sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A alegria do Evangelho, uma revolução no Vaticano


O Papa Francisco emitiu nessa terça-feira uma "declaração programática de governo", na qual pede nada menos do que uma radical transformação da sua Igreja Católica. Na sua opinião, nem todos os ensinamentos da Igreja, os seus costumes estão fixados por todos os tempos: "Não tenhamos medo de os rever!". Ele crítica ao capitalismo e à riqueza. Ele afirma que o sistema econômico é "injusto na sua raiz": "Essa economia mata". "Não é possível que a morte por enregelamento de um idoso reduzido a viver na rua não seja notícia, enquanto o é a queda de dois pontos na Bolsa".


A reportagem é de Matthias Drobinski, publicada no jornal Süddeutsche Zeitung, 26-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Concretamente, o homem que veio da Argentina e que de Roma lidera há pouco menos de três trimestres a maior comunidade de fé do mundo simplesmente escreveu uma exortação apostólica intitulada Evangelii gaudium (a alegria do Evangelho), na qual resume os seus pensamentos depois do mais recente Sínodo dos Bispos realizado no Vaticano.
Esse sínodo foi realizado em outubro de 2012. O papa então ainda era Bento XVI. E o fato de que ele apenas quatro meses depois iria se retirar parecia então ser impensável. Mas, já à época, muitos bispos diziam: "Não é possível seguir em frente assim". Em geral, nas chamadas exortações pós-sinodais, os papas faziam uma escolha dos pedidos dos bispos que apareciam, depois, em uma forma muito enfraquecida. Francisco fez o contrário. Tornou mais forte o que tinha sido dito e deu-lhe a sua voz.
Nasceu daí uma requisitória de 180 páginas que vai desde os Padres da Igreja até a crítica do capitalismo. É um texto programático. Há mais de 50 anos, nenhum papa jamais pedira à sua Igreja que mudasse tão radicalmente.


"Saiam!"

"Saiam!" é a essência da mensagem que ele envia a bispos, padres, membros da comunidade. Saiam para fora das suas cômodas estruturas eclesiais burguesas e do caloroso círculo dos convencidos – anunciem o Evangelho às periferias das cidades, aos marginalizados pela sociedade, aos pobres, aos abandonados, aos que duvidam.

"Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças", escreve, desejando um "estado de missão permanente" – às vezes o pathos papal soa como o de um pregador da sua pátria Argentina que quer redespertar as consciências.

A renovação começa pela sua função, escreve Francisco. Do seu magistério, não podemos esperar "uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões", diz ele logo no início. Ele considera necessária uma "salutar descentralização" na Igreja e que as conferências episcopais locais também sejam portadoras de "alguma autêntica autoridade doutrinal".

Na sua opinião, nem todos os ensinamentos da Igreja, os seus costumes estão fixados por todos os tempos: "Não tenhamos medo de os rever!". O papa também se irrita com o falso clericalismo que ele percebe na Igreja. Ele pede uma "Igreja com as portas abertas", mesmo aos pecadores: "A Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos" – e isso "tem também consequências pastorais". Aqui seria preciso puxar as orelhas de Gerhard Ludwig Müller, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: ele declarou que os divorciados em segunda união não têm o direito de se aproximar da comunhão, e ponto final.

Raramente Francisco entra tanto assim na prática, exceto quando explica o que exatamente não está errado: às mulheres deve permanecer vetado o acesso ao presbiterado, embora o papa deseje "uma presença feminina mais incisiva na Igreja", mesmo sem especificar o que ele entenda com isso. O aborto também continua sendo para ele um pecado mortal: "Não é opção progressista pretender resolver os problemas, eliminando uma vida humana", escreve, como, aliás, também deplora em geral quando se fala de matrimônio, família, coesão social em uma linguagem absolutamente conservadora, a dissolução das relações – o pontífice, de fato, é radical, não liberal.

Uma crítica radical de esquerda

Também radical de esquerda, se podemos usar os estereótipos atuais, parece ser a crítica do papa ao capitalismo e à riqueza. Ele afirma que o sistema econômico é "injusto na sua raiz": "Essa economia mata". "Não é possível que a morte por enregelamento de um idoso reduzido a viver na rua não seja notícia, enquanto o é a queda de dois pontos na Bolsa". Ele afirma que o ser humano é considerado como um bem de consumo "que se pode usar e depois jogar fora", que os excluídos se tornam "resíduos", "sobras". Conclusão: "Não a um dinheiro governar em vez de servir".


O cardeal de Munique, Reinhard Marx, disse que a exortação apostólica é "um apelo profético à Igreja". O presidente da Conferência Episcopal Alemã, Robert Zollitsch, de Friburgo, fala de uma "análise impressionante" em uma "linguagem clara e vivificante". Como bispos, louva-se quando o papa escreve – também porque a maior parte dos bispos alemães se sentem apoiados nos seus esforços para entrar em diálogo com o mundo fora da instituição. No fundo, no entanto, seria preciso dizer: "Senhor Jesus, o que o papa espera de nós?".

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