segunda-feira, 19 de maio de 2014

As garotas nigerianas roubadas

Quatro estudantes caminham em Chibok após fugirem do grupo Boko Haram.
“Achei que minha vida tivesse chegado ao fim”, Deborah Sanya me contou por telefone na segunda-feira. Ela falava de Chibok, uma cidadezinha de agricultores no nordeste da Nigéria. “Havia muitos, muitos deles”. O Boko Haram, um grupo terrorista islâmico, raptou Sanya e pelo menos duzentas colegas suas de uma escola secundária em Chibok há mais de duas semanas. Sanya escapou com duas amigas, assim como quarenta outras garotas. As demais desapareceram, e suas famílias não tiveram notícias delas desde então.

Por Alexis Okeowo

Sanya tem dezoito anos e estava fazendo os exames escolares finais. Muitas escolas em cidades próximas a Chibok, no estado de Borno, haviam sido fechadas. Ataques do Boko Haram a outras escolas – como um recente massacre de cinquenta e nove meninos no estado vizinho de Yobe – levaram ao fechamento em massa. Mas, autoridades locais do setor de educação decidiram reabrir a escola de Chibok por um curto período para aplicar as provas. Na noite da abdução, militantes apareceram na escola usando uniformes do Exército nigeriano. Disseram às garotas que estavam ali para levá-las a um lugar seguro. “Eles disseram: não se preocupem. Nada acontecerá com vocês”, Sanya disse. Os homens pegaram alimentos e outros suprimentos da escola e atearam fogo ao prédio. Levaram as garotas até caminhões e motocicletas. De início, as garotas, embora apreensivas e nervosas, acreditaram que estavam em boas mãos. Quando os homens começaram a atirar para o alto e a gritar “Allahu Akbar”, disse Sanya, ela percebeu que os homens não eram quem diziam ser. Ela começou a implorar a Deus por ajuda; viu várias garotas saltarem do caminhão em que estavam.

Era meio-dia quando seu grupo chegou ao acampamento dos terroristas. Ela fora levada para um local não muito longe de Chibok, a alguns vilarejos de distância, no meio do mato. Os militantes forçaram suas colegas a cozinhar; Sanya não conseguia comer. Duas horas depois, chamou duas colegas e disse-lhes que deviam fugir. Uma delas hesitou e disse que elas deviam esperar para fugir à noite. Sanya insistiu, e elas fugiram escondendo-se atrás de algumas árvores. Os guardas as viram e gritaram ordenando que voltassem, mas as garotas continuaram correndo. Chegaram a uma vila tarde da noite, dormiram na casa de um desconhecido que as hospedou e, no dia seguinte, telefonaram para as respectivas famílias.

Sanya não conseguiu me contar mais nada depois disso. Ela não está bem. Suas primas e amigas mais próximas ainda estão desaparecidas, e Sanya está tentando entender como é que ela está viva e de volta ao lar. Tudo o que pode fazer agora, segundo suas próprias palavras, é orar e jejuar, e orar e jejuar novamente.

No dia seguinte à abdução, o Exército nigeriano declarou que havia resgatado quase todas as garotas. Um dia depois, os militares voltaram atrás em sua declaração; nenhuma fora de fato resgatada. O número de garotas que o governo disse que estavam desaparecidas, pouco mais de cem, é menos da metade do número que pais e funcionários da escola reportaram. D acordo com sua contagem, duzentas e trinta e quatro garotas foram levadas.

Na esteira do fracasso dos militares, os pais se uniram e arrecadaram fundos para que alguns deles fossem à floresta procurar as garotas. O grupo deparou-se com moradores dos vilarejos que os convenceram a voltar. Eles disseram aos pais que haviam visto as garotas pelos arredores, mas que os insurgentes estavam muito bem armados. Muitos dos pais possuíam apenas arcos e flechas.

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As circunstâncias do rapto, e principalmente a desonestidade dos militares, explicitaram um aspecto profundamente inquietante dos líderes da Nigéria: quando se trata do Boko Haram, não se pode confiar no governo. Crianças foram assassinadas, juntamente com suas famílias, em inúmeros bombardeios e massacres do Boko Haram ao longo dos últimos cinco anos. (Mais de mil e quinhentas pessoas foram assassinadas até agora este ano). Escolas estaduais e vilarejos distantes ao norte têm sido vítimas da violência do Boko Haram. O grupo é suspeito de, ao menos em parte, promover uma campanha contra os valores seculares. As garotas raptadas eram cristãs e muçulmanas; sua única ofensa, ao que parece, era ir à escola.

Em junho do ano passado, visitei Maiduguri, capital do estado de Borno e berço do Boko Haram, para cobrir a insurgência e a contra-ofensiva do governo nigeriano, uma operação de segurança que deixou três estados do nordeste, incluindo Borno e Yobe, sob estado de emergência enquanto as tropas atacavam esconderijos e acampamentos terroristas. Os militares cortaram linhas telefônicas e o acesso à internet; ao mesmo tempo que os habitantes aprovaram a intervenção, havia uma sensação de que estavam vivendo no escuro. Tiros, uma explosão de bomba: teria sido o Boko Haram ou um ataque militar? Seriam as centenas de homens desaparecidos pelos militares de fato terroristas – mesmo os meninos tão jovens? E, estaria o governo, como alegava, vencendo a guerra?

Os militares reconectaram as linhas telefônicas em Borno. Mas a única companhia aérea que voava para Maiduguri cancelou a rota no fim do ano passado. A estrada que leva a Chibok é tão perigosa que o governador de Borno visitou a cidade sob pesada escolta militar. Atualmente, boa parte do nordeste está isolada. O que está acontecendo por lá que não podemos ver?

Os nigerianos do resto do país vinham conseguindo, até recentemente, ignorar as mortes. O clima geral tem sido de desânimo e apatia – desde um governo que está reprimindo os nortistas pesadamente até os civis que se encontram bem distantes do caos. Pode ser que esse estado de espírito finalmente mude.

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O pai de Sanya, o professor da escola primária Ishaya Sanya, está lutando com emoções conflituosas: gratidão por sua filha estar de volta; culpa porque as filhas de seus irmãos, amigos e vizinhos ainda estão desaparecidas na mata; e uma frustração raivosa pelo fato de aparentemente não ter havido nenhum esforço para resgatar as garotas.

“Não sabemos onde elas estão até agora, e não tivemos nenhuma notícia do governo”, disse-me ele. “Todas as casas em Chibok foram afetadas pelo rapto”. As únicas informações que as famílias conseguiram obter sobre as garotas raptadas, continuou ele, foram transmitidas pelas garotas que escaparam.

Ele lembra o horário exato em que Deborah apareceu em sua frente depois da fuga – 16h30 – e como ele se sentiu: “muito feliz”. Mas o desespero logo voltou. “Nossa região foi afetada de forma muito grave”, disse. Pais e mães adoeceram fisicamente, e alguns estavam “enlouquecendo”.

O plano atual dos militares é incerto; os pais e mães da cidade de Chibok esperam que o Exército esteja agindo de forma rápida e cautelosa. Existe uma preocupação adicional de que uma operação de resgate possa resultar na morte de muitas garotas; isso ocorreu durante uma tentativa de resgate anterior de dois engenheiros ocidentais sequestrados pelo Boko Haram. Na semana passada, um porta-voz dos militares, o General de Brigada Chris Olukolade, disse apenas que as buscas pelas garotas haviam sido “intensificadas”.

Enquanto isso, assim como ocorre em outras situações na Nigéria, cada comunidade tem que se defender por conta própria. Durante alguns dias depois da abdução, algumas garotas foram reaparecendo na cidade – algumas pularam de caminhões, outras escaparam quando foram enviadas para buscar água. Esse retorno de algumas garotas terminou. “Ninguém as resgatou”, disse um funcionário do governo de Chibok sobre as que conseguiram retornar. “Quero que você enfatize este ponto. Ninguém as resgatou. Elas fugiram por conta própria. Isso é doloroso”.

Um pastor de Chibok, cuja filha está desaparecida, disse que saiu com amigos em busca das garotas na manhã seguinte à abdução. “Fui obrigado a voltar para casa de mãos vazias”, ele me disse por telefone. “Simplesmente não sei o que o governo federal está fazendo a respeito. E não há nenhuma força de segurança aqui para nos defender. Você tem de fazer o que for possível para salvar a própria vida”.

Perguntei ao pastor sobre rumores de que o Boko Haram levara as garotas além das fronteiras da Nigéria, para Camarões e Chade, casando-as à força. Ele fez uma pausa, e disse: “Como serei feliz? Como serei feliz?”.

[+] Abaixo-assinado online da Change.org: #BringBackOurGirls.

[+] Quem são as centenas de jovens sequestradas na Nigéria?

Autora

Alexis Okeowo é jornalista e vive em Lagos, na Nigéria. De 2006 a 2012, ela foi correspondente em Uganda, México e Nova York. Em 2013, relatou um escândalo de grupos da mineração chinesa na Zâmbia, com o apoio do Pulitzer Center on Crisis Reporting. Em 2012, foi membro da Alicia Patterson Foundation, escrevendo sobre os direitos dos homossexuais na África. Ela também foi parceira do projeto International Reporting Project da Johns Hopkins School for Advanced International Studies, fazendo relatórios sobre a violência religiosa e sectária na Nigéria central e do norte.

Fonte: Blogueiras feministas

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