sexta-feira, 26 de junho de 2015

Comunhão aos divorciados e acolhida aos gays: o Sínodo prepara a revolução de outubro

A Igreja tem necessidade de um anúncio do “Evangelho da família” que “dê esperança e não a oprima”. A Igreja Católica se prepara para iniciar um processo de inclusão de cristãos homossexuais e divorciados, conforme consta em um documento apresentado nesta terça-feira (23) que será a base para a 14ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, convocado pelo papa Francisco para os dias 4 a 25 de outubro para discutir o tema da "Vocação e Missão da Família na Igreja e no Mundo Contemporâneo".

O Vaticano publicou nesta terça-feira o documento com as orientações para o Sínodo sobre a Família de outubro. O documento integra as conclusões da assembleia extraordinária do ano passado e retoma as discussões sobre os temas mais diversos que se relacionam com a família, desde as convivências pré-matrimoniais até a missionariedade da família, desde a questão dos divorciados recasados até a situação dos homossexuais, desde o aborto até a anticoncepção, desde a educação sexual até a necessidade de envolver as mulheres e as famílias na formação do clero nos seminários. Um texto no qual se destaca, concluindo, que não se pode “esquecer que a celebração do próximo Sínodo se situa em sintonia com o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que começa no próximo dia 08 de dezembro de 2015.

A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi e publicada por Vatican Insider, 23-06-2015. A tradução é de André Langer.

Não se recomeça, pois, do zero e isto é evidente: o Instrumentum Laboris, com efeito, apresenta integralmente todos os parágrafos da Relatio Synodi de 2014; ampliados graças às contribuições das conferências episcopais, das famílias, das universidades e das instituições acadêmicas. O documento se subdivide em três partes: a escuta dos desafios sobre a família, o discernimento da vocação familiar e a missão da família hoje.

Não se deve anular a diferença sexual. Com respeito ao primeiro ponto, trazem-se à luz as “contradições culturais” da nossa época na qual se diz que “a identidade pessoal e a intimidade afetiva devem afirmar-se em uma dimensão radicalmente desvinculada da diversidade biológica entre varão e mulher” ou na qual se quer reconhecer a “titularidade matrimonial” para casais instituídos independentemente da diversidade sexual. Por isso, faz um apelo para um “melhor aprofundamento humano e cultural, não apenas biológico, da diferença entre os sexos”, porque sua anulação “é o problema, não a solução”.

A família é o pilar fundamental da sociedade. O Instrumentum Laboris assinala as “contradições sociais” que levam à dissolução da família: guerra, migrações, pobreza, usura, cultura do descarte, conjuntura econômica “desfavorável e ambígua”, enquanto as instituições são incapazes de apoiar os núcleos familiares. As famílias, ao contrário, “pilares fundamentais e irrenunciáveis da vida social”, necessitam de “políticas adequadas” que tenham em conta sua “ação compensativa” em relação ao bem-estar.

Dignidade para os idosos e pessoas diversamente hábeis; uma pastoral específica para famílias migrantes. Por isso, o Instrumentum Laboris ressalta a importância da família como instrumento de inclusão, sobretudo de categorias frágeis como os viúvos, os idosos, os deficientes, que devem ser acompanhados para fazer frente às “formas impiedosas de estigma e preconceito”. Espera-se uma pastoral específica para as famílias em migração, porque, sobretudo, onde não há “autêntica acolhida e respeito dos direitos de todos”, podem se alimentar “fenômenos de fundamentalismo”. E o drama aumenta quando a migração é ilegal, patrocinada por “circuitos internacionais do tráfico de seres humanos”. O Instrumentum Laboris detém-se, além disso, no papel das mulheres e recorda que nos países em desenvolvimento, a exploração e a violência se agregam ao aborto e esterilizações forçadas, entre outros fenômenos, mas espera também uma “maior valorização na Igreja”.

O Sacramento do matrimônio é indissolúvel. A segunda parte reafirma a indissolubilidade do matrimônio sacramental e, ao mesmo tempo, recorda que a Igreja deve ‘acompanhar’ os momentos de sofrimento conjugal, com uma ótica de misericórdia, que não subtrai nada da verdade da fé. Todos têm necessidade de dar e de receber misericórdia, lê-se depois na terceira parte, e alguns pedem que também a Igreja demonstre uma atitude análoga para com aqueles que fracassaram na união.

O Instrumentum Laboris recorda também um ponto chave da Relatio Synodi, ou seja, o dos casos de nulidade matrimonial. Registra-se um amplo consenso no que se refere à gratuidade dos procedimentos de reconhecimento da nulidade. Ao mesmo tempo, não é uma unanimidade a ideia de um procedimento administrativo, sob a responsabilidade de um bispo diocesano.

Repensar as formas de exclusão litúrgico-pastorais dos divorciados recasados. No que se refere, em particular, aos divorciados recasados deseja-se uma reflexão sobre a oportunidade de abandonar as formas de exclusão, que se praticam atualmente, no âmbito litúrgico-pastoral, educativo e caritativo, porque estes fiéis não estão fora da Igreja. No entanto, assinala-se que os caminhos de integração pastoral devem estar precedidos por um discernimento oportuno e devem ser realizados segundo uma lei de gradualidade, respeitando o amadurecimento das consciências.

Sobre o acesso à Eucaristia para os divorciados recasados, o Instrumentum Laboris evidencia o comum acordo sobre a hipótese de um caminho penitencial, sob a responsabilidade de um bispo. Ficando firme a posição da Igreja, contrária ao casamento entre pessoas com tendências homossexuais, reitera-se que toda pessoa, independentemente de sua tendência sexual, deve ser respeitada em sua dignidade e acolhida com respeito e delicadeza, na Igreja e na sociedade. Deve-se fomentar projetos pastorais específicos para pessoas homossexuais e suas famílias.

A educação dos filhos baseia-se sobre a diferença sexual. Convidando para valorizar a importância da adoção e da custódia, o documento afirma que a educação de um filho deve se basear na diferença sexual, assim como a procriação, porque também esta se fundamenta no amor conjugal entre um homem e uma mulher. O documento termina recordando o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que começará no dia 08 de dezembro de 2015, à luz do qual se coloca o próximo Sínodo. A assembleia episcopal será de 04 a 25 de outubro, sob o tema “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”.

É um texto prudente ao propor soluções, que quer chegar à assembleia sem rachaduras, para permitir que o debate se desenvolva e que o papa faça as suas próprias escolhas. Mas que aborda firmemente os temas decisivos da família.

Eis, a seguir, os pontos principais.

O nó da Eucaristia

"A atenção e o acompanhamento em relação aos divorciados recasados civilmente devem se orientar rumo a uma integração cada vez maior deles na vida da comunidade cristã."

Sobre o controverso tema da readmissão à comunhão, surgiu "um acordo comum sobre a hipótese de um itinerário de reconciliação ou via penitencial". Essa formulação, no entanto, prevê duas hipóteses, subordinadas e contrapostas, que devem ser avaliadas e votadas no Sínodo.

A primeira é que o caminho penitencial, ao lado da "conscientização do fracasso e das feridas por ele produzidas" e, portanto, ao lado do "arrependimento", seja acompanhado pela "verificação da eventual nulidade do matrimônio".

Se essas condições não existem, o caminho penitencial deveria simplesmente levar "ao empenho à comunhão espiritual e à decisão de viver (o seu segundo matrimônio) em continência".

A segunda hipótese, mais realista, diz respeito à possibilidade de que o caminho penitencial "sob a responsabilidade do bispo diocesano" leve ao acesso aos sacramentos. Concretamente, a hipótese é de "uma acolhida não generalizada à mesa eucarística, em algumas situações particulares e com condições bem precisas, sobretudo quando se trata de casos irreversíveis e ligados a obrigações morais em relação aos filhos que viriam a passar por sofrimentos injustos".

O documento preparatório do Sínodo admite que "a questão ainda deve ser aprofundada". Mas os divorciados não devem ser excluídos da possibilidade de serem padrinhos, testemunhas de bodas, leitores nas liturgias e catequistas.

Respeito aos homossexuais

"Cada pessoa, independentemente da própria tendência sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com sensibilidade e delicadeza, seja na Igreja, seja na sociedade. Seria desejável que os projetos pastorais diocesanos reservassem uma atenção específica ao acompanhamento das famílias em que vivem pessoas com tendência homossexual."

Bodas não equiparáveis

"Não poucas são as contradições culturais que afetam a família", incluindo a teoria de gênero e os casamentos gays. O texto incorpora aquilo que foi aprovado por maioria simples (e, portanto, formalmente não aprovado) na última assembleia, sobre o tema das famílias que têm pessoas homossexuais no seu interior.

"A esse respeito – afirma-se –, interrogamo-nos sobre qual atenção pastoral é oportuna diante dessa situação, referindo-se ao que a Igreja ensina: 'Não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família'. No entanto, os homens e as mulheres com tendências homossexuais devem ser acolhidos com respeito e delicadeza", evitando "qualquer marca de discriminação injusta".

Boa conduta nos casamentos mistos

"Os matrimônios mistos e os matrimônios com disparidade de culto apresentam aspectos de criticidade múltiplos e de não fácil solução, não tanto em nível normativo, mas em nível pastoral: a problemática da educação religiosa dos filhos; a participação na vida litúrgica do cônjuge".

Do questionário que serviu para redigir o documento, surge uma proposta concreta: "Elaborar um código de boa conduta, de modo que nenhum cônjuge seja obstáculo ao caminho de fé do outro".

Nulidades gratuitas

"Destaca-se um amplo consenso sobre a oportunidade de tornar mais acessíveis e ágeis, possivelmente gratuitos, os procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade matrimonial."

Casais de fato

"A Igreja deve ser capaz de acompanhar aqueles que vivem o casamento civil ou a coabitação, até a plenitude da união sacramental. A escolha do casamento civil ou da coabitação muitas vezes não é motivada por preconceitos ou resistências contra a união sacramental, mas por situações culturais ou contingentes. Essa vontade, que se traduz em um vínculo duradouro, confiável e aberto à vida, pode ser considerado uma condição para se inserir um caminho de crescimento aberto à possibilidade do matrimônio sacramental: um bem possível que deve ser anunciado como dom que enriquece e fortifica a vida conjugal e familiar."

Por trás das separações

É preciso "prestar atenção", diz o documento, "aos diferentes aspectos que determinaram a ruptura da relação matrimonial. Muitas vozes evidenciam que o drama da separação, muitas vezes, chega ao fim de longos períodos de conflitualidade que, no caso em que há filhos, produziram ainda mais sofrimento. Segue-se a isso mais uma prova da solidão em que se encontra o cônjuge que foi abandonado ou que teve a força de interromper uma convivência caracterizada por graves maus-tratos".

Cuidado pelas famílias feridas


"Cuidar das famílias feridas – separados, divorciados, recasados – e fazê-los experimentar a infinita misericórdia de Deus é considerado por todos como um princípio fundamental."

Fonte: Ihu

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