pronta: “Esse é meu jeito e eu não vou mudar quem eu sou”, dizia.

Vítima e testemunha de assédios sexuais no transporte público, Ana decidiu enfrentar o tabu que é o direito da mulher ao próprio corpo. “"As mulheres podem votar e trabalhar, mas não usar o metrô porque podem ser violentadas. Não posso ir à balada com a roupa que eu quiser porque posso ser agarrada por um homem que acha que tem direito sobre meu corpo”, Para Ana, a igualdade entre homens e mulheres só acontecerá se cada vez mais mulheres ocuparem e disputarem os espaços – sejam eles no mercado de trabalho, na política, na universidade, na rua. E é dessa mudança que Ana quer fazer parte.

Fonte: Revista Época

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