quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Rede prova ser possível resgatar as vítimas da prostituição


Trabalho em equipe, profissionais engajados e programas eficientes abrem novas perspectivas para adolescentes submetidos à exploração sexual

 
O ex-michê Leonardo é um bom exemplo de como dá para salvar vidas com políticas públicas quando um governo concede ao assunto a devida importância. Ele, dito por ele mesmo, um sobrevivente das ruas. Metido no pior dos mundos – o da indiferença –, estava às portas do inferno. Chegou a pensar ter perdido a cartilagem do nariz após uma semana trancado num motel, cheirando cocaína e submetido às sevícias de um grupo de turistas. Tinha só 16 anos e já contava dois de experiência no submundo de Fortaleza. Eis que apareceu a turma da busca ativa, esse pessoal que entrega seus dias para salvar uma gente dada como perdida.
Uma noite, apareceram dois sujeitos enquanto Leonardo fazia a pista numa rua do bairro Álvaro Weyne. A Kombi de onde desceram trazia na porta a logomarca da prefeitura de Fortaleza. A presença deles despertava suspeita, até repulsa. Os educadores sociais do Programa Ponte de Encontro começaram a dizer a que vieram. Porque a sensação de não tirar proveito daquela conversa concorria para concluir que estava perdendo tempo, Leonardo tentava abreviar as conversas em respostas monossilábicas. Imaginou estar seguro com algumas explicações evasivas, a menos que os outros fossem demasiado insistentes. Era o caso.
Esse pessoal não é de desistir fácil. Sorte de Leonardo. Ao cabo de seguidas semanas de conversas, ele ficou convencido de que aqueles caras queriam mesmo ajudá-lo. Há um ano foi incluído no Projeto ViraVida, do Sesi (Serviço Social da Indústria). Largou as drogas e a prostituição. Em dezembro, conclui o curso profissionalizante. Leonardo se tornou aliado dos educadores sociais no resgate de crianças e adolescentes submetidos à exploração sexual. Um dos recursos é mostrar que eles são agentes da própria mudança. “Não fazer para eles, mas fazer com eles”, define o supervisor de abordagem de rua, Rafael Agostinho Araújo.
 Turma incansável
Todos os dias, seis educadores sociais percorrem os dez locais de Fortaleza com maior incidência de exploração sexual de crianças e adolescentes, mapeados pela socióloga e professora da Universidade Federal do Ceará Glória Diógenes. Levam preservativos e uma boa dose de disposição para falar durante horas com jovens na mesma condição em que Leonardo se encontrava. O programa de que eles participam é uma das várias ações de um notável exemplo de política pública de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.
A abordagem de rua resulta em serviços como espaços provisórios para meninos e meninas, de forma a promover e garantir o direito à convivência familiar e comunitária e articular a qualidade de vida, com oportunidades de capacitação para o trabalho. Já o Programa Rede Aquarela dispõe de abrigo para vítimas de tráfico para fins de exploração sexual, além de atendimento psicossocial a vítimas de violência sexual e suas famílias. Também as acompanha na delegacia especializada e nos depoimentos na 12.ª Vara Criminal, para a escuta de crianças e adolescentes por meio do depoimento sem danos.
 
Grupo traça projeto de vida para jovens
Em 1986, um grupo voluntarioso começou a fazer incursões pela periferia de Fortaleza atrás de crianças em situação de rua. Mapeou os pontos de maior concentração e passou a fazer visitas domiciliares, estreitou uma relação de confiança e traçou com as famílias um projeto de vida para os filhos. Levava esperança, noções de cuidados pessoais e uma proposta de qualificação profissional. Anos mais tarde, em 2008, um novo problema bateu à porta. Desde então, a Associação Barraca da Amizade passou a trabalhar com vítimas e potenciais vítimas da exploração sexual infanto-juvenil.
Dos 168 casos atendidos pela ONG desde então, o mais novo tinha 11 anos e o mais velho, 25. A maioria tem de 16 a 22 anos. Quatro entre dez aten­­didos mudaram de vida, mas 45 adolescentes ainda estão sujeitados à exploração sexual nas ruas. Assim, uma das ações da associação é a política de redução de danos, com orientação sobre doenças sexualmente transmissíveis e distribuição de preservativos. Parte dos adolescentes é in­­cluída no projeto ViraVida, do Sesi, e recebe uma bolsa de R$ 500 como incentivo à profissionalização e à fuga das ruas.
 
Projeto do Sesi está presente em 16 estados
Presente em 16 estados, o Projeto ViraVida é a iniciativa de maior abrangência no atendimento a vítimas da exploração sexual. Criado pelo Sesi para jovens de 16 a 21 anos em situação de exploração sexual, o projeto já teve mais de 2 mil matriculados, metade em processo socioeducativo (em sala de aula), mais de um quarto inserido no mercado de trabalho, além dos que estão em formação.
Uma vez selecionados, os jovens se inscrevem em cursos de capacitação, de 6 a 11 meses de duração. Os cursos oferecidos são de Gastronomia, Criação e Mo­da, Cabeleireiro, A­gen­te e Produção de E­ven­tos, Recepcionista com Aper­feiçoamento em Serviços de Saúde e Comunicação Digital Básica. Todos com módulos que contemplam vivências profissionais e oficinas de sensibilização, capacitação profissional, disciplinas transversais que debatem ética e meio ambiente, além de noções de cooperativismo e autogestão.

 
 

Fonte: Gazeta do Povo

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