terça-feira, 2 de outubro de 2012

As principais violações aos direitos das mulheres no mundo


No histórico desrespeito pelos direitos humanos em todo o mundo, as principais vítimas ainda são mulheres - de várias idades, raças e nacionalidades - apesar dos inegáveis avanços conquistados e de sua crescente participação política e econômica.
 São elas as que mais sofrem com problemas como mortalidade materna, violência doméstica, escravidão moderna, tráfico de pessoas, prostituição, turismo sexual, estupro, mutilação genital, casamento forçado e precoce, falsa igualdade política e profissional. O Livro Negro da Condição das Mulheres (Editora Bertrand Brasil, tradução Nícia Bonatti, 826 páginas, 85 reais), que acaba de ser lançado no Brasil, reúne uma série de textos repletos de dados sobre as mazelas enfrentadas por elas em várias nações, além de depoimentos duros e reveladores de vítimas reais, organizados por Christine Ockrent e Sandrine Treiner.
Françoise Gaspard, autora do posfácio, socióloga e perita da ONU junto à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), explica ao site de VEJA por que a publicação, que foi originalmente lançada em 2006 na França, continua atual: "É sempre interessante retomar a discussão sobre questões que ainda atravessam o respeito aos direitos humanos das mulheres, embora ele avance lentamente". Desde a Conferência de Pequim, em 1995, regularmente são feitos levantamentos sobre a condição feminina no mundo. Segundo Françoise, os principais problemas atualmente estão relacionados à segurança e à pobreza - especialmente à mortalidade materna e à violência conjugal. "O que muitas vezes ainda dificulta as pesquisas é que muitos países não divulgam estatísticas dos casos de discriminação e maus tratos", lamenta.
 
 De maneira geral, o campeão de injustiças continua sendo o mundo árabe. No passado, grande parte desses países ratificou a Cedaw, mas muitos fizeram ressalvas em artigos que divergiam da lei islâmica - entre eles Arábia Saudita, Bahrein, Egito, Iraque, Kuait, Líbia, Marrocos e Síria. "A situação das mulheres nesses países é lamentável. Entre os árabes, a Tunísia é uma exceção, pois teve uma melhora considerável no âmbito dos direitos das mulheres desde 1956, ano de sua independência, e continua a evoluir nesse aspecto em suas leis civis", aponta Françoise. Um estudo divulgado pela revista Newsweek no fim de setembro, com os melhores e piores países do mundo para as mulheres, coloca Chade, Afeganistão e Iêmen no topo da lista dos mais críticos.
 
Casos recentes - A Arábia Saudita anunciou na semana passada que a partir de 2015 as mulheres poderão votar, mas ainda há uma série de obstáculos para a participação efetiva delas na política do reino, lembra Françoise. "O primeiro deles se deve ao fato de que elas não possuem os documentos necessários para votar ou se candidatar." Ainda assim, salienta a socióloga, a atuação feminina foi muito importante nas revoltas árabes. "Elas tiveram um peso grande na elaboração da lei, que atualmente determina a paridade absoluta entre homens e mulheres nas eleições. Porém, o que acabamos de constatar é que 95% dos candidatos para as próximas eleições (na Tunísia) são homens. Não foi algo imposto, mas uma escolha das próprias mulheres de não se candidatar.". Na Líbia, a situação é semelhante. O novo governo conta com menos mulheres do que no regime de Muamar Kadafi. Isso porque muitos membros do Conselho Nacional de Transição são muçulmanos praticantes e conservadores.
 Para reverter essa situação de desigualdade, o "feminismo muçulmano" é cada vez mais forte e presente. "As mulheres muçulmanas funcionam em rede, e a internet tem um papel importante. No Mahgreb, elas formaram, por exemplo, uma coalizão que faz campanha contra as reservas dos governos à Cedaw", conta, destacando ainda que, no Irã, há mais mulheres nas universidades do que homens. "São mulheres educadas que tem um papel na sociedade de fato e admitem cada vez menos a falta de igualdade." Assim como a presidente brasileira Dilma Rousseff, que em seu discurso na Assembleia Geral da ONU disse que este é o "século da mulher", Françoise também enxerga o futuro com certo otimismo. "Quando olhamos para os progressos conquistados, mesmo que lentamente, o de maior destaque é a educação cada vez mais ampla das mulheres. Creio que isso será fundamental na definição do seu papel nos próximos anos e fará com que elas exijam seus direitos de forma mais marcante na sociedade."
 
Mortalidade materna
 Segundo dados de 2006, a mortalidade ligada à gravidez ou ao parto atinge 500.000 mulheres a cada ano - de um total de 200 milhões de mulheres grávidas -, principalmente em países pobres. Os campeões nesse quesito atualmente são Serra Leoa e Afeganistão. Estimada entre cinco e 30 em cada 100.000 nascimentos nos países desenvolvidos, a mortalidade materna pode atingir 2.000 em cada 100.000 nascimentos nas nações pobres. Essas mortes não são inevitáveis, e sua extinção depende de políticas de saúde mais eficientes. Um dos principais lugares onde faltam estatísticas demográficas é a Ásia. Países como a Índia e a China enfrentam problemas graves e específicos, como o aborto de crianças do sexo feminino. "A tecnologia que permite que se saiba o sexo do bebê antes de seu nascimento contribui para o assassinato dessas crianças em locais onde os meninos são mais valorizados", explica a socióloga. Outras questões não são tão explícitas e se fazem presentes até em nações reconhecidamente democráticas. "Mesmo em países onde o direito da mulher é desenvolvido, como na Suécia e na Finlândia, a diferença de salário existe, assim como de acesso aos postos de responsabilidade, especialmente dentro da área econômica." E em quase todos os lugares ainda é comum a violência conjugal - que cresce proporcionalmente à emancipação delas.
 
Violência doméstica
 As violências físicas e sexuais praticadas no seio do casal não acontecem apenas em países em desenvolvimento ou naqueles baseados em leis que formalmente subjugam as mulheres. Elas também dizem respeito a nações do norte ao sul da Europa, por exemplo, onde os mecanismos são idênticos: impor a vontade ao outro e dominá-lo. Difundidas e banalizadas, as violências conjugais fazem com que as mulheres vivam no terror. A emancipação social acaba despertando a violência em homens conservadores e de pensamentos ultrapassados.
Escravidão moderna
 A escravidão continua sendo, ainda nos dias de hoje, uma realidade econômica, social e humana - a despeito das abolições e da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, cujo artigo 4º estipula que "ninguém será mantido em escravatura ou servidão". A noção de escravidão moderna entrou para a linguagem corrente, embora nem sempre se meça bem o que de fato representa na vida dessas pessoas deslocadas e reduzidas à servidão em proveito dos mais ricos. Violência desumana e degradante, ela destrói até mesmo a personalidade das vítimas. A escravidão doméstica de mulheres é uma das suas formas correntes. Principalmente as estrangeiras se veem na obrigação de oferecer trabalho sem remuneração real, num contexto privativo de liberdade e permeado por violência.
Estupro
 O estupro é sem dúvida a forma mais evidente de dominação e violência contra as mulheres. Tanto nos países ricos quanto nos pobres, sem levar em conta necessariamente as diferenças culturais, religiosas e sociais, as mulheres continuam a ser consideradas objeto. O domicílio conjugal é, em todos os lugares, o quadro privilegiado das violências sexuais. Nos Estados Unidos, por exemplo, 78% dos estupros são cometidos por alguém da família.
Tráfico de pessoas, prostituição e turismo sexual
 Calcula-se que o tráfico de pessoas renda de 5 a 7 bilhões de dólares por ano - embora o número exato de vítimas e de lucros engendrados por esse comércio seja de difícil avaliação. Porém, é certo que o comércio de mulheres, especificamente, está em plena expansão, especialmente devido ao discurso que visa camuflar a realidade da exploração sexual: falar em "profissionais do sexo" é afirmar que o sexo das mulheres é um produto comercial. O turismo sexual também é uma das formas correntes de exploração: 200.000 adeptos vasculham países pobres em busca de corpos baratos e de crianças. Organizações criminosas fazem desse mercado uma indústria.
Mutilação genital
 As mutilações sexuais, tradição em muitas regiões da África, não poupam as meninas dessas comunidades em outros locais do mundo, especialmente na França. Toleradas durante muito tempo, em nome do respeito às diferenças culturais, são agora julgadas como crimes no país. Médicos humanitários que descobriram naquele continente o horror e as consequências desastrosas das mutilações genitais oferecem cirurgia reparadora - uma forma de reencontrar sua integridade física, além de uma sexualidade bem vivida.
Casamentos forçados e precoces
 A questão do casamento forçado preocupa as organizações internacionais da Europa e da América do Norte. Essa prática é tradicional em algumas nações da África, do sudoeste da Ásia, do Oriente Médio e da América Latina. Embora em vias de regressão em algumas partes do mundo, ainda se encontra em evolução em comunidades estrangeiras - africanas, magrebinas, turcas e asiáticas - dos países ocidentais. Na França, por exemplo, avalia-se em 70.000 o número de jovens casadas à força, sintoma da "guetização" de algumas comunidades. Cada vez mais, essas mulheres rompem o silêncio, testemunham e buscam a proteção da lei - mas muitas delas continuam sem recursos. Frequentemente são violentadas e sequestradas.
Falsa igualdade política e profissional
 O avanço das mulheres no ramo profissional não é um fato novo. Elas sempre trabalharam, em todos os lugares. Mas, recentemente, as formas e o volume dessa atividade se modificaram sensivelmente, em especial a partir da década de 1960. Para além de sua posição profissional, a posição feminina também transforma o lugar das mulheres na sociedade contemporânea. No entanto, se nos últimos anos elas passaram a constituir cerca da metade dos trabalhadores, a paridade quantitativa ainda parece distante em determinados setores e de salários. Na Europa, 80% das mulheres se dividem entre atividade profissional e vida familiar. E o trabalho em meio período continua a ser um de seus poucos privilégios.

Fonte: Revista Veja

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