terça-feira, 12 de junho de 2012

Despreparo da polícia inibe mulher vítima de violência


“Custei a tomar coragem de denunciar. Era sábado e a delegacia estava lotada. O policial me recebeu de forma grosseira e descobri que ele se identificou com nome falso. Não havia sala reservada e tive de contar minha história na frente de todos. Ele chegou a me ridicularizar e fui embora sem ser atendida”.

Estudo da USP/Unicamp aponta despreparo de policiais da delegacia de mulheres de BH para atender vítimas de violência
Em 1996, M.C. tinha apenas 11 anos e sentia no corpo os efeitos da transição da infância para a adolescência, quando foi abordada na portaria do prédio onde morava, no bairro Nova Floresta, região Leste de Belo Horizonte, por um desconhecido. “Ele tinha planejado tudo. Travou o elevador e cobriu o vão da escada com um tapete, onde me jogou, após me ameaçar com uma arma de fogo. Me obrigou a tirar a roupa e passou as mãos em mim. Só não fui estuprada porque crianças desceram a escada, com uma bola, fazendo barulho. O homem se assustou e foi embora”.
Quinze anos depois, ela pôde finalmente lutar por justiça. No mês passado, procurou a Delegacia de Mulheres para denunciar ter sido mais uma vítima de um acusado de estupros em série, preso dias antes. No entanto, saiu de lá mais revoltada. “Custei a tomar coragem de denunciar. Era sábado e a delegacia estava lotada. O policial me recebeu de forma grosseira e descobri que ele se identificou com nome falso. Não havia sala reservada e tive de contar minha história na frente de todos. Ele chegou a me ridicularizar e fui embora sem ser atendida”, conta.
 
Constrangimentos como o passado por M.C. foram analisados pela equipe da socióloga Wânia Pasinato, pesquisadora dos núcleos de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e de Estudos de Gêneros da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foram levantados 75 nomes de vítimas que passaram pela Delegacia de Mulheres de BH, de 2008 a 2010. “Falamos com 15. Em todos os casos, ou elas não receberam o tratamento adequado, ou presenciaram alguma mulher passar por isso”, diz a socióloga.
Segundo Wânia Pasinato, houve situações em que os policiais orientaram as mulheres a voltar para casa para refletir se realmente queriam prestar queixa. “Estavam sendo priorizadas as vítimas com marcas no corpo. Quem sofria ameaças, por exemplo, não conseguia atendimento”, afirma a pesquisadora.
 A pesquisa deu origem ao livro “Acesso à justiça e violência contra a mulher em Belo Horizonte”, que Wânia Pasinato lançará na Savassi, na Zona Sul da capital, no dia 17. Para ela, as falhas podem ter contribuído para a redução dos números de atendimentos e prisões registrados pela unidade especializada. Em 2011, 8.763 vítimas foram atendidas em BH, 7,4% a menos que no ano anterior (9.427). A queda nas prisões na capital foi de 55,7% (de 719 para 318). “Seria preciso analisar caso a caso. Mas pode ser um reflexo do desestímulo provocado pelo atendimento inadequado”.
 A desembargadora Heloísa Helena de Ruiz Combat, superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), destaca que o papel da polícia é registrar todas as queixas e critica a postura do agente, denunciada por M.C. e pela socióloga Wânia Pasinato. “Quem avalia se cabe punição é a Justiça, seja uma simples ameaça ou uma tentativa de homicídio”, diz.
 A delegada Margaret Freitas, chefe da divisão da qual faz parte a Delegacia de Mulheres de BH, afirma que, diferentemente do que foi constatado por M.C., a unidade se preocupa com o acolhimento das vítimas. “Desde janeiro, esse trabalho é feito por uma equipe multidisciplinar, que conta com psicólogos e assistentes sociais. Por enquanto, não temos condições de fazê-lo após as 18h30 e nos fins de semana. Mas há treinamentos específicos para os policiais dos plantões”, justifica.



Fonte: Hoje em Dia

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