quinta-feira, 25 de abril de 2013

É assim que a Europa nos vê


Mulheres que escolhem Portugal e Espanha para estudar, fazer negócios ou simplesmente mudar de ares têm que provar o tempo todo que não estão lá para se prostituir ou arrumar marido. Fomos aos dois países rastrear as origens do preconceito que se espalha pela Europa e está cada dia mais agudo.


A estudante gaúcha Manoela Rysdyk, 28 anos, e uma amiga andavam em Lisboa, pelas ruas do Bairro Alto, cheio de bares charmosos e onde não circulam carros. Um motorista afoito surgiu num Alfa Romeo, buzinou e gritou para elas saírem da frente. Manoela respondeu e o homem, irritado, saiu do carro já acertando socos e pontapés nas duas. A polícia chegou, o português se adiantou: "São prostitutas brasileiras". Enquanto a gaúcha e a amiga tentavam dar a versão delas, o policial pediu o passaporte e decretou: "É mentira, vocês são mesmo prostitutas brasileiras".
Manoela ficou uma semana sem pôr o pé na rua, chorando. Pouco tempo depois, de volta a Porto Alegre, recebeu o diagnóstico de síndrome do pânico. Na Espanha, a nutricionista paraense Sueli Moreira, 38 anos, preferiu perder a fiança que pagou a continuar na república onde alugava um quarto. Como parte do seu doutorado pela Universidade de São Paulo, precisava passar sete meses em Barcelona. Já nos primeiros dias no novo endereço, onde viviam apenas pós-graduandos estrangeiros, ouviu da esposa de um colega a determinação de não chegar perto do marido dela: "Toda brasileira é prostituta", sentenciou.

São situações como essas que as brasileiras têm enfrentado no dia-a-dia em Portugal e na Espanha. Não faz diferença nem o grau de formação, nem a qualificação profissional, nem mesmo o tipo físico. No imaginário europeu, a mulher brasileira é livre, sensual, não mede esforços para atingir seus objetivos e não vê barreiras que a impeçam de trocar de par se ela não está feliz. Essa lista de atributos atesta que es tamos falando de uma mulher bem-reslvida e dona de si, mas na Europa  tem sido sinônimo de mulher volúvel, infiel, cidadã nada confiável.

De onde vem a imagem?
O Carnaval do sambódromo, que os portugueses só viam na TV, se transferiu para as ruas de Lisboa, Algarve e Ilha da Madeira. En quanto os lusitanos usam fantasia e casaco sob a baixa temperatura de fevereiro, muitas brasileiras revivem, com plumas e seios nus, as passistas do Carnaval carioca - o que escandaliza a moral conservadora do lugar. Além disso, está fortemente presente na fantasia portuguesa a Gabriela Cravo e Canela, personagem concebida pelo escritor Jorge Amado como baiana sensual, de ancas fartas e um cheiro inconfundível de prazer. "A Gabriela encarnada por Sonia Braga passou a ser a nossa vizinha", diz a psicóloga Maria Bibas.
"Foi a primeira novela brasileira exibida em Portugal, no fim dos anos 70, ou seja, foi assim que os portugueses descobriram a brasileira, uma espécie de fruto proibido."
O problema, resume Beatriz Padilla, autora de um estudo sobre a imigrante brasileira em  Portugal, é que o limite entre ficção e realidade é tênue. "Entre a imagem da brasileira calorosa e exuberante e a da prostituta tem só um passo", afirma.
Já o jornal PÚBLICO, o terceiro maior do país, escancara o preconceito contra os brasileiros que se fixaram nos arredores da capital, como neste texto: "A primeira vaga, vinda de Minas Gerais, era majoritariamente masculina. A região até agradecia o aparecimento de mais mão-de-obra (...) Ninguém contava, contudo, que anos depois esses imigrantes conseguissem legalizar-se e trouxessem suas mulheres e filhos. Era ainda menos previsível que a informação sobre as oportunidades laborais na florescente região da Ericeira atravessasse o Atlântico e seduzisse jovens solteiras de lingerie reduzida, pondo em perigo a integridade dos matrimônios de Barril".
O veículo tem entre suas bandeiras o combate à imigração, que levou para lá 100 mil brasileiros, hoje regularizados ou em vias de legalização.
Sem contar os 50 mil clandestinos, esse grupo forma a maior comunidade estrangeira em Portugal, que enfrenta recessão e desemprego. As reportagens, claro, provocam  terrível rejeição. Um dos casos mais graves ocorreu há cinco anos, quando, em Bragança, norte do país, as mulheres traídas saíram em manifesto, acusando as prostitutas brasileiras de destruírem seus lares. Conhecido como "Mães de Bragança", o movimento colocou Portugal e "as meninas do Brasil" na capa da revista TIME. Depois disso, tornou-se difícil reverter a imagem distorcida.
Renegando a herança
Recentemente, a intolerância foi medida no trabalho Os Imigrantes e a População Portuguesa, Imagens Recíprocas. O estudo concluiu que os portugueses reconhecem os brasileiros como alegres e bem-dispostos. Mas não nos consideram competentes, muito menos honestos. Pior: 70% dos entrevistados disseram que as brasileiras têm contribuído para a prostituição no país. Com tudo isso, a advogada paulista Marina Alves de Souza, 28 anos, se retrai para não parecer alegre demais, espontânea demais. "Passei a ser reservada e a conter meu senso de humor", revela. "Sou obrigada a provar o tempo todo a minha capacidade para não ser con fundida outra vez", diz.

Marina faz mestrado em Portugal e, ao responder a uma oferta de emprego, se deparou com o teste da cama. O advogado que a contrataria, em vez de checar o currículo, convidou-a para passar um fim de semana com ele antes da aprovação. "Me senti desvalorizada." Toda vez que ela repete seu discurso contra a discriminação, ouve dos amigos estrangeiros o comentário: "Ah, mas você é uma brasileira diferente das outras!"

Na Espanha, a mineira Janine Avelar, 31, pós-graduanda na Universidade de Barcelona, conta que viveu situação parecida ao recorrer ao site de empregos Loquo.com. A  informação de que fala cinco línguas e tem experiência em quarto setores profissionais não bastou: A primeira vaga que me ofereceram foi numa casa de massagens".

Por mais que elas tentem neutralizar a ginga - que para o sociólogo Gilberto Freyre é talento herdado dos negros - e amenizar o decote, que faz parte do histórico brasileiro de vestir, há algo que as entrega: o sotaque. A paulistana Lucinda Raimundo, gerente de  vendas, 38 anos, filha de transmontanos, com nome e feições de portuguesa, diz bom 'djia' ", e os lusitanos entendem que ela fala o "português com açúcar". Lucinda tentou  ser direta  e lacônica ao telefone quando ligou para o número dos classificados para alugar um apartamento. Do outro lado da linha, uma senhora reconheceu o sotaque e disparou: Eu não alugo para brasileiras".

Rótulo reforçado
Verdade seja dita, o rótulo mulher objeto  foi criado e alimentado pelo Brasil. Se o país  quiser acabar com ele, terá de começar em casa. A partir do regime militar, a divulgação sobre o país se baseou em corpos seminus. O governo já percebeu o engano e, de alguns anos para cá, tem abandonado o apelo das garotas de fio-dental. Mas a mudança de rumo não foi assimilada por marcas como a Garoto, que, em 2005, numa feira de alimentação, em Lisboa, contratou mulatas de biquíni que rebolavam e distribuíam chocolates. A festa se repete sempre que os profissionais de marketing querem chamar a atenção para produtos nacionais em eventos estrangeiros.
Na mesma linha, agências de turismo espanholas usam a mulata do tipo exportação para oferecer pacotes para o Brasil.
Citam as praias paradisíacas, o axé music, o calor tropical e "as melhores mulheres do mundo". Para Daniela Alves, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP, o principal elemento da formação do preconceito é essa imagem vendida sobre o nosso país no exterior. "Quando as  agências de turismo e guias agem dessa forma, visam claramente fortalecer o turismo sexual", opina.
Caso de polícia
Toda vez que o assunto pula para as páginas policiais, a repercussão se estende sobre as 67 mil brasileiras que vivem na Espanha e as 54 mil que moram em Portugal. Em fevereiro, a imprensa publicou que as brasileiras dominam a prostituição de luxo na ilhas espanholas. Oito em cada dez nasceram no nosso país. Foram presos sete chefões, incluindo dois brasileiros, donos de uma megarrede de exploração sexual nas Ilhas Canárias. Logo depois, outra reportagem mostrava que só nas Ilhas Baleares a prostituição de brasileiras movimenta 300 milhões de euros (cerca de 770 milhões de reais).

A jornalista baiana Larissa Ramos, 28 anos, sente o rescaldo do noticiário na pele. "O dono da pizzaria onde trabalhei, em Barcelona, vivia perguntando: 'Quer subir aqui comigo para se trocar?' ", lembra. "Uma vez, contou que tinha contatos na PLAYBOY. Eu falei: 'Ótimo, sou jornalista, adoraria escrever para a revista'. E ele devolveu: 'No seu caso, seria para posar nua, minha filha'."

Embaraços no amor
A nova lei de estrangeiros pune as uniões de conveniência, mas muitas brasileiras ainda "compram matrimônio" para tirar o green card europeu. Isso dificulta a vida de quem quer casar de verdade: a paulista Beatriz Saiani, 36 anos, saiu do mestrado nos Estados Unidos para uma pausa em Portugal. Conheceu Manuel Severino e se casou. Tempos depois, já com dois filhos, o marido lhe revelou que seu melhor amigo havia dito: "Com brasileira? Nunca vai dar certo". O designer português Daniel Bandeira corrobora: "A idéia que predomina aqui é a de que a brasileira só está atrás de homem e, se ele for rico, tanto melhor".

Cartão vermelho

A União Européia redobrou a vigilância nas fronteiras para conter a imigração ilegal e o tráfico de pessoas. A operação Amazon filtra sul-americanos nos aeroportos de Madri, Barcelona, Lisboa, Londres, Paris, Milão, Roma, Amsterdã e Frankfurt. Mas tem cometido repugnantes excessos. Portugal barrou 3 598 estrangeiros em 2006. Deles, 1749 eram brasileiros (48,6%). Em 2007, a Espanha recusou 3 mil brasileiros, a média diária era de 8,2. Em fevereiro deste ano, a média subiu para 15. Até que a denúncia de discriminação sexual, feita pela física paulista Patrícia Magalhães à imprensa internacional, causou um embaraço diplomático entre Brasil e Espanha. Ela voaria de Madri para um congresso em Lisboa, mas acabou presa por 53 horas e mandada de volta. Dias depois, a Polícia Federal passou a dificultar a entrada de espanhóis no Brasil, com endosso do governo.

Fonte: www.claudia.com.br

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